Como Não Ganhar na Mega-Sena.

Opinião I 28.06.02

Por: sync

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José Antonio Francisco*
O prêmio recorde da mega-sena, de uns 60 milhões de reais, fez muita gente entrar nas filas das lotéricas. Nada obstante a existência de alguns especialistas em loterias, que vendem fórmulas mágicas de como acertar os números, e de videntes, adivinhos e numerologistas, que também vendem suas consultas, houve apenas um acertador. Que fórmula será que tinha ele?
A mega-sena e as outras loterias da CEF são típicos jogos de azar, pois não há como a habilidade do jogador interferir no destino dos números que serão sorteados.
Essas fórmulas mágicas e dicas de numerologistas não têm qualquer fundamento. Do contrário, esconderiam as fórmulas só para eles, para tornarem-se milionários. Ou, não se sabe, poderiam vender bilhetes premiados para os anões do orçamento lavarem dinheiro.
Mas quando se fala de chances de acertar na loteria, fala-se de estatística. A própria CEF diz em seu sítio quais as chances. Afirmações de que, com uma certa técnica, seria possível acertar vários jogos (mesmo quadras ou quinas) são mentiras.
Por que não jogamos no jogo da semana os mesmos números que sairam na semana passada? Pensamos: impossível de acontecer. Tem gente que vai além, e, num universo de mais de 50.000.000 de possíveis jogos, eliminam as poucas centenas de jogos já ocorridos e algumas combinações como números em seqüência (1, 2, 3, 4, 5 e 6, por exemplo).
O raciocínio correto é o seguinte. Pensemos em qualquer grupo de seis números. Pois bem, a chance de, em algum sorteio, sairem tais números é a mesma de sairem os números sorteados na semana passada, ou de sairem os números em seqüência 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Por isso é tão difícil acertar na mega-sena, e, na maioria dos sorteios, não há ganhador, acumulando-se o prêmio.
Além disso, trantado-se de estatística, se fosse possível alguma previsão, os estatísticos estariam ricos. Numa faculdade de estatística estudam-se todos os aspectos das chamadas variáveis aleatórias. Trata-se de variáveis matemáticas que descrevem o comportamento de um certo fenômeno. Os estudos mais aprofundados, como processos Markovianos, são de uma complexidade inimaginável para quem não tem contato com a matéria.
Ora, sabem os estatísticos que a o sorteio da mega-sena é um fenômeno descrito por uma variável aleatória que não tem memória. Esta é uma característica encontrada em quase todos os fenômenos aleatórios (casuais) do universo.
Isto significa que o resultado do evento anterior não exerce qualquer influência sobre o evento futuro. Em outras palavras, não faz diferença se o sorteio é o de nº 1 ou o de nº 5.000 da mega-sena, qualquer resultado pode ocorrer.
Aliás, para chegarmos ao sorteio de nº 5.000, levaríamos 5.000 semanas, ou 95 anos. É bem provável que daqui a 95 anos não mais existirá a mega-sena. Entretanto, neste período, se não houvesse a repetição de qualquer jogo, do universo de mais de 50.063.860 de possíveis resultados, teriam sido observados apenas 0,01 %. Isto não é nada.
Em outras palavras, se durante 95 anos uma pessoa jogasse na mega-sena toda semana, sua chance de ganhar seria de 0,01%. Entretanto, teria gasto R$ 5.000,00. Se, durante 50 anos, jogasse 200 jogos por semana, sua chance seria de 1%. Como não ganhar na mega-sena? Jogue duzentos reais por semana, durante 50 anos, e sua chance de não ganhar será de 99%.
As estatísticas a respeito dos números que mais saem e que menos saem não servem para nada.
Vamos usar uma analogia para demonstrar a inexistência de memória.
O jogo da mega-sena pé sempre feito num mesmo formulário por questão de conveniência, economia e praticidade. Não haveria razão para mudar o formulário toda semana, nem para mudar o método do sorteio. São 60 números, dispostos em ordem crescente.
Esses números não têm qualquer significado material, pois sã apenas símbolos. Pensemos no múmero 13. O que é esse número? Ao assim procedermos, poderemos imaginar o número 13, o signo 13, que consiste do signo 1, seguido do signo 3. Ou poderemos imaginar 13 bolas de futebol, 13 canetas, ou 13 pessoas. Ou, então, numa pessoa na 13ª posição de uma fila. Ou poderemos repetir a palavra “azar” 13 vezes.
Se não imaginarmos um significado real para o signo 13, ele não tem sentido material, é apenas uma abstração. E quando é que aquele número 13 constante do cartão de apostas da mega-sena passa a ter sentido material? Não é quando alguém o assinala na aposta, mas quando o sorteio é realizado. Neste momento, conferimos se o signo 13 corresponde a um dos signos sorteados. O significado do 13, neste caso, não é de quantidade (13 bolas de futebol), nem de ordem (13º da fila), mas apenas de correpondência (sorteado ou não sorteado).
Não é significado precípuo de um número. Quando contamos 13 canetas, o significado 13, de 13 canetas, é um significado precípuo de um número. Representa uma quantidade, e o significado da quantidade pode ser indicado por um signo numérico. Mas, no caso da mega-sena, qualquer outro signo poderia ser utilizado.
Em vez de números, poderíamos utilizar letras, nomes de raças de cachorro, nomes de pessoas, cores, figuras geométricas. As bolinhas sorteadas, contendo os símbolos correspondentes, cumpririam seu papel do mesmo jeito.
