Exclusivo VALOR: Dados de apostas do BC abrem nova queda de braço entre ‘bets’ e varejo

Apostas I 26.09.24

Por: Magno José

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Valor Econômico: Projeto que legaliza jogos de azar avança na Câmara
Banco Central divulgou documento sobre o tamanho do mercado de “bets” e jogos de azar; segundo executivos do setor de apostas, falta clareza da metodologia

A divulgação da análise técnica do Banco Central sobre o tamanho do mercado de “bets” e jogos de azar foi um baque no mercado e abriu uma nova frente na queda de braço entre as empresas de consumo e as companhias de apostas esportivas. A divulgação pegou de surpresa tanto o comércio varejista quanto as companhias de apostas, mas com efeitos contrários, registra reportagem exclusiva do VALOR.

Enquanto associações de comércio ganharam novo fôlego na tese de que o avanço sem regulação das bets desvia renda para jogos de forma preocupante, interlocutores de empresas de jogos e apostas, mesmo aquelas que estão regularizando a operação no país, criticaram os números publicados.

Nas últimas horas, o Valor apurou que analistas de bancos de redes de capital aberto têm coletado mais dados sobre a pesquisa do BC e devem publicar relatórios alertando os clientes de possíveis efeitos sobre o consumo.

Isso ocorre apenas poucos meses após o fim do debate em torno da concorrência entre marketplaces estrangeiros e empresas de consumo, outro debate polêmico que afetou projeções do mercado e o desempenho do setor.

Os efeitos no mercado

Segundo dois executivos do mercado de apostas, falta clareza da metodologia utilizada pelo BC na coleta dos números em sua base de dados. O órgão publicou análise técnica com estimativa de desembolsos mensais, de janeiro a agosto, de R$ 18 bilhões a R$ 21 bilhões, como noticiado na terça (24).

“Mesmo os estudos com números mais elevados falavam num gasto anual entre R$ 60 bilhões e R$ 130 bilhões em ‘bets’ no Brasil. Ao se considerar os jogos de azar nessa conta, esses R$ 240 bilhões anualizados com base no BC são muito fora do que se estimava”, diz um diretor de uma das maiores “bets” do país.

Além disso, é preciso considerar que, dos valores apostados, parte retorna para a própria conta dos usuários, e logo, continua à disposição dos jogadores.

O receio das empresas é que o governo aperte mais a regulação, por meio de publicação de portarias na últimas semanas, sobre o setor, ou cresça a discussão em torno de uma eventual “trava” sobre os valores transferidos para jogos de azar e bets.

Redes de varejo têm debatido internamente a hipótese de levar esse debate de uma limitação às apostas para o Congresso Nacional. O Valor apurou junto a duas companhias do setor que mais de 90% das operações digitais são pagas pelos brasileiros usando Pix, informação que o BC tem acesso.

Cartão de crédito é uma minoria das transações, porque as empresas não aceitam, pelo risco de o usuário pedir o estorno da transação, caso ele perca todo o dinheiro da aposta.

Mais divergências

Outro questionamento envolve o cálculo do BC de que 15% dos valores desembolsados ficam com as casas de apostas. Essa taxa seria uma espécie de margem bruta do setor.

Um segundo executivo do segmento diz que esse número é bem abaixo desses 15%. “Isso não chega nem 10% no Brasil”, afirma ele.

As empresas não divulgam esse percentual abertamente no país, porque as companhias de jogos são de capital fechado no Brasil, o que dificulta essa verificação.

Um consultor de bets, que já vendeu negócios para as plataformas estrangeiras, diz que é difícil entender o levantamento de dados da análise considerando que a grande maioria das companhias usadas no estudo não é registrada ou tem CNPJ.

Essa informação foi citada pelo BC na sua análise técnica, que utilizou dados de CNPJ e da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para o levantamento.

As empresas sem registro adequado no CNAE tiveram seus números incluídos na análise do órgão com base em um conjunto de critérios definido pelo banco, como citações na internet ou com “características típicas de transferências de apostas”.

“Como eles podem basear uma análise em CNAEs se não há registro das empresas?”, diz esse consultor e ex-empresário.

Recursos do Bolsa Família

As empresas ainda questionam eventual risco à liberdade individual, caso avance a ideia de limitar o direito do apostador de decidir o que fazer com seu dinheiro. Isso, mesmo que os recursos venham de programas sociais, já que é de autonomia do cidadão.

O levantamento do BC mostra que R$ 3 bilhões gastos em jogos e apostas em agosto vieram de recursos do Bolsa Família, de um total de R$ 21,1 bilhões — ou seja 14% do total mensal.

O outro lado

Na outra ponta dessa discussão, as empresas de consumo veem a publicação do BC como uma confirmação do risco de descontrole nos gastos dos brasileiros com jogos.

Roberto Campos, presidente do BC, chegou a afirmar, na terça (24), em evento, que o assunto preocupa a instituição por eventual pressão nas taxas de inadimplência.

O presidente Lula (PT) afirmou, também na terça-feira, que, sem avanços na regulação na nova lei do setor, válida após 1ª de janeiro de 2025, há risco de o país ter “cassinos funcionando dentro da cozinha de cada casa”.

Inclusive, há algumas semanas, entidades do varejo, com apoio do IDV, o principal instituto do setor, alertaram para o desvio de recursos do Bolsa Família para as bets e jogos caça níqueis, parte deles, atuando de forma irregular. Já existe uma discussão desse tema entre representantes do IDV e deputados federais, focada em formas de elevar a conscientização da população.

Na prática, os varejistas temem perda de renda disponível para as “bets” e o jogo do “tigrinho” entre outros caça-níqueis administrados por plataformas que operam foram das regras voltadas ao jogo responsável. Por isso, elevaram a pressão política sobre o tema, e vem se posicionando mais abertamente.

Plataformas de empresas estrangeiras

Dentro dessa tese, líderes de entidades têm destacado e efeito nocivo para a saúde mental, e que por conta disso, o governo deveria dar maior atenção a essa disparada nos gastos, especialmente em plataformas de empresas estrangeiras que atuam de forma irregular, e que precisarão se adequar à nova lei após 2025.

É uma percepção que não agrada às empresas de jogos. De forma privada, interlocutores das companhias de apostas afirmam que os estudos mundiais mostram que os vícios, de qualquer tipo, afetam de 1% a 2,8% da população, e os viciados em apostas digitais no país estariam em níveis bem abaixo desse indicador.

E dizem que as empresas de varejo estariam usando essa informação da saúde mental para tentar limitar a atuação das bets em geral, e não apenas aquelas menores, que podem estar atuando fora das normas voltadas ao jogo responsável.

 

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