PGR defende que STF proíba atuação nacional de bets autorizadas pela LOTERJ

A Procuradoria-Geral da República – PGR apresentou na última sexta-feira (25), no Supremo Tribunal Federal (STF), petição na Ação Cível Originária (ACO 3696) ajuizada pela Advocacia-Geral da União (AGU) com o objetivo de proibir a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) de autorizar casas de apostas esportivas online em âmbito nacional. A ação da AGU pede concessão de liminar para que a proibição de exploração da atividade fora do Rio de Janeiro cesse imediatamente. A relatoria da ACO 3696 é do ministro Edson Fachin.
A petição assinada pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, registra que a União sustentou que o descumprimento do parâmetro da territorialidade impacta diretamente na exploração da atividade de loteria de apostas de quota fixa por agentes autorizados pela União (âmbito nacional) e por outros entes federados (em seus respectivos territórios).
A LOTERJ, em manifestação complementar, ressaltou a recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 1.323 da Repercussão Geral, em que se fixou a tese de que a execução do serviço público de loteria por agentes privados depende de delegação estatal precedida de licitação. Argumentou que a União permite a exploração do serviço público de loteria a particulares sem prévia licitação, ao passo que a LOTERJ credencia as pessoas jurídicas interessadas após rigoroso procedimento licitatório.
A União apresentou manifestação, reforçando a existência de conflito federativo diante da flexibilização do parâmetro de territorialidade e da usurpação da competência material e legislativa privativa da União. Pontuou que os Estados do Paraná, Maranhão e Minas Gerais encaminharam manifestação ao Ministério da Fazenda relatando a ilegalidade praticada pela LOTERJ e o impacto nas loterias estaduais. Reiterou a assertiva de que a LOTERJ não instituiu mecanismos de combate à lavagem de dinheiro.
Gonet defende que a “admissão de apostas que sejam consideradas efetivadas no Estado, embora realizadas por apostadores que não estejam fisicamente no Rio de Janeiro, é uma forma de extrapolação da competência material do Estado, bem como da limitação da base geográfica que o legislador impôs à atuação de empresas dispostas a atuar no ramo das loterias”.
“De todo modo, a limitação territorial da exploração das loterias pelos Estados não é novidade do caput do art. 35 Lei n. 13.756/2018, com a redação da Lei n. 14.790, de 29 de dezembro de 2023. O §1º do art. 2º do Decreto-Lei n. 6.259/1944 desde há muito estabelece que as loterias estaduais ficarão adstritas aos limites do Estado respectivo”, registra o Procurador-Geral.
Paulo Gonet defende que o “reconhecimento de direito adquirido à exploração da atividade fora dos limites territoriais do Estado do Rio de Janeiro a pessoa jurídica credenciada junto à LOTERJ – e não junto ao Ministério da Fazenda – tem potencial de gerar desarmonia federativa, diante das ponderações da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda na Nota Técnica SEI n. 2994/2024/MF, citada pela União”.
Ao final da petição, o procurador registra que “verifica-se a existência de elementos que evidenciam a probabilidade do direito para a concessão das medidas liminares pleiteadas pela União, inaudita altera parte. O perigo de dano decorre, por sua vez, do impacto na harmonia federativa que é gerado pela atuação, em todo território nacional, de bets credenciadas apenas pela LOTERJ”.
LOTERJ defende atuação nacional de suas autorizações
Na própria sexta-feira, a Loteria do Estado do Rio de Janeiro – LOTERJ protocolou pedido de impugnação do parecer preliminar da PGR e “reiterar razões essenciais à impugnação do pedido liminar formulado e indicar questões que precisam ser necessariamente enfrentadas” pelo ministro relator Edson Fachin.
A LOTERJ cita na abertura do pedido de impugnação a falta de interesse de agir devido a omissão da União e da PGR acerca do regime de flagrante inconstitucionalidade da sua operação/exploração federal.
