‘Bets’ têm perdas no país apesar de margem alta

Apostas I 30.09.24

Por: Magno José

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Os grupos de apostas esportivas no mundo têm investido somas tão altas no Brasil, principalmente em mídia e tecnologia, para levar mais brasileiros a jogar e aumentar a base de clientes, que os negócios dão prejuízo no país. Não é que o mercado das “bets” seja pouco rentável, muito pelo contrário, registra o VALOR.

A margem de lucro operacional dessas empresas variou de 20% a 30% neste ano e em 2023, em locais como Reino Unido, Irlanda e Europa Oriental, com base em análise do Valor nos balanços das companhias abertas no mundo. Ou seja, a cada R$ 100 de receita, até R$ 30 são obtidos antes de juros e impostos.

Acontece que a necessidade de manterem um patamar elevado de gastos iniciais para ganhar mercado por aqui, numa batalha fratricida pelo bolso do brasileiro, faz parte de uma lógica estratégica que afeta o resultado das plataformas.

Ainda deve entrar nesta conta, a partir de 2025, o início da cobrança de impostos sobre a receita das “bets”, que deve atingir 35%, por conta da nova lei de regulamentação do setor. Neste momento, as companhias não pagam impostos. As empresas que obtiverem a liberação para funcionamento entre o fim deste ano e início de 2025 terão que arcar com esse custo.

“Se por um lado a regulamentação pode tirar do mercado negócios que não operam de forma regular, o que é bom para as grandes marcas porque deve aumentar o ‘top line’ delas, por outro, a carga tributária vai pesar no desempenho. Quem conseguir avançar atuando dentro das regras, e com maior eficiência, sairá disso melhor”, diz um fundador de empresa de apostas que já vendeu negócios a estrangeiros.

De acordo com o advogado do escritório CSMV José Francisco Manssur, as companhias gastam “toneladas de recursos em mídia”, diz. “Hoje, isso é, de longe, a maior despesa delas”, afirma o executivo, que em 2023 foi assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, atuando na discussão da “Lei das Bets” no governo.

“Em 2023, nas reuniões com as ‘bets’, elas nos informaram que as verbas de publicidade, relativas a 2022, atingiram de R$ 3 bilhões somando todo o setor no país. Dois anos depois, isso deve estar bem maior, para um total de cerca de mil bets no país”, diz. Eventuais descontos de mídia podem reduzir o valor. Naquela época, já antes do “boom” do setor, e isso equivalia a 15% do gasto em publicidade no Brasil, com base em dados do Cenp (Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário).

A tese central dos grupos é diversificar a atuação globalmente para melhorar ganhos, e o Brasil cai como uma luva nesse movimento – o país é, no máximo, 1% da receita mundial dos grandes grupos, como Bet365 e Flutter. Ou seja, tem muito a avançar ainda, num setor com R$ 230 bilhões em gastos com apostas projetadas para o ano, segundo o Banco Central.

Pelos dados da assessoria estratégica em esportes Regulus Partners, de Londres, publicado em recente relatório, o setor de apostas esportivas e jogos on-line no Brasil crescerá 18% ao ano de 2020 a 2030. No Reino Unido, um mercado mais maduro, a estimativa é de 4% ao ano.

A expansão nas apostas esportivas no país já ajudou a mitigar a desaceleração em outros países em 2023, como Canadá e África do Sul, e na Ásia, segundo informou em relatório, recentemente, a Playtech, dona da Galera.bet.

As companhias querem ganhar mercado rapidamente por aqui até mesmo por meio de aquisições, embora o negócio ainda opere no vermelho.

Um exemplo disso envolve a atuação no Brasil de uma das maiores empresas do mundo, a irlandesa Flutter, dona da Betfair. O comando projeta Ebitda negativo ajustado no país (prejuízo antes de lucro, impostos, amortização e depreciação) de US$ 90 milhões a US$ 100 milhões em 2025 (até R$ 540 milhões), segundo material publicado no último dia 13.

Nesse mesmo documento, a empresa abriu projeção de receita de US$ 70 milhões com a Betfair no Brasil neste ano, ou quase R$ 400 milhões a câmbio atual.

Neste mesmo documento, a dona da Betfair anunciou a aquisição de 56% do grupo brasileiro NSX, num sinal de confiança no mercado. Com isso, a Flutter passa a ser controladora também da Betnacional, Betpix, Pagbet e MrJack.bet, numa operação de US$ 350 milhões, cerca de R$ 2 bilhões.

