Grupo tenta aprovar liberação de jogos de azar
Às vésperas do fim do ano, um movimento de um grupo na Câmara dos Deputados tenta aprovar o chamado Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, que prevê a legalização e regulamentação dos jogos de azar, em meio físico ou virtual, em seis modalidades: cassino, bingo, bicho, apostas de cota fixa, apostas turfísticas e jogos de habilidade. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou como primeiro item da ordem do dia de segunda-feira (13), em sessão extraordinária, um requerimento de 2016 que pede urgência na apreciação do projeto em questão, que é de 1991 e tem sido discutido ao longo dos anos na Casa sem nunca obter sucesso.
A intenção de parlamentares envolvidos na discussão da matéria é aprovar a urgência e já pautar a matéria para a votação nesta semana, às vésperas do recesso parlamentar. Se aprovado, o texto segue para o Senado. Em setembro, Lira criou um grupo de trabalho para debater o projeto de lei de 1991 e a sua atualização. De lá para cá, o grupo discutiu o assunto e promoveu audiências públicas, mas sem muitos holofotes. O assunto já não era debatido na Câmara há algum tempo. A última movimentação do projeto é de 2016, quando foi aprovado o parecer do relator Guilherme Mussi (PP-SP) na comissão especial da Casa criada para deliberar sobre o marco.
O grupo de trabalho tem o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) como relator. Uma minuta do substitutivo ao projeto foi entregue ao grupo no último dia 8, mas ainda passará por algumas alterações. Ao R7, Carreras afirmou que o assunto foi exaustivamente debatido no grupo de trabalho, criado por Lira em 9 de setembro com a indicação dos membros e previsão de 90 dias de funcionamento, prorrogáveis por igual período.
“Não foi eximida essa possibilidade de discussão e debate. O grupo de trabalho foi aberto com prazo e não deixou de haver discussão. Se algum partido não teve interesse de indicar um membro, é porque não quis discutir o tema”, disse Carreras, frisando que o grupo tem parlamentares de diferentes posições políticas, como legendas de esquerda e até aliados do presidente Jair Bolsonaro, como Bibo Nunes (PSL-RS). Questionado sobre a oportunidade de pautar a urgência da matéria, o relator falou sobre desemprego e a necessidade de arrecadação de imposto por parte do estado brasileiro.
“Os jogos estão acontecendo cada vez mais e o estado não está arrecadando nada. A gente enxerga que é importante o estado brasileiro arrecadar, fiscalizar. Cada dia que se passa o estado está perdendo mais oportunidade. Não tem nada fora do tempo”, afirmou. Segundo ele, o fato de ser fim de ano, perto do recesso, não justifica deixar de discutir e votar um assunto. O parlamentar ainda frisou que a população está precisando de emprego e que a legalização e regulamentação dos jogos de azar abrirá mais oportunidades.
O assunto, entretanto, é polêmico, com grande restrição de partidos de esquerda e da bancada evangélica, que já travou a aprovação da matéria diversas vezes. Assim, a votação do assunto em regime de urgência deve sofrer resistência dessas bancadas. Líder da oposição, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que a matéria “mereceria um debate mais aprofundado do que o que se quer fazer”.
“Qual a razão de votar uma matéria dessa em urgência? Qual a urgência de liberar os jogos de azar no Brasil? Sou contrário à votação de urgência e lamento que, mais uma vez, o caminho natural dos projetos tenha sido desrespeitado para votar uma matéria complexa e polêmica”, afirmou. Segundo ele, o fato de o requerimento de urgência ser de 2016 e ainda não ter sido votado mostra que a matéria não é urgente.
Molon ressaltou que, por ser um substitutivo, a matéria deveria passar por comissões novamente, tendo em vista que esse é o local correto, segundo ele, para debater matérias mais complexas. “Os temas são debatidos nas comissões, com representantes distribuídos pelos partidos e isso não foi observado. Grupo de trabalho não é regimental; as vagas não são distribuídas para os partidos de forma proporcional. Além disso, nos grupos não se respeitam as indicações partidárias. Quem escolhe é o presidente da Casa e não o líder da bancada”, afirmou.
Líder do PT, a segunda maior bancada na Casa, Bohn Gass (PT-RS) frisou que não cabe votar um projeto como esse na última semana dos trabalhos. “Não é correto que se vote no afogadilho. Esse tema precisa de aprofundamento maior”, pontuou. De acordo com ele, a matéria é polêmica e, ao longo dos anos, a oposição tem tido uma posição contrária. Gass ressaltou, no entanto, que é preciso ler e compreender o projeto antes de a bancada se manifestar.
