Lotex: um voo de galinha!

Loteria, Opinião I 01.11.24

Por: Magno José

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Amilton Noble*

A espera foi longa e gerou muita expectativa, principalmente entre os empresários lotéricos que clamam por novos produtos.

Depois de mais de nove anos fora do mercado, a Loteria Instantânea da Caixa, agora batizada de Lotex, retorna com pompa e circunstância, inclusive com a presença do Presidente da Caixa na reunião de lançamento com a rede lotérica. A expectativa é que este movimento gere alguns bilhões de reais em dois anos, prazo que a Caixa “ganhou” para provar que é melhor a operação direta do que a concessão para a iniciativa privada, tendo em vista que o processo de concessão da Lotex se arrastou por mais de cinco anos e não teve um bom desfecho.

Operada através de uma parceria entre a Caixa Loterias e a Chinesa Genlot, a Lotex começa a circular no mercado, com a distribuição dos bilhetes sendo feita para os lotéricos em todo o país, com previsão de comercialização para o início do mês de novembro.

Mas o que era expectativa provavelmente virará decepção. E muito rapidamente.

A Caixa adotou alguns princípios para definir o plano de premiação dos produtos que, infelizmente, não seguem, nem de longe, as melhores práticas do segmento.

Por exemplo, para o produto CAÇA AO TESOURO (o principal produto premium, o VIP, a um preço de face ao consumidor de R$ 20 – nunca antes na história deste país houve um produto desse preço – ainda não foi distribuído no mercado), os executivos da Caixa resolveram “inovar”.

No afã de anunciar uma avalanche de prêmios, e uma frequência alta de premiação, o plano prevê, nada menos que 94% dos bilhetes premiados com valor de premiação inferior ao valor de face, sendo que 98,4% dos bilhetes premiados são de valor inferior ou igual ao valor de face.

É isso mesmo, caro leitor. Você leu direito…

Você compra um bilhete de loteria instantânea, paga R$ 10 por ele, e primeiro precisa ter a sorte de ganhar. Até aí, tudo certo, dentro das regras de um produto instantâneo. Mas, tendo a sorte de ganhar (chance de cerca de 37%), você tem que ter novamente a sorte de ganhar pelo menos o que você pagou. E a probabilidade de isso ocorrer é de apenas 6% (seis por cento), pois 94% dos bilhetes premiados têm premiação menor do que o valor de face do bilhete – 440.000 em 467.714 bilhetes premiados, conforme a imagem ao lado. E piora, pois dos 27.714 bilhetes premiados restantes, nada menos que 20.000 são de valor igual ao valor de face. Portanto, apenas 7.714 bilhetes em um universo de 1.250.000 bilhetes são premiados com valor superior ao valor pago.

Só para pontuar, a chance de ganhar R$ 50,00 ou mais em um produto com de preço de face de R$ 10 é de uma em cada 162 bilhetes. Isso mesmo, terão que ser vendidos 162 bilhetes para que o prêmio seja superior ao valor pago. Só para materializar o “tamanho do problema”, se o lote entregue aos lotéricos tiver 50 bilhetes (desconheço essa informação, mas imagino em função do valor de face) e supondo que seja distribuído um lote para cada lotérico, apenas um em cada quatro lotéricos terá a oportunidade de pagar um prêmio maior do que o valor de face do bilhete. Ou seja, três lotéricos em cada quatro venderão um lote inteiro com premiação inferior ao valor de face do bilhete.

Serão 7.714 bilhetes premiados com valor de R$ 50,00 ou mais (superior ao valor de face) em um universo de 1.250.000 bilhetes vendidos, descaracterizando o principal atributo da loteria instantânea, a chance de ganhar (pelo menos percebida pelo consumidor como tal).

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Aqui cabe mais um destaque. Ao longo de minhas mais de duas décadas de estudos e acompanhamento do mercado de loteria instantânea eu nunca vi fenômeno do plano de premiação não adotar o modelo de GLEPS (1 x 2 x 4 ou 5). É praxe que um produto de instantânea tenha os chamados GLEPS (Guaranteed Low End Prize Structures) com números que são múltiplos do valor de face. A Caixa Loterias resolveu inventar uma nova categoria de produto, desconsiderando este conceito mundialmente adotado (1, 2 ou 4 vezes o valor de face). Realmente desconheço algum lugar que tenha feito isso. Gostaria de estar errado.

