Rodrigo Capelo: O papel da mídia nas apostas

Apostas, Opinião I 08.07.24

Por: Magno José

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Rodrigo Capelo: O papel da mídia nas apostas
Rodrigo Capelo destaca em sua coluna no O Globo que as bets estão espalhadas por aí, e não adianta discursar sobre o retrocesso ao analógico, mas talvez seja a hora de a mídia esportiva discutir as suas responsabilidades perante o público

Assisto a um pré-jogo da Eurocopa, a transmissão é interrompida para a propaganda de uma casa de apostas. As probabilidades da vitória de uma seleção são tais, as de empate, um pouco maiores, enquanto a zebra paga o melhor prêmio aos apostadores. A margem de lucro da banca, zero! Acredite se quiser. Faça já sua aposta. Volta para a transmissão, segue o jogo.

Abro um site de notícias sobre esporte, que deveria estar repleto de coisa boa, em tempos de Copa América e Brasileirão, aparece uma seção patrocinada por outra casa de apostas. As chamadas são facilmente clicáveis — listas, rankings, fofocas. Mas você não vai encontrar nada dentro delas, porque o conteúdo em si é paupérrimo. Bem, é só um chute. Eu não cliquei.

As bets estão espalhadas por aí, e não adianta discursar sobre o retrocesso ao analógico, mas talvez seja a hora de a mídia esportiva discutir as suas responsabilidades perante o público. Quando tem propaganda de cerveja, beba com moderação. Com remédios, o Ministério da Saúde adverte alguma coisa. Brinquedos para crianças sumiram das telas. E as apostas?

Sigamos os passos do torcedor que assiste a uma transmissão ou entra num site noticioso. Ele clica no link, baixa um aplicativo, abre uma conta. É como se tivesse entrado num cassino. O problema não é apostar numa partida aqui e outra ali. Riscos são outros: (1) achar que aposta é investimento, em vez de diversão; (2) perder o controle sobre quanto dinheiro se gasta; (3) aproveitar que se está dentro do cassino para puxar roletas, alavancas; as armadilhas.

A mídia tem responsabilidade sobre o cidadão que entra num cassino e faz mal a si mesmo? Mínima, tão remota quanto sobre o indivíduo que consome cerveja ou remédios. Mas o fato é que nesses paralelos há algum cuidado, por via da autorregulação ou da regulação estatal, enquanto as apostas seguem sendo incentivadas livremente. Quem instrui e educa o público?

Antes, a cerveja ocupava o comercial no intervalo da televisão e o banner do site. Hoje, as apostas estão enfiadas no meio do conteúdo e, por serem digitais, a mídia tem capacidade de colocar o torcedor dentro delas. Jornalistas e influenciadores geram “lides” — que, em ordem de prioridade, deixa de ser o primeiro parágrafo do texto e vira o encaminhamento do leitor para a patrocinadora.

Isso indica que as apostas moldam um pouco até do modo como a mídia se comporta, do que ela produz. Pois se a remuneração da publicidade dela está atrelada à quantidade de lides que seu time gera, a consequência é que se invista cada vez mais em conteúdo raso, rápido e pegajoso. Óbvio que o caça-clique não foi inventado pelas apostas, mas a mecânica específica desse setor — diferente da cerveja e do remédio, que precisam do offline — agrava o caso.

A mídia precisa de financiamento, tal qual o clube, a federação e o atleta. Esta coluna não é uma peça contra a aposta propriamente dita, nem um devaneio idealista sobre o que deveria ser o jornalismo contemporâneo. Cada veículo faz o que precisa ser feito para pagar as contas. Só está na hora de, de preferência pela via da autorregulação, até porque raramente dá para contar com o Estado, achar meios para coibir excessos e conscientizar o público sobre riscos.

Depois que as apostas virarem um problema generalizado de saúde pública, com impacto financeiro e social em N famílias, não adianta fazer que nem influenciador famoso, que embolsa milhões e dá de ombros para quem perde o pouco que tinha com jogo do tigrinho. (Artigo de Rodrigo Capelo – O Globo)

 

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