“Chama atenção o eloquente silêncio da União e da PGR em relação ao FATO amplamente já ventilado e apresentado nestes autos de que ATÉ A PRESENTE DATA NÃO FOI EXPEDIDA UMA ÚNICA AUTORIZAÇÃO FEDERAL, muito menos precedida de licitação como determina o Tema 1323 (Repercussão Geral) de observância obrigatória, tampouco concluída pela SPA/MF qualquer etapa de aferição de condições jurídicas, técnicas, econômico-financeiras ou de idoneidade dos seus operadores”, acusa.
A Autarquia registra que nenhuma licença foi concedida ao nível federal e nenhum real tenha sido arrecadado a título de outorga fixa ou variável pela União, apesar da “ampla e profusamente difundida a “lista nacional” de empresas “autorizadas” a operar em todo país, até o final do ano e durante o chamado “período de adequação””.
“Com todas as vênias, não se compreende como é possível que a União fale em riscos a “compromissos legais e transnacionais de prevenção à lavagem de dinheiro” por parte de licenças estaduais da LOTERJ, sendo que ela própria (União), em manifesto estado inconstitucional de coisas, tem fomentado exploração offshore e impassível de fiscalização ou tributação por mais de duas centenas de sites e marcas de Bets”, comenta.
A LOTERJ registra que beira o absurdo o pedido de liminar contra uma operação regular e licitada de credenciados perante autarquia estadual enquanto, simultaneamente, há uma tolerância ou leniência generalizada com operações offshore e a partir de paraísos fiscais, em detrimento de todo e qualquer interesse público possível.
“Sem credenciar uma única empresa a nível federal, quer a União obstar a exploração dos mesmos serviços a nível estadual pela LOTERJ, e todas as suas credenciadas que se submeteram à rigoroso procedimento licitatório, empresas brasileiras, vinculadas a um único meio de pagamento também previamente licitado e em operação no Brasil, as únicas empresas que atualmente arrecadam tributos no país, inclusive federais”, reclama a Autarquia.
A LOTERJ também reclama que a Ação Civil Originária da União foi ajuizada indevidamente para manipular a jurisdição do STF e subverter as competências jurisdicionais ordinárias devido ao Mandado de Segurança ajuizado pela Autarquia contra o Secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, que atualmente tramita na 8ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, a fim de resguardar o direito líquido e certo previsto na lei 13.756/2018 para assegurar a validade do Edital de Credenciamento, com a preservação dos credenciamentos.
A petição destaca que o pedido liminar ofende o direito dos apostadores domiciliados no Estado e cerceados pela trava geral e ampla de oferta do site na internet.
“Existe, pois, um critério legal geral (afora a regra de aplicação da lei no tempo) que ASSEGURA a dois públicos o acesso incondicional aos serviços lotéricos estaduais em ambiente virtual: (1) às pessoas “fisicamente localizadas” no Estado; e (2) aos DOMICILIADOS no Estado (os quais, a seu turno, PODERÃO OU NÃO ESTAR “FISICAMENTE LOCALIZADOS” NAQUELE TERRITÓRIO, mas sempre manterão o direito ao uso das loterias estaduais ainda que em trânsito, ou temporariamente deslocados)”, defende.
A Loteria do Estado do Rio de Janeiro também registra a o risco a ofensa à segurança jurídica já que os termos de credenciamento assinados e vigentes com operadores estaduais não podem ser liminarmente alterados, sob pena de prejuízo econômico incalculável, insegurança jurídica e violação à Lei nº 8.437/1992.
“A LOTERJ tem termos de credenciamento assinados com operadores credenciados desde MAIO/2023; e a eventual “alteração” dos termos desses contratos, firmados no âmbito de credenciamento público regido por edital e pela Lei nº 8.666/1993, enseja direitos e reparações a esses particulares, consubstanciando risco significativo de passivos financeiros para a Autarquia e, eventualmente, o próprio Estado”, registra.
A Autarquia relata também a existência mecanismos de controle e que não haveria nenhuma razão para o reconhecimento de que há uma ameaça de dano irreparável a um direito, justificando uma solução imediata e provisória exclusivamente em virtude da discussão sobre a trava de geolocalização em razão dos diversos outros controles que existem no procedimento LOTERJ.
