Influencers recebiam contas do ‘Jogo do Tigrinho’ viciadas para sempre ganhar, diz polícia; veja prints
Os influencers alvo da Operação Game Over, que investiga divulgação ilegal de platafomas online de apostas, como o ‘Jogo do Tigrinho’, recebiam dos intermediadores contas viciadas para ganhar sempre e, assim, incentivar os seguidores a fazerem as apostas, segundo a Polícia Civil.
A TV Gazeta teve acesso a prints de conversas em que os intermediadores de plataformas deixavam claro que seria dada aos influenciadores uma conta “demo” (de demonstração), com ganhos certos, evidenciando o esquema de simulação de apostas combinado previamente com intenção de captar apostadores.
Nas mensagens, um dos intermediadores diz:
“Tenta usar a conta demo para gravar a tela para mostrar a imagem de ganhar o grande prêmio para seja mais fácil atrair seguidores para clicar no link para entrar no jogo”.
O delegado Lucimério Campos, que coordena a operação, explica como o esquema funcionava.
“É feito um acerto prévio, de quanto vai ser pago pela publicidade, e aí eles encaminham o link para que as pessoas joguem. Eles encaminham também o link “demo”, que é onde o influencer vai simular o jogo e onde ele vai forjar que está jogando e ganhando para poder gravar a tela e mostrar na rede social dele”, disse.
Os intermediadores também negociam valores por WhatsApp. Em uma das mensagens, é oferecido o valor inicial de R$ 25 mil e o restante seria transferido após a publicação nas redes. O valor de contrato é fechado por dias determinados de postagens.
“A cada 1 mil depositantes eu cobro R$ 25 mil já com sua comissão. Mas eu só fecho no mínimo 2 mil depositantes, e no máximo 10 mil depositantes. 2 mil depositantes, R$ 50 mil”.
De acordo com a polícia, os seguidores dos influencers eram enganados, já que links diferentes eram passados para eles.
“O link [publicado nos stories pelos influencers] é outro link que os seguidores vão clicar e vão ser encaminhados para um cadastro e um link em que as pessoas vão perder dinheiro. Pode haver um ganho momentâneo, mas depois é exponencialmente só perda, acabando levando as pessoas a ruína financeira”, disse o delegado.
Bloqueio de bens
A Operação Game Over foi deflagrada na segunda-feira (17), e teve como alvos 12 pessoas que divulgavam jogo de azar nas redes sociais. A Delegacia de Estelionato pediu o bloqueio de R$ 38 milhões do patrimônio dos investigados.
Vários bens foram apreendidos nesses últimos dias da operação, entre eles, joias, carros e até uma lancha. Os carros de luxo somam quase R$ 5 milhões. Os envolvidos estão sendo indiciados por estelionato, contravenção de jogo de azar, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Influenciadora cobra R$ 80 mil para simular jogo
Em áudios divulgados pela polícia, a influencer Mylena Verolayne, que tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, aparece em uma gravação cobrando R$ 80 mil para simular que está apostando.
No áudio, Verolayne deixa claro que quer uma conta “demo” para não correr o risco de perder dinheiro apostando em uma conta comum para jogadores. O inquérito policial investiga se a prática se enquadra no crime de estelionato.
Em uma conta reserva no Instagram, já que a sua foi bloqueada por ordem Judicial, ela nega qu esteja cometendo crime e negou que usava uma conta “demo” para enganar os seguidores. Ela afirmou que deixava claro para os seguidores quando utilizava esse tipo de conta.
O que é o ‘jogo do tigrinho’
O “jogo do tigrinho” é um cassino on-line famoso que promete ganhos fabulosos. Na prática, o objetivo dele é que o jogador faça uma combinação de três figuras iguais nas três fileiras que aparecem na tela.
Como o jogo não é desenvolvido pelas casas de apostas, ele pode aparecer em mais de um site, geralmente dentro de categorias como “cassino on-line”, o que é proibido no Brasil.
No Brasil, o “Fortune Tiger” ficou famoso principalmente devido à extensa campanha que incluiu muitos influenciadores digitais e jogadores que compartilham suas táticas para se dar bem.
O que dizem os especialistas
A psiquiatra Suzzana Bernardes explica como o vício em jogos funciona.
“A dependência de jogos funciona semelhante à uma dependência química, é uma busca de um prazer imediato em detrimento das consequências ruins. Uma pessoa que tem o jogo patológico, que é assim que a gente chama, apresenta sintomas de abstinência, pensa com muita frequência nos jogos. No caso do jogo especificamente, ela tem sempre um pensamento de que vai ganhar no próximo e cobrir o prejuízo que teve anteriormente, e esse buraco, essa dívida, só aumenta”.
Ela aponta sinais de alerta para o vício em jogos e explica como funciona o tratamento.
“Acontece da pessoa pensar com frequência no jogo, se arriscar gradualmente cada vez mais, fica extremamente inquieta, irritável, quando não está jogando, sente alívio de angústia quando está jogando, mente com frequência, esconde de pessoas próximas o seu envolvimento com o jogo. O prejuízo financeiro normalmente é grande, e existe um pensamento repetitivo de que ela vai jogar e vai ganhar, e vai cobrir os prejuízos anteriores”.
“Como toda dependência, não existe cura específica, existe tratamento, existe controle. O tratamento, dependendo dos casos, é feito com acompanhamento médico, medicação quando tem indicação, e sempre acompanhamento psicoterápico. Não existe um prazo. Cada caso tem que ser avaliado individualmente”.
O presidente do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas, psicólogo Leonardo Tenório, explica a relação entre as emoções humanas e o vício.
“O mundo virtual possibilitou várias formas da gente viver dentro de um mundo a parte do mundo real em que a gente vive. Os jogos de aposta, o dinheiro fácil, estão dentro desse mundo, dessa formatação, dessa questão do ter. O ter na frente do ser. Eu preciso ter mesmo que eu não seja. Então preciso ostentar, preciso mostrar o que eu tenho, o que eu posso, e as pessoas estão em busca frenética por cada vez mais alcançar o sucesso ou ter algum dinheiro para ser o que elas acham que precisam ser”, afirma.
Veja outros prints e assista aos vídeos da reportagem no g1 Alagoas com TV Gazeta.