“É mais importante regular o jogo de azar de forma mais rigorosa do que financiar o tratamento do vício”
Para combater o mercado de apostas ilegais é fundamental contar com uma regulamentação rigorosa e alto nível de controle de operadores. Ainda assim, nenhum país atua de forma precisa no combate à dependência e ao vício em jogos, avalia Christian Kalb, especialista na indústria de jogos e apostas e consultor do Conselho da Europa. Ele ressalta que as mudanças trazidas pela pandemia, com o isolamento e a digitalização, amplificaram os riscos: “as mídias sociais e os celulares desempenham um papel importante nisso”.
Quais experimentos regulatórios são bem-sucedidos no combate à dependência?
Nenhuma. Essa questão não uma é prioridade para os operadores nem para a maioria dos reguladores. Isso pode ser um problema real no futuro. Por enquanto, todos querem criar mercados atrativos e minimizar os riscos de dependência — combater a dependência era prioridade nos anos de 1980/90, hoje é só uma questão de comunicação.
Infelizmente, pode ser que isso volte em cinco a dez anos, quando houver mais problemas, especialmente com os jovens. Talvez a Noruega seja uma exceção; toda semana o diretor da Loteria Nacional tem que apresentar indicadores ao seu Conselho.
Parte da receita deste mercado deve ser direcionada para a saúde?
Existem alguns países onde parte da receita vai para a saúde, como na França, por exemplo. É interessante proceder dessa forma. Mas é mais importante regular o jogo de azar de forma mais rigorosa do que financiar o tratamento do vício.
A exposição de crianças e jovens ao jogo é um desafio que precisa ser enfrentado?
Sim, esse é um problema real. Hoje, muitos estudos mostram que os riscos de vício em apostas esportivas aumentaram enormemente nos últimos anos, especialmente durante o período da pandemia — mais tempo disponível, trabalho remoto, perda de referências. As mídias sociais e os celulares desempenham um papel importante nisso. As apostas ao vivo, feitas durante um evento, são as mais arriscadas porque não são realmente um jogo para especialistas, mas parecem ser. É essencial abordar essa questão, mas isso só é possível com uma regulamentação muito rigorosa e um alto nível de controle dos operadores. Infelizmente, essa não é a tendência atual. Ídolos esportivos e influenciadores desempenham um grande papel nisso. Há 20 anos, o público principal das apostas esportivas eram especialistas em risco, matemática, estratégia e não em esportes. Hoje, os operadores atraem pessoas que gostariam de ser especialistas, mas não são. Por isso, perdem muito dinheiro.
Como essa publicidade deve ser regulamentada?
Muitos países regulamentaram seriamente a publicidade, com limitação ou proibição, mas não tenho certeza se funciona. Estudos não mostram eficácia. A única medida eficaz para limitar os riscos de vício é limitar as oportunidades de apostas. As apostas são um mercado de oferta e não de demanda, a demanda é razoável. Mas essa não é a tendência. Em relação à publicidade, o mais importante é definir uma meta para o país: limitar os riscos de dependência? Limitar fraudes e manipulação de resultados? Atrair operadores? Arrecadar dinheiro? Uma vez que os objetivos são definidos, é fácil implementar uma regulamentação eficiente.