“A LOTERJ incorporou o mesmo critério de controle de territorialidade aplicado ao e-commerce, instituído a nível federal pela Lei Complementar nº. 116/2003. Também encontra respaldo nas diretrizes indicadas pela Lei nº. 14.129/21 com os princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública, conforme presunção de boa-fé dos usuários, no artigo 3º, inciso XV: “Art. 3º São princípios e diretrizes do Governo Digital e da eficiência pública: XV – a presunção de boa-fé do usuário dos serviços públicos””.
A petição também defende sobre a acusação da União, que a operação de bets do Rio de Janeiro não teria mecanismos para evitar a lavagem de dinheiro pelos operadores licenciados.
“Nos seus editais, a LOTERJ exige que as empresas participantes do credenciamento apresentem declarações atestando que: (i) adotam todos os procedimentos e práticas internas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo, conforme exigido pela Circular nº 3.978/20 do Banco Central do Brasil (BACEN), em conformidade com a Lei nº 9.613/98; (ii) adotam ações de cumprimento das políticas de jogos responsáveis, de acordo com as normas aplicáveis e os padrões internacionais da World Lottery Association (WLA); (iii) possuem Sistema de Atendimento ao Cliente disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana; (iv) implementam um programa de Jogo Responsável; (v) observam as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) no tratamento de dados pessoais e sensíveis, com a adoção de uma política de proteção de dados e privacidade dos clientes dos produtos lotéricos credenciados pela LOTERJ; e (vi) implementam um ‘Programa de Integridade’ em conformidade com a legislação vigente, ou similar”, defende.
Ao final da petição a Loteria do Estado do Rio de Janeiro pede:
(i) O recebimento e a consideração desta manifestação;
(ii) A prévia determinação de citação e regular intimação do Estado do Rio de Janeiro, antes de qualquer apreciação do pedido liminar da União;
(iii) Em qualquer caso, a consideração e o enfrentamento, por este Exmo. Relator, das relevantíssimas questões sumariadas nesta peça por ocasião da eventual apreciação do pedido liminar da União, quais sejam:
⇒ FALTA DE INTERESSE DE AGIR: omissão da União e da PGR acerca do regime de flagrante inconstitucionalidade da sua operação/exploração federal.
⇒ DESCABIMENTO DA AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA: ajuizamento indevido de Ação Constitucional pela União para manipular a jurisdição do Supremo Tribunal Federal e subverter as competências jurisdicionais ordinárias.
⇒ PEDIDO LIMINAR OFENDE A PRÓPRIA REGRA GERAL DO § 4º DO ART. 35-A: direito dos apostadores domiciliados no Estado e cerceados pela trava geral e ampla de oferta do site na internet, conferindo a solução jurídica adequada para viabilizar a comercialização às pessoas DOMICILIADAS.
⇒ RISCO DE DANO INVERSO E OFENSA À SEGURANÇA JURÍDICA: termos de credenciamento assinados e vigentes com operadores estaduais não podem ser liminarmente alterados, sob pena de prejuízo econômico incalculável, insegurança jurídica e violação à Lei nº 8.437/1992.
⇒ EXISTÊNCIA MECANISMOS DE CONTROLE DA LOTERJ: nenhuma razão haveria para o reconhecimento de periculum in mora exclusivamente em virtude da discussão sobre a trava de geolocalização em razão dos diversos outros controles que existem no procedimento LOTERJ.
⇒ SOB A ÓTICA DOS SUPOSTOS RISCOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO, OCULTAÇÃO DE PATRIMÔNIO E REPRESSÃO AO TERRORISMO: absurdidade dos argumentos fortuitamente lançados e manipulados pela União.
(iv) Na remota hipótese de concessão de antecipação de tutela nesta ACO manifestamente incabível e carente de interesse de agir da União, a modulação ou limitação ex nunc de quaisquer efeitos, sem que se atinjam, liminarmente, os estatutos jurídicos e fáticos-operacionais das operações credenciadas e regulares já em curso, conforme termos de referência e contratos assinados por esta autarquia.
Confira a petição da Procuradoria-Geral da República
Confira a petição da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – LOTERJ