Polícia de Goiás procura os chefes do jogo do bicho

Jogo do Bicho I 23.11.01

Por: sync

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O delegado Josuemar Vaz de Oliveira, adjunto da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic), revelou que a polícia civil vai intimar, a partir de hoje, o ator Stepan Nercessian e os empresários Altamiro Basílio de Souza, Leomar dos Reis Dornelo e João Braz Mendonça. Os nomes deles surgiram nos depoimentos de funcionários de centrais do jogo do bicho, detidos na quarta-feira, como supostos donos de três das quatro bancas estouradas há dois dias. Quatro delegados da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) que estão cuidando do caso aguardam a abertura dos computadores apreendidos para identificar outros prováveis participantes do esquema no Estado.
Segundo o delegado Josuemar Oliveira, pelo que foi apurado até agora, a Look Loterias seria de propriedade de Altamiro Basílio. Ainda conforme o delegado, Nercessian e João Mendonça comandariam a Cristalina e Leomar dos Reis, a Federal Loterias. A suspeita da polícia é de que Leomar seria apenas testa-de-ferro da Paratodos, banca de jogo do bicho do Rio de Janeiro que atuava no Estado. Ninguém foi preso na Boa Sorte, a segunda maior do mercado goiano, para revelar quem seria seu dono.
Depois da perícia feita por três peritos do Instituto de Criminalística nos endereços das bancas, a polícia recolheu 14 computadores, que serão examinados a partir de hoje. A expectativa é de que estejam na memória dos CPUs informações que esclareçam como funciona a teia do jogo do bicho em Goiás. Outros documentos e agendas apreendidos também poderão ajudar a polícia a medir o tamanho da contravenção no Estado. Foram recolhidos ainda sete carros e 25 motocicletas.
Nas quatro batidas feitas nas bancas na Vila Abajá, no Jardim Europa, na Vila Canaã e no Setor Sudoeste a polícia prendeu 63 pessoas, todas liberadas após prestar depoimento na Deic. “O delito de contravenção prevê pena de quatro meses a um ano de cadeia. Nesse caso, não há necessidade de abertura de inquérito, apenas o indiciamento em Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO)”, explica o delegado Josuemar Vaz de Oliveira.
A conexão com o jogo do bicho de outros Estados, conforme a polícia, está na descarga de apostas em praças como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O delegado Jorge Moreira explica que a descarga é a transferência de parte do dinheiro arrecadado em Goiás a esquemas de fora como forma de garantir o pagamento de grandes prêmios. “O bicheiro de Goiás fica como satélite do colega de fora, pois não teria cacife para bancar prêmio grande e iria à bancarrota”, exemplificou.
‘Estou cansado de tudo isso’
O POPULAR tentou ouvir todos os acusados de qualquer envolvimento com a rede do jogo do bicho, mas conseguiu localizar apenas Alencar Júnior e Júlio César de Almeida. Alencar Júnior negou qualquer participação e disse que já foi acusado outras vezes, “mas nunca provaram nada contra mim.” Dizendo que esteve fora do Brasil por dez anos, ele considerou “uma deselegância” as novas acusações que lhe são feitas e esclareceu que a Look Empreendimentos Turísticos. era voltada apenas para atividades turísticas. “Estou cansado de tudo isso”, desabafou.
Júlio César de Almeida Ramos, outro acusado pela polícia, também negou participação. Ele confirmou que era um dos sócios da Look Empreendimentos Turísticos Ltda., e que a empresa faliu pouco mais de dois anos após sua criação. “Mas era um negócio voltado para o setor de hotelaria, de turismo, que não foi adiante. Nada tinha a ver com a Look Loterias. Nunca mexi com jogo do bicho”, disse. A reportagem deixou recados nos telefones celular e fixo do ator Stepan Nercessian, no Rio de Janeiro, mas não obteve retorno.
O número de Leomar dos Reis Dornelo não figura no serviço de informações (102) a pedido do assinante, e os telefones de Altamiro Basílio, Boadir Veloso, Messias Antônio Neto e João Carlos Rocha não atenderam ontem à noite. Já os telefones de Gil Tavares e João Braz Mendonça não constam no serviço de informações. Na casa de Raimundo Tomaz Alves foi informado que ele havia saído. Na residência de Adão Jorge uma pessoa atendeu mas não confirmou se realmente se tratava da casa do empresário.