Muito preocupante que depois de nove anos estudando esse retorno tenha sido feito este “teste de mercado único”. Muito esforço para retomar a operação da Lotex sem ver o óbvio.

Ninguém gosta de não ganhar no jogo. Mas ganhar menos do que apostou é muito mais nocivo ao entretenimento que uma Loteria Instantânea proporciona, pois junto disso vem a racionalização do ato de comprar, retirando o impulso que é a força motriz da compra de um bilhete de loteria instantânea.

Ressalte-se que a experiência de quem ganhar será de 94% com essas características, ganhar menos do que apostou. Então, neste produto ou se perde, ou se ganha menos ou igual ao que se apostou em 98,4% das vezes. Terrível para um produto cujo principal atributo é a sensação de ganho, mesmo que de valor igual ao valor de face.

Vale repetir: 98,4% dos bilhetes premiados serão de valor inferior ou igual ao valor pago. O argumento que provavelmente virá é que isso foi feito para estimular os produtos de valor mais baixo e que dessa forma o consumidor dobrará suas chances.

Quem ganha R$ 2,50 em um produto de R$ 10,00 (86% dos bilhetes premiados são dessa faixa de prêmio – 4 vezes menos do que se apostou) trocará por uma Lotex de R$ 2,50.

O famoso “migué” no apostador. Mais um, pois nesse quesito as loterias da Caixa (não totalmente por culpa dela) é “hors concours”, pois praticamos por aqui o menor payout de loterias do mundo. Não é por outra razão que o faturamento global de loterias não passa de US$ 4 bilhões/ano, valor irrisório para o potencial brasileiro. Certamente a Caixa irá anunciar que a cada 2,7 bilhetes um será premiado, e o apostador, “desavisado”, embarcará no “fantástico mundo da magia”.

E não para por aí! Exceto nos produtos de R$ 2,50, TODOS os demais price points (R$ 5, R$ 10 e talvez no de R$ 20, pois ainda não se tem notícia da sua distribuição) trazem esse conceito de aumentar a frequência de premiação dando prêmios mais baixos que o valor de face.

Vale repetir: no produto de R$ 10, nada menos que 94% dos bilhetes premiados são de valores inferiores ao valor de face. Apenas 6% dos bilhetes premiados têm valor igual ou superior ao valor de face e desses apenas 1,4% são de valor superior aos R$ 10 pagos.

Ou seja, colocaram todos os ovos na mesma cesta.

E se a cesta cair? Bom, aí todos já sabem o resultado.

É inacreditável um movimento como esse para retomar um produto tão desejado pelos lotéricos. A Caixa “brigou” tanto para retomar este produto e conseguiu a duras penas.

Outro fator que contribuiu para esse descompasso foi o valor excessivo de premiação principal dos bilhetes. É conhecido que em produtos de loteria instantânea é necessária uma adequação do prêmio principal, exatamente para não comprometer os chamados “prêmios de meio”, absolutamente inexistentes na estrutura de premiação dos produtos da Lotex. Para gerar divulgação “bombástica” anunciaram prêmios astronômicos, não compatíveis com o tamanho das séries colocadas no mercado. Aí não tem mágica. Precisa inventar. E inventaram forte…

Mas outro ponto crucial é que me parece impensável que o operador parceiro da Caixa não tenha alertado sobre o possível erro nessa estratégia (estou supondo que não alertou, pois se alertou é pior ainda, visto que a Caixa buscou um parceiro para melhorar sua atuação e não seguiu a sua recomendação).

Não tenho dúvida de que o lançamento da Lotex será um sucesso. As vendas “vão bombar” no início, em função do grande represamento e expectativa dos lotéricos e pela Caixa forçar a colocação inicial.

Toda barragem quando rompe gera inundação… Mas e depois? Que experiência os consumidores terão?

A pior possível, pois se darão conta rapidamente de que suas chances de ganhar serão pequenas. As trocas de valores intermediários por novos produtos serão insuficientes.

Uma pena.

E já que estou falando em pena, o título desse artigo é sugestivo.

Mantidos esses parâmetros equivocados, a Lotex será um voo de galinha.

Parece que será robusto, mas, infelizmente, será curto.

(*) Amilton Noble é CEO da Hebara e operou por quase 2 décadas a loteria instantânea no Rio de Janeiro, tendo participado da criação de mais de 300 planos de premiação desse tipo de produto.

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