Ademais, poderíamos transformar radicalmente a mega-sena, mantendo as mesmas probabilidades de acerto.
Deixando de lado a conveniência e a economia anteriormente citadas, a cada semana poderíamos utilizar símbolos diferentes. Numa semana, nomes de animais; nas seguintes, figuras de animais, rostos de pessoas, pés de pessoas, peças de roupa, nomes de peças de roupas etc. Evidentemente, a CEF teria de trocar, a cada semana, os cartões de apostas, com os símbolos específicos.
Continuariam a ser 60 simbolos, continuariam a ser as mesmas probabilidades. Até mesmo o sistema de sorteio de 12 globos com números de 0 a 9 poderia ser mantido. Basta que utilizássemos dez signos, sendo que cada aposta correspondesse a uma combinação de dois deles (por exemplo, gato e cachorro, baleia e elefante, baleia e gato, gato e baleia etc.).
Pois é, aqueles números não têm qualquer significado próprio dos números, mas apenas encerram seu significado no signo.
Para melhorar ainda mais a situação, poderíamos, a cada semana, mudar o nome do jogo. Na primeira, seria mega-sena. Na segunda, poderia ser mega-animais, super-nomes, hiper-sorteio, bolão milionário, tudo sendo indicado no respectivo cartão da semana.
Assim, qualquer método mágico de adivinhação dos números que se baseie em divisão dos números em subgrupos (de 1 a 10, de 11 a 12 etc.) é completamente equivocado.
Mudaria alguma coisa? Em essência, não. Isto demonstra que a mega-sena pode ser vista como uma infinidade de loteriais semanais diversas, nunca repetidas. Daí deriva a afirmação de que não há memória em tal tipo de jogo. O jogo da semana que vem não sofre qualquer influência do jogo passado. São loteriais diversas, não havendo conexão entre elas, a não ser pelo nome comum (mega-sena) e pelos signos comuns (números).
De fato, em alguns sorteios da mega-sena em que apareceram seqüências de números, não houve acertadores, mesmo estando o prêmio acumulado há semanas (o que aumenta o número de apostas, e, em tese, a probabilidade de alguém ganhar). Entretanto, as pessoas têm a tendência a rejeitar apostas em seqüência, o que significa que a chance real de acerto diminui, quando números em seqüência são sorteados.
Isto porque a probabilidade de saírem números em determinada seqüência é a mesma de saírem números que não são seqüenciais. Entretanto, a probabilidade de as pessoas apostarem em números seqüenciais é menor.
Mas se os signos fossem desenhos de roupa, haveria uma tendência a não assinalar seqüências no cartão. Assim, dificilmente alguém arriscaria assinalar “meia”, “luva” e “gravata”, se os desenhos de tais peças estivessem lado a lado no cartão.
Portanto, vê-se que as seqüências da mega-sena não ocorrem apenas porque um número vem em seguida do outro, mas também porque os números estão lado a lado no cartão.
Se substituíssemos os cartões de apostas por urnas de apostas, então seria diferente. Em vez de cartão, o sorteio poderia ser realizado por meio de saquinhos, contendo dentro sessenta quadrinhos de papel com desenhos de raças de cachorro. Para escolher a aposta, as pessoas escolheriam seis raças, e as apresentariam ao caixa de lotérica. Eliminar-se-iam, assim, as seqüências. Entretanto, o jogo continuaria o mesmo, pois o fato de se colocarem os signos lado a lado no cartão não tem qualquer influência sobre o resultado do sorteio.
Abstraindo mais ainda, e isto é algo difícil de se fazer, pode-ser afirmar que o número 13 que saiu no último concurso nada tem a ver com o número 13 que saiu há dez semanas atrás. Estes 13 não são a mesma coisa.
Explica-se melhor. O treze é um signo, que pode representar um significado. Pensemos no nome Gabriela, por exemplo. Quando falamos no nome, sabemos que é um nome de mulher, e, para atribuirmos a ele significado, pensamos em alguma Gabriela que conheçamos. Quem conhece duas Gabrielas, sabe que não são a mesma pessoa (significado). O signo é o mesmo, mas o significado é diverso.
Ora, como dissemos, o significado do número 13 somente aparece no momento em que o sorteio é realizado. Assim, realizado o sorteio, saberemos se o significado do 13 é sorteado ou não sorteado. Portanto, o 13 sorteado há dez semanas atrás tem o significado de “sorteado no concurso x”. Da mesma forma, o 13 sorteado na semana passada teria o significado de “sorteado no concurso x+9”. São significados diversos.
Dizer que o 13 saiu 30 vezes é o mesmo que dizer que o signo treze representou o resultado “sorteado” 30 vezes, em tais e tais concursos. Sem a referência ao concurso em que o número saiu, não há significado nele.
Anteriormente já dissemos que qualquer estatística baseada nos números já sorteados não teria representatividade, posto que são possíveis mais de 50.000.000 de combinações.
Há dois raciocínios a respeito da eliminação de números que já saíram. O primeiro baseia-se na afirmação de que, se o número saiu poucos vezes, ele tem mais chances de sair. O outro é inverso: se o número saiu mais vezes, ele tem mais chances de sair.
São equívocos absurdos, posto que não existe memória neste tipo de evento.
Portanto, é muito difícil acertar a sena da mega-sena. Tão difícil que em 50 anos, gastando 200 reais por semana, 99% das pessoas não acertariam.
(*) Auditor da Receita Federal

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