Nem na Lava Jato o Santander fechou minha conta, diz pastor CEO de bet
Braço direito de Marcelo Odebrecht e conhecido na Lava Jato por testemunhar ao então juiz Sergio Moro que um dos executivos da empreiteira comandava uma diretoria apontada pela investigação como pivô da propina, Marcos Sabiá virou a página do maior escândalo de corrupção já investigado e hoje comanda a Galera Bet, subsidiária do grupo Playtech, registra o Painel da Folha de S.Paulo.
Com a regulamentação das casas de apostas, ele procurou o Santander, instituição com que se relaciona há mais de vinte anos, para abrir a conta da empresa. Pouco depois, recebeu comunicado de que até sua conta pessoal seria encerrada.
Consultado, o Santander disse que não comenta casos que envolvem clientes.
Ser CEO de bet é pior do que trabalhar para empresa envolvida em corrupção?
Passei pela Lava Jato na Odebrecht. Fui para Curitiba várias vezes, cuidei desses acordos de colaboração. Tinha essa conta conjunta com minha mulher no Santander há mais de 20 anos. Nunca tive problema. De repente, só por ser CEO de casa de aposta, recebo uma cartinha do banco avisando que minha conta seria encerrada.
Como soube que era por isso?
Aconteceu pouco depois de eu pedir abertura de conta para a Galera Bet. Liguei para o gerente e ele não sabia de nada. Mandei mensagem para a ouvidoria. Nesse meio tempo, outro diretor do Galera Bet entra na minha sala e diz que iriam cancelar a conta dele. Falei: ‘está explicado’. Fiz reclamação junto ao Banco Central, mas a legislação deixa como um contrato de mutualidade. Ambas as partes precisam estar de acordo e a única exigência do BC é que o banco avise o cliente [sobre o encerramento da conta] com 30 dias de antecedência.
Você se sentiu injustiçado?
Esse é um tema que preocupa os bancos, especialmente quando há uma empresa [Vaidebet] sendo investigada. Mas não dá para colocar todo mundo no mesmo balaio. Somos de um grupo com capital aberto na bolsa de Londres, com balanço auditado, com licença para operar no Brasil. Não tinha um centavo na minha conta que não fosse declarado. Como pastor, nem da igreja eu recebo dinheiro. Isso é esquizofrênico.
Por que esquizofrênico?
Porque, a partir de janeiro, R$ 250 bilhões que circulam nas casas de apostas terão de ficar depositados no Brasil, dinheiro que hoje dorme em contas no exterior. Os bancos começarão a construir uma relação para fazer a gestão desse dinheiro e alguma monetização com isso. Grandes grupos, como a Playtech, farão fusões e aquisições. São projetos que exigirão um projeto financeiro mais estruturado. Bancos com uma relação mais civilizada saem na frente.
Você é pastor evangélico, não bebe, não fuma e comanda uma casa de apostas. Isso pode?
Não é apesar de ser pastor, mas por ser pastor que eu faço esse trabalho. Não é só para dar resultado financeiro para a minha empresa.
Como assim?
Evangélicos e católicos têm uma relação mais dura com o jogo. Uma das preocupações é a ganância, quando o jogo é usado para enriquecimento. Isso nutre o pecado. Outra crítica é sobre vício. Nossa bet só permite que o CPF cadastrado seja de quem está jogando. Impede menores. Controla nível de apostas e de renda. Bloqueia um usuário que não jogue só para se divertir. Nenhuma outra indústria faz isso. Você não vê alcoólatra proibido de comprar cerveja, fumante de adquirir cigarro ou obeso de conseguir chocolate.
Confesso que tenho questões pessoais [por atuar nesse ramo], mas, como cristão, quero intervir para que o mundo criado por Deus volte à sua perfeição. Estamos construindo uma indústria que gera impostos e empregos qualificados, uma mudança na relação do jogo com as pessoas. Entendo que, como cristão, isso faz do mundo um lugar melhor.
Você já afirmou que a religião impediu a legalização do jogo desde a era Vargas. O que mudou?
Quase 29% dos jogadores são evangélicos. Então, essa discussão é muito mais um dogma religioso que precisa ser desconstruído para o bem da sociedade do que efetivamente um artigo de fé.
A propósito, você continua sem conta corrente?
Consegui abrir em um banco de primeira linha.
Raio-X | Marcos Sabiá
Bacharel em Direito, fez carreira no grupo Odebrecht. Começou em 2008 pela petroquímica Braskem, como coordenador de RH. Em 2010, migrou para a construtora, onde ficou até 2020, após a conclusão dos acordos de delações da Lava Jato. Fundou uma consultoria e, em 2022, assumiu a Galera Bet. Diz que sua nacionalidade é são paulina.