Engajamento a qualquer custo: nem todo influenciador entende sua responsabilidade, diz especialista
As redes sociais se tornaram mais do que a “primeira tela”, substituindo a televisão na forma como vemos conteúdos audiovisuais: ela, agora, é plataforma de interação, catálogo de pesquisa e uma grande loja, onde influenciadores se revezam no papel ora de críticos ora de vendedores dos mais diversos produtos – sempre trabalhando com comissão. Em muitos casos, porém, o que é “vendido” ou impulsionado por esses perfis pode ser prejudicial para os usuários, mesmo que pareça inofensivo.
Um exemplo é o caso de alguns games que, divulgados pelas redes sociais, são classificados como jogos de azar, onde o usuário aposta dinheiro sem saber quais são as chances (ou porcentagens) recebidas – ou seja, que dependem inteiramente da sorte. Da mesma forma, reviews de produtos enganosos, venda de cursos falsos e até esquemas de pirâmide são encontrados nas redes sociais das subcelebridades. E o prejuízo, muitas vezes, fica do lado mais vulnerável da tela.
Para Clara Becker, cofundadora do Redes Cordiais, projeto de educação midiática que atua juntamente com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, influenciadores e consumidores precisam de uma maior instrução digital, para entender como lidar com as ferramentas na internet.
“Os influenciadores precisam ser atores estratégicos. Eles precisam ter responsabilidade, precisam entender a responsabilidade que eles carregam a partir do momento que eles falam com milhares e alguns milhões de seguidores. E nem todos entendem isso”, afirma Clara em entrevista ao Estadão.
Veja os melhores momentos da entrevista:
Pode-se exigir responsabilidade dos influenciadores pelos conteúdos que eles publicam nas redes sociais?
A regulamentação não é muito conclusiva em relação à responsabilidade do influenciador e a veiculação de conteúdo. Obviamente, uma coisa que a gente diz muito é que a internet não é terra sem lei, então os jogos que são ilegais fora da internet, também são ilegais dentro da internet. Agora, tem toda essa questão da impunidade. O Brasil tem 500 mil influenciadores, pessoas que têm 10 mil seguidores ou mais nas redes. Se você pensar em uma plataforma como o Instagram, que tem Stories que duram 24 horas e depois desaparecem, levantar investigação disso é uma coisa muito difícil.
Os influenciadores sentem que têm essa responsabilidade pelos conteúdos publicados?
A transparência tem que ser um fio condutor da atuação de qualquer influenciador. Então, se eles estão fazendo propaganda por um produto de aposta, tem que falar se já usaram ou não, os riscos envolvidos, inclusive financeiros, de perder dinheiro. Mas o vício também é um perigo. Os influenciadores não têm controle da audiência deles. Às vezes, o conteúdo é pensado para falar com adultos, mas podem ter muitos adolescentes seguindo. Você não tem controle disso. É um risco. Há um dano muito grave que o influenciador pode causar fazendo esse tipo de publicidade.
Essa é uma característica da cultura de influenciadores no Brasil?
Eu acho que é difícil generalizar assim dessa forma. Tem muitos profissionais com conteúdo de muita qualidade, fazendo publicidade de maneira muito responsável. Mas você tem muitos influenciadores amadores, que estão ali procurando engajamento a qualquer custo, realmente com uma presença muito irresponsável nas redes sociais.
Falta instrução para a forma como se conduz um perfil de “influencer” por aqui?
A educação midiática falta em todas as pontas. Falta sim uma formação maior, mais recursos para que esses perfis consigam exercer essa influência de uma maneira mais responsável, sem dúvida alguma. Essa falta de preparo pesa. Mas tem a questão da impunidade. O que exime mesmo da culpa é essa sensação de impunidade, que é muito difícil de você de fato levar um processo. (Estadão – Cultura Digital)