Endividado, Jockey de SP dá ‘desconto’ e se desfaz de patrimônio milionário

Destaque, Jockey I 09.08.18

Por: Elaine Silva

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Vista da tribuna de honra do Jockey Club, que fica ao lado dos salões nobres (Leo Eloy – Estúdio Garagem)

SÃO PAULO – Com dívida de centenas de milhões de reais, o Jockey Club de São Paulo, ícone do glamour quatrocentão paulistano, já vendeu mais de R$ 110 milhões em imóveis para colocar as finanças em dia.
O valor tem sido usado para pagar dívidas tributárias, manter suas operações e, por fim, atrair investidores.
O Jockey vendeu ao menos quatro imóveis nos últimos anos, todos por meio de leilão público e aprovados em assembleia de sócios. As ofertas têm sido escassas — algumas vezes, feitas por sócios abastados e abaixo do valor estimado pela prefeitura.
Um dos imóveis, onde funciona posto de gasolina, foi vendido por R$ 8 milhões. O valor venal de referência estimado pela prefeitura é de R$ 12,7 milhões. O Jockey lançou o imóvel em leilão por esse preço, mas não recebeu propostas.
O clube vendeu também um terreno de mais de 3.200 m² onde no passado funcionou o colégio Equipe, ao lado do Jockey, em Cidade Jardim.
A compradora foi a Fundação CSN, ligada à Companhia Siderúrgica Nacional, comandada por Benjamin Steinbruch, presidente do conselho administrativo do Jockey.
O imóvel recebeu só uma proposta e foi vendido pelo valor mínimo no leilão, R$ 11,9 milhões. Novamente, o valor está abaixo do estimado pela prefeitura: R$ 13,9 milhões.
A maior soma conseguida pelo Jockey, de R$ 90 milhões, foi com a venda de prédio no centro de São Paulo onde ficava a sede social do clube.
O edifício foi vendido para o empresário Antranik Kissajikian e seu filho, André Kissajikian, sócios do Jockey.
O prédio na época tinha valor venal de referência de R$ 67 milhões. Meses depois, em 2014, a gestão Fernando Haddad (PT) reajustou para mais de R$ 90 milhões por avaliar que as quantias de modo geral estavam defasadas.
Outra venda foi de lotes da loja da Tok&Stok em Pinheiros, cujo valor a reportagem não conseguiu apurar.
O dinheiro tem sido usado para quitar dívidas e conseguir certificados para receber recursos de investidores.
“O prédio tinha umidade absurda, refizemos toda a fiação do prédio, colocamos barramento. Era um prédio de 70 anos. Não foi bom negócio para nós. Não sabíamos que precisaria de tanto serviço”, afirma André Kissajikian.
No caso da compra da Fundação CSN, Luis Blecher, diretor executivo do Jockey, diz que Steinbruch o fez “para ajudar mesmo o Jockey”, já que o imóvel “está uma ruína”. Procurado pela reportagem, o empresário não quis comentar a compra.
Nas contas do clube, as dívidas estão em cerca de R$ 320 milhões. Seriam cerca de R$ 120 milhões de ISS (que estão em discussão no STF); R$ 50 milhões parcelados em programa de refinanciamento de dívidas; cerca R$ 3 milhões para fornecedores; e cerca de R$ 150 milhões de IPTU.
O clube tenta negociar o débito de IPTU com a prefeitura por diferentes frentes, especialmente na causa da Chácara do Jockey, na qual é credor do município. O valor que consta em cadastro da prefeitura é maior, de R$ 247,8 milhões.
“Saímos da lama. Entre novembro e outubro de 2017 pagamos mais de R$ 20 milhões para ter a Certidão Negativa de Débitos. Isso ajudou a colocar a área fiscal em dia, nos permitiu vender o posto. Temos que sanear a parte fiscal para que se possa ter estabilidade e capacidade de receber ativos. E chega de vender patrimônio”, afirma Blecher.
A dívida do IPTU é vista como impagável pelo clube. Por receber recursos de apostas, o Jockey nunca teve isenção como outros clubes da cidade.
Fonte de receita no passado, o turfe desperta cada vez menos interesse. Em 2016, o movimento geral de apostas atingiu recorde negativo, com R$ 74 milhões — em 2014, chegava a R$ 130 milhões.
O clube atualmente tem suas bases financeiras nos cerca de 600 sócios (no começo da década de 1990 eram 8.000), que pagam R$ 550 de mensalidade, e em eventos.
Em 2015, o clube teve déficit de R$ 65 milhões. No ano anterior, somente teve superávit de R$ 53 milhões devido à desapropriação da Chácara do Jockey pela gestão Haddad, que entrou no balanço do clube como ganho de mais de R$ 79 milhões. A reportagem pediu acesso ao balanço de 2017, mas não foi atendida.
“O problema do Jockey não é receita. No resultado operacional estamos em ‘break even’ [ponto de equilíbrio]. O que mata é pagamento do passado, os parcelamentos de impostos”, avalia Blecher.
A prefeitura e o Jockey anunciaram em outubro de 2017 um projeto de construção de parque público na área do clube. A proposta prevê investimento privado, área verde livre e empreendimentos imobiliários e comerciais.
Também há o objetivo de derrubar parte do muro que cerca o Jockey e trocá-lo por vidro. O ex-prefeito João Doria (PSDB) estipulou até três anos de obras para fazer o parque.
Para Blecher, a venda dos imóveis é plataforma para um novo momento do clube, que em dois anos deve se livrar das dívidas tributárias, ganhar nova engenharia financeira e identidade diferente.
“A ideia é termos um parque público-privado e assim diminuir nosso problema de IPTU. Vamos pagar o que vem do passado, mas queremos negociar uma nova condição para o futuro, pois o clube não pode arcar com um IPTU de até R$ 7 milhões”, afirma. “Queremos o Jockey aberto para o público. A ideia não é mais formar apostadores, mas atrair a população”, completa.
“O Jockey vai ser um dos maiores centros de entretenimento do Brasil. O Jockey é de graça. Estamos colocando food trucks, brinquedos de crianças. Nosso ‘master plan’, que abrange o parque, inclui shopping a céu aberto, prédios, ciclovias, bulevares. Queremos uma espécie de Puerto Madero”, diz, em referência a uma vitrine de Buenos Aires.
O projeto, porém, ainda está em suas fases iniciais, na qual o clube busca investidores. (Folha de S.Paulo)

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