O bem comum e a legalização dos jogos e cassinos
Juridicamente, os esforços hermenêuticos direcionados por uma leitura harmônica e sistêmica da Constituição Federal são muito debatidos dentro do contexto da definição de bem comum e de seu alcance através do Direito, inclusive no processo legislativo de criação e promulgação das leis diretamente vinculado ao Estado democrático de Direito e à sua atuação na garantia da dignidade humana.
O conceito de bem comum serve também de base para a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais e sobre como essas normas devem ser formuladas e aplicadas. Está, portanto, diretamente ligado às dimensões de liberdade e de igualdade, muitas vezes tidas como paradoxais, mas que, pelo bem comum, são tratadas de maneira coesa e harmônica, correlacionando o alcance dos fins públicos aos particulares, através da dimensão da fraternidade e da solidariedade.
No Estado democrático de Direito, o princípio que vai balizar a relação entre a liberdade e a igualdade para o alcance do bem comum, que é o bem do próprio indivíduo que a compõe e o bem dos demais, será o princípio da proporcionalidade, orientado à garantia dos ditames constitucionalmente estabelecidos a fim de assegurar a todos uma vida digna.
Nesse sentido, importante cotejar o PL 2234/2022, que dispõe sobre a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional, admitindo a prática no país de jogos como cassinos, bingos e jogo do bicho. O debate sobre a proposta, fomentando prós e contras em torno da regulamentação, está corriqueiramente centrado em argumentos acerca da possibilidade de alguns jogadores se tornarem adictos, a chamada ludopatia.
Tal debate jurídico-legislativo, assim como não pode estar alheio aos pressupostos constitucionais do bem comum e da dignidade da pessoa humana, deve estar balizado pelos critérios fundamentais e estruturais da proporcionalidade, sopesando o conflito entre o referido problema da ludopatia com os benefícios trazidos pela regulamentação de tal prática.
Isso pois o princípio da proporcionalidade surge para otimizar a aplicação do direito para o alcance das dimensões humanas sobre o conceito de bem comum principalmente em situações em que os direitos são conflitantes.
Neste contexto, é importante destacar que o PL 2234, além de estabelecer 20% de imposto de renda sobre determinados prêmios líquidos, institui 17% de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a receita bruta oriunda da comercialização de jogos e apostas (Cide-Jogos), estabelecendo como destinatários do total recolhido pela Cide-Jogos, dentre outros, a Embratur e o Fundo Nacional da Cultura, além de destinar uma porcentagem para programas e ações de saúde pública, incluídas aí as de prevenção à ludopatia.
Cabe salientar que, se aprovado o projeto, as estimativas de valores a serem arrecadados são substanciais, especialmente se tomada como referência a lei que regulamentou as apostas de quota fixa, das famosas bets, que viabilizará, segundo o Ministério da Fazenda, uma arrecadação anual de cerca de R$ 12 bilhões a partir de 2024. No caso dos projetos dos cassinos, se legalizados, o governo federal estima aumento de 20% nos atuais 214 mil empregos relacionados ao turismo, além de crescimento de 1,2% na participação do turismo no PIB.
São Tomás de Aquino, ao teorizar sobre o bem comum e a lei, na Súmula Teológica, diz que “o ordenar-se para o bem comum, que é próprio da lei, é aplicável a fins particulares”. Com isso, ele corrobora a afirmativa da garantia pela lei de assegurar tanto os fins públicos de igualdade quanto os fins particulares de garantia das liberdades individuais. Ou seja, todos, coletivamente, igualmente livres para o alcance de seus fins pessoais.
O bem comum, então, deve ser interpretado diante dos ditames da Constituição Federal, para a proteção dos direitos fundamentais, sob uma hermenêutica que trate a busca pelos fins particulares em harmonia com os fins públicos.
Os benefícios públicos trazidos com a regulamentação dos jogos de azar são claros: regulamentar, legalizar, gerar empregos e trazer receitas adicionais para os entes federativos, que poderão direcioná-las para áreas de relevância pública, orientadas a trazer benefícios a todos, inclusive àqueles que porventura não adotem a prática de jogos de azar como um entretenimento.
(*) Plínio Lemos Jorge é sócio do escritório Lemos Jorge Advogados, mestre em Direito Tributário e presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL). O artigo foi veiculado no Jota.Info.