Professores se tornam aliados na educação sobre riscos de apostas on-line por jovens brasileiros
Permitidas por lei desde 2018, as apostas on-line, principalmente as chamadas bets esportivas, ganham, a cada ano, mais adeptos no Brasil. Mais de 50 milhões de pessoas, de acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva, já foram seduzidas pelo dinheiro aparentemente fácil prometido pelos sites e casas de apostas. A realidade, no entanto, se mostrou cruel para boa parte de quem se arriscou: 45% dos apostadores, segundo o mesmo levantamento, tiveram prejuízos financeiros, e 30%, danos nos relacionamentos pessoais. Diante das inúmeras formas de enxergar e combater o problema, considerado complexo pelos especialistas, relatos ouvidos pela reportagem da BHAZ provam que, nesse enorme esforço, lidar com o tema também na escola tem se tornado cada vez mais urgente e, em muitos casos, pode ser transformador. E o papel dos professores – não apenas de educação financeira -, mais uma vez, é fundamental.
Embora a lei proíba que menores de dezoito anos realizem apostas on-line, muitos jovens, a depender da modalidade do jogo, acabam facilmente burlando o sistema e conseguem destinar uma quantia importante de dinheiro na busca por um retorno que pode não vir. Muitas vezes, são influenciadores digitais de mesma idade que promovem as apostas e convencem os adolescentes.
“Eu sempre tive muitos amigos ao meu redor que começaram a colocar dinheiro, a fazer várias apostas. Muitos acabaram zerando a banca, perdendo muito dinheiro”, revela um jovem que não será identificado. Ele conta que, assim como os colegas, conheceu as apostas por meio das redes sociais. “Aparecia bastante pra gente influencers que prometiam que você poderia ter uma renda fixa, que poderia tirar bastante dinheiro como forma de investimento, e isso acabou nos interessando”, lembra.
A prática já está na mira de órgãos de controle e do Poder Judiciário. Em junho, o Instituto Alana, uma organização que busca proteger os direitos das crianças chegou a denunciar ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), dez perfis de influencers mirins, com idades entre 6 e 17 anos, que promoviam sites de apostas para o público infanto juvenil.
Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, por unanimidade, a suspensão de qualquer publicidade de jogos de apostas on-line para crianças e adolescentes. A decisão foi tomada em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) propostas pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e pelo partido Solidariedade.
Uma questão de vício
Maíra Morais, professora de Ciências da rede pública de ensino de Minas Gerais há 16 anos, conhece bem a realidade de adolescentes que têm se deixado levar pela publicidade do dinheiro fácil das apostas. De quebra, os estudantes têm tentado convencer os colegas, em sala de aula, a gastar em sites o pouco que conseguem com os pais ou fazendo trabalhos esporádicos. “Vejo os meus estudantes, em todas as turmas, conversando e procurando fazer apostas, se envolvendo com esses negócios de bets, de [jogo do] Tigrinho”, conta.
Em meio a inúmeros episódios, um deles, que ilustra bem o contexto desafiador atual, é de um estudante, de 16 anos, do primeiro ano do ensino médio, que passou a ‘propagandear’ os supostos retornos financeiros garantidos pelas apostas. “Ele ainda estava na fase inicial, das pequenas recompensas, e, entre os colegas, assumia o papel de incentivador, e isso passou a atrair a atenção da turma”, relata Maíra.
O aluno chegou a emprestar dez reais para um dos colegas, para que pudesse testar a eficácia do jogo on-line. O resultado aparentemente deu certo: houve um retorno imediato de 50 reais. “Foi um alvoroço e precisei, então, parar a aula e fazer uma intervenção nesse momento”, conta. Explicar, a partir da área de formação, foi a saída encontrada pela professora para que os estudantes pudessem entender o que está por trás desse comportamento.
“Como eu estava dando bioquímica celular, procurei explicar como o cérebro funciona, como existem neurotransmissores, que geram uma sensação de satisfação e alegria, e são ativados a partir dessas pequenas recompensas, e é o que traz o vício, em qualquer situação, seja pela ingestão de alguma substância, do açúcar, por exemplo, ou por essas apostas, em que você tem a sensação de que quanto mais você investe, mais chance você tem de ganhar valores mais altos”.
O que Maíra transmitiu aos alunos é um aspecto já reconhecido por autoridades médicas e pelo próprio governo federal. No final deste ano, a ciência de que o comportamento de apostadores têm se revelado um vício, fez com que fosse criado um Grupo de Trabalho Interministerial de Saúde Mental, Prevenção e Redução de Danos do Jogo Problemático. Representantes dos ministérios do Esporte, Fazenda, Saúde e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência vão formar uma equipe que pretende trabalhar no desenvolvimento de estratégias para “prevenir, mitigar danos e oferecer suporte a indivíduos e comunidades afetados por práticas de jogo compulsivo ou em situação de vulnerabilidade”.
