Entre jogadores, 52% dizem nunca ter comprometido as finanças pessoais, segundo Datafolha
“Eu não roubava, mas mentia e inventava desculpas para pedir dinheiro emprestado ou para vender coisas da loja da minha mãe, onde eu trabalhava”, disse Cléber, um dos apostadores abstêmios presentes em reunião dos Jogadores Anônimos na cidade de São Paulo, informa a Folha de S.Paulo.
A Folha usou um nome fictício em respeito ao pacto de anonimato adotado pelo grupo de ajuda mútua entre pessoas dependentes de apostas, que recebeu a reportagem. Na capital, o grupo se reúne em pontos na região central, em Santa Ifigênia e Luz, além da zona sul, em Santo Amaro e Jabaquara.
A situação de Cléber é compartilhada por outros pacientes diagnosticados com compulsão por jogo. Pesquisa Datafolha mostra que, entre as pessoas que já apostaram, 5% já venderam algum bem para jogar, 15% já pediram dinheiro emprestado e 22% usaram recursos que deveriam ser destinados ao pagamento de contas.
Outros 52% dizem nunca ter comprometido as finanças pessoais com a prática. O resultado tem base em 1.935 entrevistas presenciais, realizadas em 113 municípios, de todas as regiões do país. Desse grupo, 430 responderam apostar, o que faz a margem de erro para as questões abordadas nesta reportagem ser de cinco pontos percentuais, para cima ou para baixo.
Cléber só buscou ajuda quando um agiota o foi procurar, armado, para cobrar dívidas e se deparou apenas com a esposa do apostador. O devedor havia sido expulso de casa dias antes devido à dependência. Ele chegou ao grupo de apoio por incentivo de familiares.
Hoje, ele está há mais de um ano e meio sem apostar, embora tenha feito dívidas na faixa dos milhares de reais durante o período em que jogou.
Os próprios membros dos jogadores anônimos que falaram com a reportagem reconhecem que nem todo apostador é compulsivo. Em seguida, emendam que quem está em situação de jogo patológico causa estragos para toda a família.
Entre os apostadores questionados pela pesquisa Datafolha, 37% relatam algum mal-estar mental, sendo que 6% se autodeclaram dependentes e outros 2% dizem ter sofrido episódios de ideação suicida. A taxa epidemiológica de compulsão por apostas fica entre 1% e 2% em outros países do mundo.
A professora de psicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Maria Paula de Oliveira diz que uma pessoa que não apresenta todas as características de um quadro grave de dependência ainda pode se endividar e gerar problemas para a família. “Essa estatística de 1% a 2% é enganadora, na realidade vemos 20% das pessoas sendo afetadas direta ou indiretamente pelo jogo.”
O apostador em situação de dependência perde o controle de si. “Admitirmos que éramos impotentes perante o jogo” é o primeiro passo de recuperação dos jogadores anônimos. Um dos alertas antes da reunião é não confessar crimes que ainda sejam juridicamente imputáveis.
“O destino do jogador é o desemprego e a solidão, a prisão ou a morte”, disse Juliano, outro jogador anônimo cujo nome original foi preservado. Ele vive a abstinência há 93 dias, depois de passar um período em internação.
Segundo Oliveira, que atua no programa ambulatorial de jogo patológico do Hospital das Clínicas, os ambulatórios do país fazem apenas atendimento. “A pessoa é internada quando passa por uma tentativa de suicídio ou procura uma daquelas chamadas comunidades terapêuticas [em geral, associada a grupos religiosos].”
A pesquisa Datafolha mostra que o gasto mediano dos jogadores, aquele aferido na metade da amostra estudada, representava R$ 60. O valor médio direcionado às bets, por sua vez, atingia os R$ 216. Essa diferença indica que os apostadores que gastam mais impulsionam o valor médio registrado — ou seja, os gastos entre as pessoas que mais apostam são bem acima dos R$ 216 declarados.
Em relação à pesquisa anterior do Datafolha sobre o tema, feita em 5 de dezembro do ano passado, o valor médio gasto por mês ficou caiu de R$ 263 para R$ 216.
O gasto médio com caça-níqueis, estimado pela primeira vez, fica em R$ 354, com mediana registrada em R$ 100.
O número de pessoas que diz perceber mais perdas do que ganhos, por sua vez, subiu de 52% para 59%, nas apostas esportivas. Entre quem gasta com cassinos online, 67% afirmam ter mais prejuízos.
Heitor, também com nome fictício, relata que percebeu os prejuízos que sofria ao migrar dos caça-níqueis físicos e jogo do bicho para os jogos online. “Eu via quando eu colocava uma nota de R$ 2 ou R$ 5 na máquina; no celular eu dava um giro de R$ 300 e nem sentia o dinheiro indo.”
Segundo ele, em uma viagem de ônibus do Jabaquara ao centro de São Paulo, os caça-níqueis virtuais lhe custavam de R$ 5.000 a R$ 6.000.
Dos entrevistados que costumam jogar em cassinos online, 23% declararam que o fazem todos os dias, e 26%, uma vez por semana.
A recorrência é menor entre quem faz apostas esportivas. Nesse grupo, 13% declararam jogar todos os dias, e 35%, uma vez por semana.
Cléber, no entanto, apostava só em esporte. “Comecei no futebol e no basquete, que eu acompanhava, mas aquilo deixou de bastar”, recorda. Atrás de mais resultados, o jogador, segundo o próprio depoimento, começou a chutar os resultados e os lances de partidas de tênis de mesa, modalidade conhecida pelo ritmo frenético. “Eu só queria continuar apostando”, diz.
Os relatos ouvidos pela reportagem, além dos jogos online, incluíam bingo, carteado, jogo do bicho e caça-níqueis. Na sala, havia duas mulheres, sendo que uma (também ex-jogadora) conduzia a reunião, e 13 homens.