O jogo passo a passo
O jogo do bicho cumpre etapas que vão desde a recepção das apostas à premiação dos ganhadores
1 O jogador procura um dos pontos de realização do jogo, instalados em guaritas ou próximos a estabelecimentos comerciais da cidade para fazer a aposta. Ele recebe cópia do bilhete, que serve de comprovante em caso de premiação.
2 O dinheiro proveniente das apostas é recolhido por um funcionário da banca, três vezes ao dia, em horário combinado com o cambista
3 Os talões de aposta e o dinheiro são levados para as matrizes das empresas, onde são computados
4 O resultado da loteria é repassado para todos os apontadores
5 Para receber, os ganhadores devem procurar os cambistas, que fazem os pagamentos de prêmios abaixo de 500 reais, ou ir diretamente às empresas, com o comprovante da aposta
Os sorteios são feitos com a utilização de globos elétricos, em processo semelhante ao das loterias federais.
O dinheiro
O cambista recebe, na hora, 20% do total de apostas, descontado no ato da prestação de contas.
Os outros 80% são repassados para a empresa.
Não há limite de apostas, mas aquelas que oferecerem prêmios superiores a R$ 120 mil devem ser comunicadas às empresas
O vocabulário do jogo
Apontador ou cambista: responsável por anotar os jogos.
Recolhe: pessoa que faz a coleta do dinheiro.
Jogar na cabeça: apostar no 1º prêmio
Jogar do 1º ao 5º: apostar no grupo do bicho
Os bichos
Grupo 1 – Avestruz (01, 02, 03 e 04) – Grupo 2 – Águia (05, 06, 07 e 08) – Grupo 3 – Burro (09, 10, 11 e 12) – Grupo 4 – Borboleta (13, 14, 15 e 16) – Grupo 5 – Cachorro (17, 18, 19 e 20) – Grupo 6 – Cabra (21, 22, 23 e 24) – Grupo 7 – Carneiro (25, 26, 27 e 28) – Grupo 8 – Camelo (29, 30, 31 e 32) – Grupo 9 – Cobra (33, 34, 35 e 36) – Grupo 10 – Coelho (37, 38, 39 e 40) – Grupo 11 – Cavalo (41, 42, 43 e 44) – Grupo 12 – Elefante (45, 46, 47 e 48) – Grupo 13 – Galo (49, 50, 51 e 52) – Grupo 14 – Gato (53, 54, 55 e 56) – Grupo 15 – Jacaré (57, 58, 59 e 60) – Grupo 16 – Leão (61, 62, 63 e 64) – Grupo 17 – Macaco (65, 66, 67 e 68) – Grupo 18 – Porco (69, 70, 71 e 72) – Grupo 19 – Pavão (73, 74, 75 e 76) – Grupo 20 – Peru (77, 78, 79 e 80) – Grupo 21 – Touro (81, 82, 83 e 84) – Grupo 22 – Tigre (85, 86, 87 e 88) – Grupo 23 – Urso (89, 90, 91 e 92) – Grupo 24 – Veado (93, 94, 95 e 96) – Grupo 25 – Vaca (97, 98, 99 e 00)
Consórcio foi criado em 1989
De acordo com o que apurou a Delegacia do Meio Ambiente em 1999, os bicheiros de Goiânia decidiram criar um consórcio em 1º de agosto de 1989. O inquérito policial revela que, sob o nome fantasia de Look Empreendimentos Turísticos Ltda., abrigaram-se nove supostos comandantes do jogo do bicho em Goiás: o empresário José Olímpio de Alencar Júnior, Messias Antônio Ribeiro Neto, Raimundo Tomaz Alves, João Carlos Rocha, o médico Boadyr Veloso, prefeito da cidade de Goiás, Júlio César de Almeida Ramos, Adão Jorge Ferreira Nunes, Altamiro Basílio de Souza e Gil Tavares.
No contrato social firmado por eles constam como atividades empreendimentos turísticos, sociais, culturais, promocionais, desportivos, industriais e comerciais. Quase dois anos depois, no dia 15 de julho de 1991, foi criada outra sociedade denominada Colméia Assessoria Empresarial e Informática Ltda., com os mesmos sócios e participações acionárias quase idênticas às da primeira empresa. Alencar Júnior, Messias Ribeiro e João Carlos Rocha figuravam como os maiores acionistas.
