Inconstitucionalidade da taxa de fiscalização sobre “BETS”
Foi publicada recentemente uma portaria do Ministério da Fazenda que estabelece a cobrança de taxa de fiscalização para as empresas de apostas de quota fixa -as chamadas “bets” – autorizadas recentemente a operar no Brasil, após longo período de espera pela regulação da matéria.
Referida taxa de fiscalização será devida pelo agente operador, a qual irá variar entre R$ 54.419,56 a R$ 1.944.000,00, a depender da arrecadação. A definição da faixa será feita com base no produto da arrecadação após a dedução dos 12% do GGR (“gross gaming revenue”).
Segundo a referida norma, as regras já passam a valer a partir desde a publicação. A taxa de fiscalização será aplicada de acordo com as faixas de valores usados para o custeio e manutenção da empresa de apostas.
O pagamento pelas empresas deve acontecer até o dia 10 do mês seguinte ao que ocorreu a distribuição da premiação para apostadores.
Segundo o Professor Paulo de Barros Carvalho “taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificamente dirigida ao contribuinte. Nisso, diferem dos impostos, e a análise de suas bases de cálculo deverá exibir, forçosamente, a medida da intensidade da participação do Estado. Acaso o legislador mencione a existência de taxa, mas eleja base de cálculo mensuradora de fato estranho a qualquer atividade do Poder Público, então a espécie tributária será outra, naturalmente um imposto.”
É o que parece estarmos diante, não sobrando muitas dúvidas a respeito.
Isso porque a Lei nº 13.756/18, instituiu no Brasil a modalidade de apostas de quota fixa, liberando a atuação de empresas do setor no país.
Durante o ano passado, após longa período de espera pelo mercado, o Ministério da Fazenda finalmente estabeleceu uma série de normas para o funcionamento das empresas de apostas de quotas fixas online, que passaram a valer a partir de 1º de janeiro de 2025.
O início do mercado regulado de apostas e jogos on-line marcou também uma fiscalização maior do Ministério da Fazenda sobre apostadores e empresas. Até o dia 19 de janeiro deste ano, o governo já havia recebido R$ 1,65 bilhão em pagamentos de outorgas (quantia paga pelas empresas para funcionar no Brasil) de uma parcela das empresas de apostas que buscam regulamentação no país.
Para que fosse concedida a autorização para funcionamento cada empresa interessada deveria pagar uma outorga no valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).
A tributação do setor de bets compreende também o imposto seletivo, instituído pela reforma tributária. Isso porque haveria supostos riscos para saúde (e.g. ludopatia) dos apostadores.
Com o controle das operações financeiras, a Fazenda irá monitorar as transações em busca de identificação de atividades suspeitas.
Ocorre que, ao criar a taxa, seria preciso justificar, com base em incidentes ocorridos em determinado segmento econômico, a equivalência com o custo (ainda que estimado/aproximado) do serviço a ser custeado, sob pena de restar caracterizado um imposto.
Isso porque, em julgado relativamente recente, o plenário do Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a impossibilidade de as taxas pelo poder de polícia serem cobradas em patamares superiores ao custo do serviço estatal a ser remunerado.
Naquela ocasião (ADI 6211), o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a arrecadação decorrente das taxas pelo poder de polícia não pode ser desconectada do custo da atividade estatal correlacionada.
Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Marco Aurélio. Segundo ele, “a taxa, ao contrário do imposto, tem caráter contraprestacional, ou seja, deve estar atrelada à execução efetiva ou potencial de um serviço público específico ou, como no caso, ao exercício regular do poder de polícia. Na base de cálculo da taxa, deve-se observar, portanto, correlação entre custos e benefícios, em observância ao princípio da proporcionalidade.”
Convém esclarecer que segundo Willis Guerra Filho (2003, p. 245), “o princípio da proporcionalidade pode ser entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental em situação de conflito com outro (s), na medida do jurídico e faticamente possível, traduzindo um conteúdo que se reparte em três princípios parciais: a adequação, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito.”
No sistema jurídico brasileiro, o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional implícito porque, apesar de derivar da Constituição, nela não consta expressamente. É por esse motivo que o fundamento normativo do princípio da proporcionalidade vem sofrendo inúmeras considerações quanto à ausência de enunciado normativo explícito.
Por sua vez, salienta Paulo Bonavides (2001, p.356), “o princípio da proporcionalidade está naquela classe de princípios que são mais facilmente compreendidos do que definidos. Sucede que, embora não esteja expresso no texto constitucional, a sua presença é inequívoca na Carta Magna”. Isto porque a circunstância do princípio da proporcionalidade decorrer implicitamente da Constituição não impede que seja reconhecida sua vigência, por força, inclusive, do quanto disposto no parágrafo 2º do art. 5º, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”
Na análise do caso (ADI 7354/PA), ficou assentado que a taxa seria calculada em função do volume dos recursos hídricos empregados pelo contribuinte, sendo que os dados evidenciam a ausência de proporcionalidade entre o custo da atividade estatal que justifica a taxa e o valor a ser despendido pelos particulares em benefício do ente público. O montante arrecadado, afirmou, é dez vezes superior ao orçamento anual da secretaria de gestão do meio ambiente do estado.
Daí afirmar-se que a taxa possui caráter contraprestacional e sinalagmático: atrelando-se à execução efetiva ou potencial de um serviço público específico e divisível, ou, como é o caso, ao exercício regular do poder de polícia, o valor do tributo deve refletir, nos limites do razoável, o custeio da atividade estatal de que decorre.
Segundo leciona Hugo de Brito Machado, ‘nada justifica uma taxa cuja arrecadação total em determinado período ultrapasse o custo da atividade estatal que lhe permite existir’, havendo de se observar, na determinação da base de cálculo, ‘ainda que por aproximação e com certa margem de arbítrio’, correlação entre custos e benefícios, sob pena de ter-se descaracterizada a natureza do tributo (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2018. p. 443)
Face a necessidade de guardar-se, na definição dos valores a serem cobrados, íntima relação com o cumprimento da atividade que lhe dá ensejo, verificada dificuldade ou mesmo impossibilidade de determinar-se com precisão o custo alusivo à atividade estatal, surge viável à Administração Pública estabelecer quantia aproximada, proporcional, vedada a adoção de base de cálculo própria de imposto, na forma do artigo 145, § 2º, da Constituição Federal.
A base de cálculo da taxa deve estar relacionada ao custo do serviço prestado. Se a cobrança não for proporcional ao custo do serviço, há risco de inconstitucionalidade, como no caso da taxa em função do volume dos recursos hídricos empregados pelo contribuinte.
(*) André Luiz Andrade dos Santos, sócio tributário do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.