A partir da conversa sobre a possibilidade de que as apostas levam ao vício diante de pequenas recompensas que ativam áreas de prazer do cérebro, e de questionamentos que pudessem esclarecer a real condição do aluno apostador, a professora acredita que conseguiu convencer muitos dos colegas a desistirem de jogar. “Quando ele foi explicar quanto ele ganhava, ele praticamente descreveu os ganhos dele em cima da minha explicação anterior, sobre como ocorre essa captura da pessoa para que ela fique imersa e não consiga sair do jogo, faturando bem pouco. Muitos alunos reagiram concordando então que não era uma boa escolha apostar”.
Maíra Morais: “falsa ideia de uma vida perfeita”. (Foto: Arquivo Pessoal)
Maíra chama a atenção para o fato de que, por trás das questões envolvendo os jogos on-line, tem se criado nos estudantes todo um imaginário de que é possível fazer carreira como apostador e, uma vez treinando e dominando as técnicas, se tornar um milionário por meio delas. “Os influencers acabam trazendo aquela falsa ideia de uma vida perfeita, maravilhosa, baseada no uso dessas plataformas e os jovens não conseguem, infelizmente, assimilar sobre o quanto isso pode dar errado, o quanto isso pode estar associado a vícios, colocando-os em risco. Isso é muito grave”, alerta.
Para a professora, é fundamental conversar em sala de aula sobre algo que está cada vez mais presente na vida dos jovens estudantes, inclusive para evitar que na vida adulta ainda insistam na crença de que é possível ter uma vida financeira tranquila sem um menor planejamento. “A gente já vê adultos das turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) bem imersos nisso também e achando que essas apostas vão gerar um ganho que vai substituir o investimento em trabalho para conseguir as coisas na vida”, completa Maíra.
Planejamento é tudo
Franceline Luiza é professora da rede pública de ensino de Minas Gerais, especializada em metodologia do ensino da matemática e com experiência de quase 15 anos. Acostumada a abordar os grandes temas da educação financeira na hora de ensinar cálculo aos estudantes, os jogos on-line passaram a fazer parte das discussões e dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
“Sempre achei que mais importante do que ensinar a matéria do dia a dia, do que o aluno saber que dois mais dois são quatro, é o que ele vai levar pra vida. E, nesse sentido, a educação financeira é muito importante, não só para o estudante, mas para a família”, diz Franceline.
Em 2022, a professora também precisou parar uma aula pela primeira vez para que os alunos pudessem compreender sobre os riscos das apostas on-line. Ao saber da experiência de alunos que estavam gastando dinheiro com esses jogos, Franceline mudou o tema e passou a abordar conceitos importantes da matemática financeira e sobre planejamento.
“Lembro que falei de juros simples, cartão de crédito, sobre a importância de economizar, de tirar parte do salário para investir em aplicações seguras e que essas apostas vêm apenas para iludir, dar a falsa sensação de que é possível ficar rico”, conta.
Diogo*, um dos alunos, à época com 17 anos, teve o futuro transformado por aquela aula. Ele era um dos estudantes que gastava todo o dinheiro que ganhava como barbeiro em apostas on-line. Ao reencontrá-lo quase dois anos depois, Franceline teve uma grata surpresa. “Ele me contou que a partir daquele dia passou a tomar consciência sobre o que ele iria fazer com a vida dele. Com o dinheiro melhor investido, tirou carteira de habilitação, comprou uma moto e montou uma barbearia”, revela.
Se desvencilhar dessa armadilha não é uma tarefa das mais fáceis. O comportamento de arriscar o salário em jogos on-line vem tendo consequências importantes na vida financeira e até na subsistência das famílias brasileiras. Pesquisa feita pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) identificou que 63% dos apostadores admitem ter comprometido parte de sua renda com as bets. A situação é tão grave que 18% já tiveram o nome negativado em razão das apostas.
Para os especialistas, o grande problema das apostas esportivas dentro do planejamento financeiro é o tamanho do volume de dinheiro que é colocado em relação ao orçamento familiar. Enquanto as apostas esportivas estiverem substituindo algum item de diversão como, por exemplo, a ida ao cinema, não há comprometimento, mas não é o que tem ocorrido.
“O que tem se visto é que, especialmente nas famílias de mais baixa renda, onde o orçamento é mais apertado, isso [gastos desvirtuados] acontece com muito mais frequência e gera um comprometimento muito maior sobre a renda daquela família”, esclarece Leopoldo Grajeda, professor da PUC Minas e especialista em finanças.
Uma das saídas, já identificadas por estudos ‘muito bem consolidados’, é de que o tema precisa ser tratado nas escolas.
“Por exemplo, a probabilidade de um financiamento transcorrer sem atraso, sem inadimplência, é muito menor quando as pessoas têm uma educação financeira de boa qualidade, especialmente na sala de aula. Existe, sim, a esperança de que a educação financeira, também no caso das apostas esportivas, vai ajudar as pessoas a ter um controle melhor da situação”, defende Grajeda.