[Mídia] é de longe a maior despesa das ‘bets’ no Brasil. São toneladas de recursos” — José Manssur

É o maior acordo já fechado no mercado local, e torna a Flutter dona de 11% do setor no país, disse o comando da empresa a investidores, em Nova York. Não há ranking oficial no país.

Procurada para comentar a projeção, a Flutter diz que “há uma oportunidade significativa de crescimento no recém-regulado” mercado brasileiro. Diz ainda que a aquisição ajudará o grupo a ocupar uma posição competitiva no “pódio” local, e que o acordo deve ser concluído em 2025. A empresa preferiu não detalhar as razões pelas quais tem perda operacional.

Uma fonte próxima à empresa disse ao Valor que “será preciso investir na aquisição de clientes para aumentar a [empresa] até um tamanho que se possa gerar lucros sustentáveis ao longo do tempo.”

A Sportingbet, do grupo Entain, do Reino Unido, cresceu 28% de janeiro a junho no país, versus 2023. A variação se refere a todas as somas recebidas com jogos menos o valor pago com ganhos – acima da alta de 3% de todo o braço internacional.

Mas o negócio ainda dá prejuízo líquido no Brasil, após uma reestruturação da plataforma no país entre 2023 e 2024. A investidores, o comando afirmou que a empresa tomou medidas erradas em 2022 e sentiu o baque da competição muito forte antes do início da regulamentação no Brasil. Essa concorrência dura elevou o custo de aquisição de clientes (CAC) após 2022, especialmente na mídia digital.

Numa linha parecida, a Galera.bet, controlada pela Playtech, fundada em 1999 pelo empresário israelense Teddy Sagi, fechou em 2021 acordo para futura aquisição da dona da plataforma brasileira. E a transação no país tem levado a baixas no balanço da Playtech.

Pelo acertado, foram pagos US$ 5 milhões na forma de investimentos na empresa no fim de 2021. Ainda seriam disponibilizados US$ 20 milhões em linhas de crédito, e esse pacote negociado daria direito de o grupo assumir 40% das ações da Galera.bet, a preço nominal. O relatório de resultados de 2024 informa que não há prazo definido para pagamento.

Em 2022, a linha foi ampliada para US$ 45 milhões, e até o fim do ano passado, cerca de US$ 40 milhões foram liberados para o negócio no país – em dezembro, isso equivalia a R$ 230 milhões.

A Playtech reconheceu uma provisão para perdas de crédito no país para o empréstimo de €1,6 milhão em 31 de dezembro de 2023. A empresa explica no balanço que, se tivesse considerado o recurso aportado como investimento, e não como empréstimo, teria que registrar € 17,3 milhões (quase R$ 100 milhões) em perdas desde que o investimento foi feito.

Ou seja, ao considerar como empréstimo – mesmo declarando que a linha não tem previsão de pagamento – o efeito no balanço é menor do que se fosse contabilizado como investimento no Brasil.

Marcos Sabiá, CEO da Galera.bet, diz que é necessário acelerar investimentos no país para um retorno futuro. “O ebitda da maioria das empresas é negativo, porque, para gerar reconhecimento e conversão em apostas, o marketing é, disparado, a maior despesa. E o custo de aquisição de clientes no Google e YouTube subiu muito após a pandemia ”, afirma.

Ele ainda cita os custos com pagamento de royalties e com sistemas de tecnologia e segurança, além de desembolsos em instalações físicas, como criação de estúdios para jogos de cassinos. Isso deve começar a ser instalado no país em 2025.

Para levantar essas informações, o Valor verificou balanços e teleconferências das principais empresas abertas desse mercado e mapeou a estrutura societária dos grupos. Os dados mostram que as “bets” são negócios que se abrem em diversos ramos (como cassinos, jogos ao vivo e loterias) e marcas pelo mundo – de Polônia e Croácia ao México. Boa parte é de capital fechado, mas grupos com ações em bolsa (como Flutter, Playtech e Entain) estão listados nos EUA e Londres. A ampla maioria tem licenças e registros em regiões conhecidas pelas suas vantajosas taxas para operar, como Gibraltar, Tasmânia, Curaçao e Malta, e pelos impostos mais baixos para empresas, como o Chipre, o que reduz essa conta no balanço.

 

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