Loterias da Saúde e do Turismo ficam no papel por falta de regulamentação da Fazenda
A aprovação pelo Congresso do projeto de lei que regulamenta as apostas de quota fixa, como as bets, ampliou a indefinição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre novas modalidades de loterias que estão previstas em lei desde 2022 e que nunca saíram do papel por falta de regulamentação.
São as chamadas Loterias da Saúde e do Turismo, que foram aprovadas no Legislativo a partir de uma proposta do então deputado Capitão Wagner (União Brasil-CE) e sancionadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A previsão era de que os recursos arrecadados com as apostas, com dedução de impostos e do valor do prêmio, fossem destinados para o FNS (Fundo Nacional de Saúde) e para a Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo). Prêmios não reivindicados pelos vencedores também iriam para os órgãos.
A medida foi aprovada ainda com o objetivo de financiar políticas pública aos setores impactados pela pandemia da Covid-19.
O responsável pela regulamentação dessas loterias é o Ministério da Fazenda, que foi procurado pela Folha antes e depois de a Câmara aprovar na madrugada desta sexta-feira (22) o projeto relativo às bets —que já havia passado pelo Senado e, agora, aguarda sanção de Lula.
Em sua primeira resposta, a Fazenda disse que após a aprovação da lei relativa às bets definiria se faria a regulamentação das Loterias da Saúde e do Turismo ou se apresentaria uma proposta de alteração no texto da lei de 2022.
Após a votação do Congresso, informou que “a área técnica do Ministério da Fazenda está avaliando as implicações do texto aprovado”. “Essa avaliação será concluída somente após a liberação, pela Câmara dos Deputados, do texto consolidado”, afirmou, em nota.
Além da falta de regulamentação, a lei que cria as novas loterias acabou questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo PV, partido que integra federação com o PT.
O caso ficou sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que ainda não apresentou decisão sobre o tema.
O partido pediu em setembro que a lei sancionada por Bolsonaro fosse suspensa, argumentando que o texto poderia abrir caminho para a gestão de loterias por empresas privadas sem procedimento licitatório.
Haveria, na contabilidade do partido, 95% de lucro para a empresa operadora da loteria, e somente 5% destinado à Embratur ou à FNS.
“Questiona-se a necessidade de existência de loteria se 95% de todo o lucro aferido terá fim particular e não público. Qual o fim público, qual o interesse coletivo que estará a ser atendido se somente 5% do lucro aferido seria destinado à sociedade?”, questionou o partido, em ação assinada pela advogada Vera Lúcia da Motta.
Instadas por Moraes a se manifestarem sobre o processo, a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) discordaram do PV.
A AGU, em manifestação assinada pelo ministro Jorge Messias, afirmou que o percentual apontado pelo PV corresponde ao montante final líquido, que é destinado ao custeio e manutenção do operador das loterias e que “tal forma de cálculo busca balancear os interesses que recaem sobre as operações de loterias”.
Isso permitiria “que os jogos arrecadem valores que atendam às finalidades específicas com turismo e saúde e, simultaneamente, assegurem a viabilidade financeira para os operadores das loterias”.
Também disse que a ausência de previsão impressa de procedimento licitatório não implica em dispensa do certame para sua concessão ou para a permissão dos particulares.
No dia 13 de dezembro, a então procuradora-geral interina Elizeta Ramos também se manifestou contra o pedido do PV.
Segundo ela, a “complexa estrutura de cálculo e de deduções precisa ser compatibilizada com a manutenção do interesse nas operações de loteria”. Ramos também cita necessidade de “uma busca pela equalização dos objetivos de obter recursos para a saúde e para o turismo e viabilidade financeira para agentes operadores”.
O projeto de regulamentação das bets aprovado pelo Congresso também estabelece a destinação da arrecadação para algumas áreas do governo.
A proposta havia sido apresentada inicialmente pela Fazenda como MP (medida provisória), mas diante da disputa entre Câmara e Senado sobre a tramitação de MPs, o tema passou a ser discutido via projeto de lei. O texto passou por diversas mudanças.
As bets foram autorizadas por meio de lei criada no final de 2018, ainda sob o governo Michel Temer (MDB). Após essa etapa, o tema precisaria ter sido regulamentado pelo Executivo, o que não aconteceu durante os quatro anos de governo Bolsonaro. (Folha de S.Paulo)