Loterj vai à Justiça contra governo Lula e quer derrubar bets autorizadas em lista do Ministério da Fazenda
A Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro) entrou com ação civil pública contra a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda pedindo na Justiça a derrubada da lista de casas de apostas online, as chamadas bets, aptas a continuar funcionando no Brasil até a entrada em vigor da regulamentação federal sobre o setor, na virada para 2025.
Ligada ao governo Cláudio Castro (PL), a Loterj defende que apenas as empresas credenciadas pelo Rio podem ser consideradas regulamentadas para atuar no país todo até o fim do ano. Todas as demais deveriam ser bloqueadas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), o que é citado, mas não pedido na ação.
Procurada, a Secretaria de Prêmios e Apostas da Fazenda afirmou não comentar ações judiciais em andamento.
Os governos Cláudio Castro e Lula já travam batalha judicial quanto à legalidade da autorização, dada pelo Rio, para que as empresas credenciadas pelo estado, pagando outorga de R$ 5 milhões, operem no país todo.
A União defende a aplicação de lei federal que restringe a atuação das bets credenciadas regionalmente aos limites de cada estado —o governo tem uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para impedir a atuação nacional das bets registradas no Rio.
A Loterj argumenta que, quando lançou seu edital, essa restrição não existia, porque uma MP (medida provisória) que deu o pontapé inicial para a regulamentação não havia sido editada ainda. Mas, como mostrou a Folha, o edital da Loterj foi retificado um dia depois da edição da MP, para eliminar a restrição estadual.
Na petição, apresentada na terça-feira (29) à Justiça Federal no Distrito Federal, a Loterj pede a imediata suspensão da lista nacional de empresas de apostas de quota fixa até que seja realizado o procedimento licitatório prévio e efetivado o pagamento da taxa de outorga federal, que é de R$ 30 milhões.
Fazem parte da lista as empresas que apresentaram pedido de credenciamento na Fazenda até 17 de setembro, que mostraram disposição de fazer parte do mercado regulamentado a partir do ano que vem. Os demais sites, por exclusão, foram considerados ilegais e, por isso, a Fazenda solicitou à Anatel que os bloqueasse.
Nesta quinta, a Secretaria de Prêmios e Apostas enviou uma nova lista de sites ilegais de apostas esportivas e de jogos online para a Anatel, para que sejam bloqueados. A primeira, enviada em 11 de outubro, tinha pouco mais de 2.000 domínios.
O Ministério da Fazenda também inclui na lista divulgada sobre sites considerados regulares aqueles credenciados pelos estados, como as casas da Loterj. Mas a disputa entre União e Rio é com relação à atuação nacional.
No processo, a Loterj pede também que a União, a Fazenda e o secretário de Prêmio e Apostas, Regis Dudena, sejam proibidos de “praticar quaisquer atos de delegação da execução do serviço público de loterias, de forma expressa ou tácita, a agentes privados sem o prévio procedimento licitatório” e que não possam tomar medidas destinadas à “promoção, publicidade, defesa ou incentivo à comercialização do serviço público de apostas de quota fixa por empresas não licitadas.”
A Loterj norteia seu argumento a partir da crítica à lógica de que as empresas listadas pela Fazenda estão “autorizadas” a operar no Brasil até 31 de dezembro. A loteria fluminense alega que não houve licitação prévia para essa “autorização” —a petição utiliza sempre o termo entre aspas.
“Obstante nenhuma licença tenha sido concedida a nível federal e nenhum real tenha sido arrecadado a título de outorga fixa ou variável pela União, foi ampla e profusamente difundida a ‘lista nacional’ de empresas ‘autorizadas’ a operar em todo país, até o final do ano e durante o chamado ‘período de adequação’”, escreve a advogada Natália Fernandes Santiago, chefe da assessoria jurídica da Loterj.
Ela argumenta que “há um regime de flagrante inconstitucionalidade na exploração da atividade por terceiros inseridos em lista da União” e que, portanto, as empresas inseridas exclusivamente na lista da União estão “desautorizadas ao desempenho da atividade”.
“Consequentemente, deveriam essas empresas ter os seus sites bloqueados pela Anatel e atividades suspensas, como já realizado pela União em relação àquelas que não manifestaram interesse em âmbito federal e não estão credenciadas pelos Estados”, continua.
Para a Loterj, existe “indiscutível concorrência desleal” entre as empresas consideradas aptas pela Fazenda a atuar durante o “período de adequação”, sem licitação, e as empresas credenciadas pelo Rio que, diz a autarquia, passaram “pelos rigores de um procedimento licitatório, pagamento de outorga fixa e variável, recolhimento de tributos, fiscalizações, submetidas à todos as exigências do ordenamento jurídico brasileiro.”
A oferta de bets é liberada no Brasil desde o fim de 2018, mas desde então segue sem regras e fiscalização. No ano passado, o processo de regulamentação foi iniciado pelo governo Lula.
Na prática, hoje, Rio de Janeiro e União são concorrentes pelo credenciamento de casas de apostas online para atuar no país todo. O Rio tem usado a seu favor, para atrair mais empresas, que cobra R$ 5 milhões de outorga fixa, contra R$ 30 milhões da União.
Alguns especialistas apontam que a SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) do Ministério da Fazenda descumpre a legislação federal sobre apostas de quota fixa. Isso porque, ao divulgar uma lista com 100 empresas, totalizando 219 bets autorizadas a operar até o fim do ano, a secretaria não teria realizado a análise da documentação, a capacidade técnica e financeira das empresas, além de não ter cobrado a outorga no valor de R$ 30 milhões, conforme exigido na lei federal sancionada em 2023.
A lei estabelece que a autorização para operar apostas só é válida após o cumprimento de todos os requisitos.
“Os artigos da Lei 14.790 são claros quanto à necessidade de uma autorização formal. A lista positiva do Ministério da Fazenda não apenas ignora esse requisito, como também cria um perigoso precedente de autorização implícita em um setor que exige regulação rigorosa”, disse o advogado Álvaro Costa, especialista em Direito Administrativo.
Quanto ao pagamento da outorga, a regulamentação do Ministério da Fazenda determina que as empresas interessadas têm um prazo máximo de 30 dias para efetuar o pagamento após serem notificadas sobre a conclusão da análise de seu pedido. O não cumprimento desse prazo resulta no arquivamento do pedido ou na revogação da autorização, conforme previsto no artigo 13.
Sobre o assunto, a Fazenda, em nota, afirmou que “entre as determinações da lei está o estabelecimento de um período de transição, não inferior a 180 dias para as empresas se adequarem as regras legais e que viessem a ser publicadas por meio de portarias”.
A lei também reconheceu as licenças estaduais emitidas antes de julho de 2023, incluindo as da Loterj, permitindo que essas empresas sigam operando após pagar a outorga de R$ 5 milhões por um período de até cinco anos e arcarem com taxas e impostos federais mensalmente.
A lista positiva foi formulada com base na Portaria SPA/MF nº 1.475 e inclui empresas que solicitaram autorização através do Sistema de Gestão de Apostas até a data da publicação da portaria, demonstrando interesse em se ajustar à legislação.
Para a economista Mariana Santos, da Universidade Federal de Santa Catarina, a falta de cobrança de outorga e impostos dessas empresas resulta em significativa perda de receita, considerando o mercado de apostas esportivas no Brasil.
“Além da violação legal, há uma potencial perda bilionária em receitas fiscais, sem contar o risco de desestabilizar um setor que buscava regulamentação”, disse.