‘A publicidade das apostas online deveria sofrer restrições mais severas?’

Apostas I 31.08.24

Por: Magno José

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NÃO – Só beneficiaria o mercado ilegal; comunicação efetiva e clara é a melhor ferramenta para proteger o apostador

Associação Nacional de Jogos e Loterias empossa novo presidente
Plínio Lemos Jorge*

A boa publicidade traz clareza na relação entre as bets, o mercado e o melhor juízo dos apostadores. Sua proibição leva obscurantismo à relação de consumo. É hipócrita dizer “vamos impedir a publicidade do jogo no Brasil”, já que essa proibição garantiria o funcionamento apenas do jogo ilegal. E é esse caminho que muitos setores têm defendido, seja por falta de informação, seja por interesses escusos.

A omissão do governo federal anterior protelou por quatro anos a regulamentação da lei 13.756/2018 e levou ao surgimento de milhares de sites no Brasil, sem qualquer preocupação com boas práticas —inclusive no que tange à publicidade. Apenas uma pequena, mas importante parcela dos operadores, zelou pela integridade do setor.

O mercado é inclemente. Eventual vedação à propaganda de jogos legais revestiria o mercado da roupagem de tema proibido. E todo jogo proibido será transposto para o ilegal. Ninguém tem como impedir isso. Seja no Brasil, na China, onde é 100% proibido (e é o maior mercado do mundo), ou no Irã, onde a religião proíbe e é um dos lugares onde mais se joga no planeta. Portanto, o único caminho é a boa regulamentação, para que a parcela correta do mercado seja a maior parte dele.

Em países europeus onde a regulamentação é excessiva, o jogo ilegal avança ano a ano. Na Alemanha, por exemplo, a Universidade de Leipzig estima que apenas 50,7% dos jogos são de operadores legais. Já na França, o número de apostadores que usam sites ilegais chega a 4 milhões, acima dos 3,6 milhões que apostam nos licenciados. Ambos os países têm restrições à publicidade.

A Itália proibiu a publicidade há muitos anos. O resultado: como o público não consegue discernir qual site tem licença e qual é ilegal, a falta de publicidade colocou todos na mesma gaveta, levando a um volume de 75% das apostas realizadas em operações irregulares.

É isso que se quer no Brasil?

A comunicação efetiva e clara é a ferramenta mais poderosa para proteger o apostador, evitar abusos e demonstrar que as apostas devem ser diversão e não um meio de ganhar dinheiro. Proibir a publicidade leva para o lado oposto. Segundo a American Gaming Association (AGA), 55% dos apostadores nos Estados Unidos acreditam estar usando sites licenciados. Apenas a publicidade pode fazer essa diferenciação. Do contrário, o apostador escolhe as plataformas ilegais, que pagam melhores prêmios porque não pagam impostos e não estão sujeitas a regras rígidas.

O Ministério da Fazenda definiu regramentos, tal como a proibição de menores nas propagandas e da publicidade de eventos esportivos praticados por crianças. Do lado do Legislativo, o Congresso Nacional fixou a exigência de reconhecimento facial para o apostador acessar as plataformas, impedindo o uso por menores. Já o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), por meio do capítulo 10 do Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária, determinou que toda peça publicitária deve trazer a inscrição “18+” e que quaisquer papéis nos comerciais devem ser desempenhados por pessoas que tenham ou pareçam ter mais de 21 anos.

O último relatório da International Betting Integrity Association (Ibia) afirma que a ampla capacidade de publicidade às bets licenciadas, em todas as mídias, é fundamental para a integridade do setor. O Brasil precisa seguir esse caminho. Não há como educar os apostadores sem publicidade adequada. Esconder ou negar a existência das bets significa deixar milhões de apostadores na escuridão.

(*) Plínio Lemos Jorge é advogado, é presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL). Veiculado pela editoria Tendência e Debates – Folha de S.Paulo.

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SIM – Questão de saúde pública; urge limitar exibições, proibir patrocínios esportivos e incluir alertas de risco

‘A publicidade das apostas online deveria sofrer restrições mais severas?’
Karine Karam*

As apostas online, ou bets, se tornaram presença constante no cotidiano, sejam em anúncios televisivos, instigando o desejo, sejam em banners que pipocam a cada clique ou patrocinando o futebol, paixão nacional. Ao invadirem o cotidiano, trouxeram preocupações alarmantes.

O mercado de apostas online movimenta bilhões de reais no Brasil. Isso demonstra não apenas a popularidade dessas plataformas, mas também destaca o potencial de danos financeiros.

A preocupação se torna mais aguda quando analisamos o perfil dos apostadores brasileiros: 4 em cada 10 faz apostas esportivas online, sendo 54% da classe C e 44% jovens, conforme reportagem publicada nesta Folha (“Apostadores deixam de comer pizza e ir ao cinema e até adiam compra de cama para gastar com bets”, 13/7).

Quase dois terços dos entrevistados (64%) usam a renda principal para apostas. Desses, 63% disseram que já se sentiram prejudicados por serem usuários de bets, já que estão abrindo mão de hábitos importantes do seu dia a dia para fazer as apostas online —19% não adquiriram itens de supermercado, 15% deixaram de fazer refeições fora e 11% não pagaram contas básicas. As apostas mensais já apresentam cerca de 20% do orçamento das famílias de renda mais baixa.

A publicidade tem um papel central nessa problemática. A maneira como as apostas são promovidas muitas vezes mascara os riscos associados. Anúncios glamorizados inundam os espectadores com imagens de vitórias fáceis e diversão, enquanto silenciam as histórias de perda e dependência que frequentemente seguem. Essa representação tem muito apelo, especialmente para populações vulneráveis, como os jovens, os de menor renda e aqueles com predisposição a comportamentos compulsivos.

A internet mudou a percepção de tempo. Ganhar dinheiro com trabalho é algo demorado e que demanda esforço. E essa geração alfabetizada com vídeos curtos não quer esperar muito por nada, deseja soluções mágicas. Neste cenário, as apostas online surgem associando o prazer, a excitação dos jogos com a possibilidade de ganhos financeiros aparentemente rápidos e fáceis.

Um exemplo claro do impacto da propaganda em comportamentos de risco é o caso das restrições impostas à publicidade do tabaco. Com a regulamentação de propagandas de cigarro nas últimas décadas, acompanhada por advertências explícitas sobre os riscos à saúde, testemunhamos uma queda significativa nas taxas de tabagismo.

De forma semelhante, ao restringir a publicidade de apostas online, estamos escolhendo proteger os consumidores de práticas publicitárias potencialmente prejudiciais. Medidas como limitar os horários de exibição de anúncios, proibir patrocínios esportivos de empresas de apostas e incluir mensagens de alerta sobre os riscos do jogo em todas as publicidades são estratégias que podem ser empregadas para mitigar os impactos negativos.

Restringir a publicidade de apostas online não é cercear a liberdade de mercado, mas sim uma questão de saúde pública. Trata-se de proteger indivíduos e famílias dos efeitos devastadores que o vício em jogos de azar pode causar. Países que adotaram regulamentações rigorosas, como a Suécia e a Itália, já mostram sinais de redução de danos associados ao jogo.

Os desfavoráveis à regulação da publicidade dirão que o mercado gera emprego, que incentiva o esporte, aumenta a arrecadação fiscal e promove o desenvolvimento econômico. Isso tudo é verdade. Mas não vale a pena diante dos danos aos jovens e mais vulneráveis.

(*) Karine Karam é professora de comportamento do consumidor e pesquisa de mercado da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Veiculado pela editoria Tendência e Debates – Folha de S.Paulo. (Foto: ESPM)

 

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