CPIs instaladas na Câmara custaram R$ 222 mil e acabaram em ‘pizza’
A Câmara dos Deputados gastou R$ 222 mil para manter as quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) instaladas em maio e encerradas em setembro deste ano. O relatório de três delas – do MST, das Apostas Esportivas e das Americanas – ou não foi aprovado ou não propôs nenhum indiciamento. Só a CPI das Pirâmides Financeiras conseguiu aprovar um relatório que indiciasse alguém, informa o Estadão.
O dinheiro gasto nessas investigações com pouco ou nenhum resultado representaria, por exemplo, um acréscimo de cerca de 20% no valor de emendas enviadas para a Casa de Gestante, Bebê e Puérpera na Região Nordeste. Mas acabou sendo usado para pagar a passagem e hospedagem de deputados e depoentes em audiências em Brasília e diligências em outros Estados.
A CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi a que mais gastou. Foram R$ 104 mil usados pela Câmara para sustentar uma comissão que nem sequer aprovou o relatório.
O presidente da CPI do MST, Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), justificou o gasto maior do que as demais comissões argumentando que o colegiado precisou fazer trabalhos distintos dos outros grupos. “Diferentemente das demais CPIs, essa exigiu a realização de diligências nos acampamentos invadidos. Logicamente, tivemos a necessidade da compra de passagens aéreas nas vindas de testemunhas e convocados”, disse.
Mesmo sem relatório aprovado, Zucco ponderou que o trabalho pode ajudar a diminuir “os milhões de prejuízos” causados pelo MST em cada invasão. “Trouxemos resultados concretos, com a descoberta de crimes, irregularidades nos processos de concessão de terras”, alegou, adicionando que os projetos de lei sugeridos pela comissão podem ajudar a trazer economia dos cofres públicos. Esses projetos ainda não foram pautados no plenário da Casa.
Inicialmente, é previsto que CPIs podem gastar R$ 20 mil por mês. A CPI do MST, porém, ultrapassou o limite durante os cinco meses de trabalhos.’ Com isso, precisou pedir créditos extras para custear as funções.
A segunda comissão no ranking de gastos na Câmara em 2023 foi a CPI das Pirâmides. No final de agosto, dois sócios da 123 milhas, empresa de passagens aéreas, usaram do orçamento da Câmara para custear passagens para um depoimento em Brasília — que foi cancelado. A Casa gastou R$ 7 mil só neste dia.
O presidente da CPI das Pirâmides, Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) afirmou que testemunhas e advogados tiveram a vinda custeada, conforme determina a legislação, e argumentou que o gasto da CPI é “irrisório” perante o resultado que será entregue ao país.
“A importância na oitiva dessas pessoas foi cabalmente demonstrada pelo relatório robusto que a CPI aprovou pela unanimidade. Bilhões de reais foram desviados, além de inúmeras vítimas enganadas. O valor gasto pela CPI é irrisório perto do resultado que produziu e produzirá no mercado brasileiro”, afirmou. A comissão foi a única delas que aprovou um relatório indiciando alguém.
A CPI das Apostas, que não votou o relatório, custou R$ 43 mil aos cofres públicos. A CPI das Americanas, que não indiciou ninguém no relatório final, custou R$ 9 mil. Procurados, os presidentes de ambos os colegiados não responderam o contato.
O presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Roberto Livianu, aponta que a CPI foi um instrumento de investigação importante, mas que foi perdendo o poder ao longo do tempo.
“Com o passar do tempo, foi perdendo essa referência, esse sentido. A CPI foi se tornando um palco de espetáculo, de disputas políticas e no final pouco se produz”, afirmou. “Essa constatação de que alguns desses relatórios não foram aprovados ou de que não produziu consequências deve gerar uma reflexão que algo deve mudar. Não é razoável que o dinheiro público seja gasto dessa maneira sem qualquer consequência.”
Todas as quatro comissões foram criadas no começo de maio, por determinação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). No caso da CPI do MST, foi a articulação do próprio Centrão que prejudicou os trabalhos do colegiado. A pedido do governo, os integrantes de partidos como o PP e União foram alterados por nomes mais alinhados ao Executivo, tirando a maioria da oposição.
Como outro resultado, o relator, deputado Ricardo Salles (PL-SP), precisou fazer concessões no relatório. A pedido dos líderes, receosos que isso pudesse produzir um precedente, Salles retirou o nome do deputado Valmir Assunção (PT) dos indiciados.
“Na minha opinião, na prática, o que vemos é um “‘Fla x Flu político’. Não há isenção”, afirmou o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco. ” As investigações, as convocações e o relatório final são via de regra direcionados.”
“Onde está a prevalência do interesse público para essas CPIs que não têm resultados para a sociedade? Isso tudo é muito grave, gastando-se dinheiro público, gastando um lado de antagonismos”, disse Livianu.