Sílvio de Castro, gerente da Look, assegura que, no ano passado, a sociedade Colméia Assessoria Empresarial e Informática Ltda. foi desfeita e Altamiro Basílio ficou como único dono da Look. Alguns sócios seguiram seu próprio caminho e outros teriam mudado de atividade.
O secretário de Segurança Pública, Demóstenes Xavier Torres, revelou ontem que há um ano esteve com o governador Marconi Perillo com o ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência, general Alberto Cardoso, pedindo a legalização do jogo do bicho. “Ou o governo legaliza esse tipo de delito ou é preciso mudar a lei, transformando o que hoje é contravenção em crime com pena pesada”, defende o secretário.
Demóstenes diz que, ao legalizar o jogo do bicho, a atividade passa a dar lucro ao Estado e afasta de sua órbita o tráfico de drogas, a prostituição infantil e o contrabando. “Junto com a contravenção veio uma laia de corruptos que vai de policiais a juízes, passando por delegados e promotores, como ocorreu no Rio de Janeiro.” Ele acrescenta que isso não quer dizer que haja esse tipo de envolvimento em Goiás, pelo menos até que os computadores sejam destrinchados.
Banca registrava 60 mil apostas
O gerente da Look Loterias, Sílvio de Castro, de 33 anos, está preocupado com o destino de 10b mil pessoas que, segundo ele, dependem da empresa para viver. A Look, revela, é dona de 2,5 mil dos 4 mil pontos de apostas do jogo do bicho em Goiânia e realizava, até a noite de quarta-feira, 60 mil palpites por dia. O valor arrecadado, alega Sílvio, só era do conhecimento do proprietário da banca.
Sílvio afirmou que os 2,5 mil preenchedores de apostas da Look formam uma legião de excluídos que não encontra outra oportunidade no mercado de trabalho.
“Fizemos uma pesquisa e constatamos que 60% têm mais de 50 anos, 25% são portadores de algum tipo de deficiência física e 17% são analfabetos, ou seja, não sabem nem escrever o nome, só preencher a aposta”, revela.
Cada vendedor de aposta tem em média três dependentes, o que dá um número em torno de 10 mil pessoas vivendo da comissão, que rende entre 180 e 400 reais por mês. “É muita gente sobrevivendo desse ofício”, assinala Sílvio de Castro.
Bancas de jogo em Anápolis fecham hoje
Medo de blitz policial deixa donos de bancas e cambistas da cidade em alerta. Movimento das apostas ontemfoi normal.
O medo de uma operação policial contra o jogo do bicho, a exemplo da que vem sendo feita em Goiânia, alterou a rotina das bancas ontem em Anápolis, sobretudo as instaladas nas ruas centrais da cidade, como as do entorno da Praça Bom Jesus. O movimento foi praticamente normal, mas todos os cambistas foram orientados pelos donos dos dois grupos que comandam a atividade em Anápolis – Pintadinho e Girafa – a ter atenção redobrada para uma possível ação policial.
O delegado regional, Cleóviton Nerya, disse não ter recebido qualquer determinação especial de Goiânia para agir contra o jogo do bicho em Anápolis, cujas bancas não estarão funcionando hoje por determinação dos próprios donos dos grupos. Segundo o proprietário de uma banca instalada na Praça Bom Jesus há mais de 30 anos, todo mundo trabalhou sob alerta máximo ontem. “Inclusive o jogo das 14 horas nem foi realizado”, disse.
O banqueiro, que não quis ser identificado, teme pelas famílias que dependem do jogo do bicho para viver. “Não acredito que eles consigam fechar o jogo na cidade, mas se isso acontecer serão mais de 2 mil pessoas que ficarão desempregadas e passando por necessidades”, disse o proprietário da banca, que baixou as suas portas às 18 horas, pontualmente.