Vice-líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que é preciso ler o texto para ter opinião, mas que a bancada sempre se posicionou de forma contrária ao assunto. Ela também criticou pautar urgência à matéria e a intenção de levá-la direto ao plenário. “Não é nem uma questão de oposição ou governo. A bancada evangélica, independentemente de governo, também é contrária. Colocar direto em plenário vai gerar polêmica”, disse.
Aliado de primeira ordem do presidente Jair Bolsonaro, Bibo Nunes (PSL-RS) integra o grupo de trabalho e afirma que a aprovação da matéria não vai prejudicar o mandatário perante a bancada evangélica. “Nenhum presidente pode ser refém de nenhum segmento. Tem que ser refém do emprego e desenvolvimento, baseado na seriedade”, afirmou. Nunes ainda disse que os evangélicos não são favoráveis ao projeto, mas que a bancada da bala é. Esse segundo grupo, apesar de estar a favor da proposta hoje, é contra a liberação de bingos, o que pode exigir a mudança no texto.
Sobre a urgência, ele garantiu que se tenta colocar o assunto em pauta há algum tempo. Agora, depois de diversas reuniões do grupo (que teve o primeiro encontro no dia 14 de setembro), houve o entendimento de que era o momento. Assim como Carreras, ele diz que o assunto já foi amplamente debatido. “Não vejo apagar das luzes”, afirmou. O parlamentar acredita que os “tempos mudaram” e que é preciso pensar mais no progresso e emprego do que “no lado da religiosidade, que não tem nada a ver com esse momento”.
Perguntado sobre a necessidade de ainda discutir a matéria, o relator frisou que os parlamentares já têm o texto-base. “Quem quiser discordar de um ponto ou outro pode colocar emenda, destacar, é supersaudável”, disse, argumentando que a matéria já passou por comissão, o que ocorreu em 2016.
Lavagem de dinheiro
Mais do que legalizar jogos de azar, o projeto fala sobre a regulamentação e funcionamento, detalhando, por exemplo, a criação dos cassinos turísticos. Um dos pontos de maior questionamento do assunto ao longo dos anos, no entanto, se refere ao risco de que os jogos sejam usados para lavagem de dinheiro. Para tentar evitar questionamentos, o grupo de trabalho se reuniu com a Receita Federal e com integrantes do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O deputado Felipe Carreras afirmou que será incluído no projeto a ser apresentado aos colegas a obrigatoriedade de usar apenas sistemas sem cédulas de dinheiro, o que ajudaria no controle. “Se você coloca só dinheiro digital, é possível rastrear tudo. O jogador só vai poder usar dinheiro digital, cartão de crédito. O nosso entendimento é que com o recurso tecnológico proibindo cédula, tudo pode ser rastreado. E quem quiser lavar dinheiro, vai ser mais fácil lavar em um estacionamento do que no jogo”, afirmou.
Conforme o parlamentar, o Brasil deixa de arrecadar bilhões de reais quando não regulamenta os jogos, e abre espaço para a ilegalidade. A ideia do projeto, segundo ele, é incluir a vinculação dos impostos obtidos com a jogatina nos gastos com áreas prioritárias, como saúde e educação. Carreras ainda ressaltou que se trata de uma “falácia” dizer que o Brasil não tem jogos de aposta quando, na verdade, os jogos são explorados apenas pelo estado brasileiro, por meio das loterias.
Bibo Nunes também frisou que é preciso trazer os jogos para a legalidade, gerando impostos e empregos. Para ele, com a tecnologia de hoje, será difícil usar mecanismos por meio dos jogos para lavar dinheiro e promover outros atos ilegais.
A minuta elaborada pelo relator tem 66 páginas e traz uma série de pontos a serem estabelecidos no marco regulatório. Um deles, por exemplo, é que as licenças para que se tenha um cassino, por exemplo, sejam precedidas de leilões, e que haja um limite no número de licenças de cassinos integrados: uma licença por estado com até 15 milhões de habitantes; duas licenças para estados que tenham entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes; e três licenças por estado com mais de 25 milhões de habitantes.
O projeto também cria um Sistema Nacional de Jogos e Apostas que será constituído pelo órgão regulador, entidades operadoras, turísticas, agentes de jogos de azar e empresas de auditoria contábil e operacional de jogos e apostas registradas no órgão regulador e supervisor federal. (R7 Brasília – Sarah Teófilo)