Desemprego
O argumento dos banqueiros é sempre o mesmo: o de que a proibição do jogo do bicho mexerá com a economia da cidade, atingindo sobretudo as camadas mais carentes. Outro proprietário de uma banca localizada na Rua General Joaquim Inácio disse que somente o grupo Girafa, para o qual ele trabalha, emprega quase 500 cambistas. “Mas eu não acredito que eles consigam acabar com o jogo aqui. Aliás, nem mesmo o presidente Eurico Gaspar Dutra conseguiu extinguir o jogo do bicho. Porém, se isso acontecer, vai ser um desastre para muitas famílias”, disse o dono da banca.
Ordem
A ordem do governador Marconi Perillo, repassada ao secretário de Segurança Pública e Justiça, Demóstenes Torres, é de atacar frontalmente o jogo do bicho no Estado, interditando as centrais de aposta, ao invés apenas de perseguir os cambistas nas ruas. A intenção é erradicar com a prática, classificada como contravenção penal pela lei, dentro do projeto maior de combate à criminalidade.
Ação policial revolta cambistas
A operação ostensiva das Polícias Militar e Civil de repressão ao jogo do bicho, deflagrada anteontem em Goiânia, está deixando cambistas e apostadores insatisfeitos. O problema, alegam, é que mais de 10 mil pessoas sobrevivem diretamente da máquina do jogo espalhada pela cidade. Com o fechamento das empresas, os apontadores perderam o dia de trabalho e não tiveram dinheiro para levar para casa.
Há mais de dez anos sobrevivendo do jogo do bicho, V., de 49 anos, não esconde a revolta. Ele garante que o sentimento é geral e defende com unhas e dentes as empresas que exploram o jogo na cidade. “Já vi a empresa em que trabalho ajudar pessoas que precisam de remédio ou de auxílio-funeral várias vezes”, garante.
V. não acredita no envolvimento das bancas com supostas práticas criminosas. “Nunca ouvi falar em envolvimento do jogo com armas ou drogas. Isso não existe em Goiânia”, afirma. Ele lembra que, desde que veio para a cidade, há mais de dez anos, trabalha no mesmo lugar e nunca recebeu o salário com atraso.
O trabalho da polícia afastou os cambistas das ruas, que também não querem se expor ao falar do assunto. Ex-cambista, Márcio (nome fictício) destaca que as empresas têm condições de manter o jogo funcionando, mesmo com o cerco montado pela polícia. “Existem mais de 150 pontos de clandestinos em Goiânia prontos para fazer o jogo funcionar”, diz. Muitos apontadores, completa, deixaram as bancas e fazem os jogos sentados em mesas de bares ou próximos a estabelecimentos comerciais.
Conforme Márcio, há lugares em que cerca de seis apontadores atuam em um mesmo quarteirão. Hoje na condição de apostador, ele garante que só arrisca o investimento quando tem um bom palpite. A dona de casa J., 55, resolveu não apostar mais no jogo do bicho. A decisão, tomada no início da semana, foi reforçada pelas notícias sobre a ação policial.
J. diz que não é boa de palpite, mas conta que conhece muita gente que chega a apostar muito dinheiro em único dia. “Tenho conhecidos que jogam mais de 100 reais no mesmo bicho”, lembra.
Jogo foi criado para ajudar zoológico do Rio
O jogo do bicho foi criado em 1888, pelo barão de Drummond. No início, o objetivo era arrecadar dinheiro para manter o Zoológico do Rio de Janeiro. A modalidade logo se espalhou pelo País, despertando a atenção das autoridades, que desde o início tentaram proibi-lo.
O decreto nº 189, de 1895, foi a primeira lei a tentar reprimir a prática, que passou a ser considerada contravenção penal em 1899, com a instituição da Lei nº 628. Várias leis trataram do assunto até que, em 1941, foi promulgada a Lei das Contravenções Penais, durante o governo de Getúlio Vargas.
Em 1944, a lei sofreu alteração, quando foi disciplinado o serviço de loterias no Brasil. O jogo do bicho continuou proibido. Dois anos depois, o então presidente, general Eurico Gaspar Dutra, proibiu a prática ou exploração de jogos de azar (em que o jogador concorre apenas com a sorte, não levando em conta suas habilidades) em todo o País. Desde então, a discussão sobre a legalização jogo do bicho se arrasta no Brasil. (C.O.)
O Popular – GO – Orlando Carmo Arantes e Carla de Oliveira

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