Técnicas compartilhadas
Aender Pereira é de origem pobre. Hoje professor de educação financeira da rede privada em Belo Horizonte, nasceu e cresceu na favela, perdeu o pai ainda pequeno e começou a trabalhar aos 14 anos. Balconista, faxineiro, garçom e catador de papelão, aprendeu desde cedo que é preciso suar muito para conquistar o dinheiro almejado e, mais importante, adotar técnicas que possam garantir um futuro mais seguro e sustentável.
“A gente vive uma geração chamada geração TikTok, geração ‘arrasta para cima’. As pessoas buscam cada vez resultados mais rápidos, mais imediatos, seduzidos por promessas vazias de enriquecimento rápido, levando em consideração que não existe almoço de graça no mercado”, alerta Aender.
Em contato com essa nova geração, a percepção também do professor é de que, no caso das apostas on-line, os estudantes têm se apegado a casos isolados, de poucas pessoas que ficaram milionárias, ignorando o fato de que milhares simplesmente perderam tudo. Essa nova realidade impõe o reforço de conceitos que há anos são trabalhados em sala de aula, como consumismo, ostentação, diferença de estar endividados e inadimplentes.
“Antes de ensinar qualquer técnica de planejamento [aos estudantes], é preciso ensinar primeiro a ter consciência. Os jovens ficam eufóricos, começam com dez reais, que vira cinquenta, cem, em seguida dois mil reais, e pensam ‘é aqui que eu vou fazer minha vida’, mas, até que, num belo dia, fazem uma jogada errada e perdem tudo de uma vez”.
De acordo com o professor, é preciso deixar claro que nesses jogos virtuais existe uma programação por trás, e o algoritmo já está preparado para poder perceber quando um indivíduo já está comprometido. O ideal é que os estudantes saibam e se convençam de que o sistema sabe exatamente a sequência de apostas feitas por uma pessoa que vai perder e, por isso, oferece pequenas vitórias, até o momento em que o jogador faz uma aposta mais elevada e perde tudo.
Aender explica que o roteiro de apostas é formado por diferentes fases em que, na primeira, há euforia por ganhos menores; depois, mesmo diante de uma pequena perda, muitos jogadores entendem aquele como apenas um mau momento, acreditando que a sorte do início irá retornar. Ao insistir no jogo, o apostador acumula novas vitórias e passa, pelo menos, a recuperar o valor de quando começou. A próxima fase é ‘esticar a corda’ e jogar mais um pouco para voltar a ter um saldo positivo, mas, geralmente, é quando se perde muito. Na tentativa de recuperar pelo menos o que perdeu, perde até o ‘que não tinha’.
A tarefa de conseguir convencer os alunos é desafiadora, admite Aender. Segundo o professor, que trabalha com adolescentes de 14 a 18 anos, só 20% conseguem, de fato, desenvolver uma mentalidade capaz de transformar a percepção e o comportamento sobre os riscos financeiros, como no caso das apostas. “40% ficam no meio do caminho, em dúvida, e outros 40% mantém a ‘pegada’ das bets e acabam pagando um preço muito alto”, conta.
Nas experiências dentro e fora da sala de aula, Aender também se deparou com jovens que, apesar da pouca idade, perderam muito dinheiro nas apostas esportivas. “Tive um aluno que ganhou um bom dinheirinho, até que um dia ficou muito ‘ganancioso’, colocou todo o dinheiro que tinha, perdeu e voltou para estaca zero”, lembra.
“Outro começou a apostar, e foi se viciando, viciando. Ele apostava em tudo, apostava em golfe, basquete, tudo, tudo, tudo. E muitas vezes chegou a passar até uma situação financeira difícil, de não ter o dinheiro para poder pagar a conta de luz. Quando aquilo quase custou o relacionamento, ele parou a tempo”, completa Aender.
Esse não é um caso isolado. De acordo com o levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 15% dos apostadores já deixaram de pagar alguma conta para usar o dinheiro, se arriscando em jogos on-line. Mais do que tentar convencer pelo discurso, mostrar casos reais e adotar estratégias práticas tem sido o caminho escolhido por Aender para influenciar nas escolhas dos estudantes.
Durante as aulas, o professor trabalha com a exposição de casos de pessoas que perderam toda a fortuna por escolhas erradas e ainda propõe atividades com simulações. Aos alunos é estabelecido , por exemplo, um padrão de vida de classe média, com um salário razoável, e, a partir disso, alguns desafios, ações, escolhas, muitas vezes “bem tentadoras”. Ao serem provocados e surpreendidos pelas consequências, muitos acabam se assustando e reconhecendo os perigos de decisões equivocadas.
“Eles descobrem que deveriam ter feito uma reserva para poder suportar os impactos. E, em muitos, isso acaba causando muita dor. É uma simulação que mostra algo real que acontece muito na vida das pessoas, e eles assustam que, de repente, eles se veem quebrados, falidos, endividados, sem o que fazer para poder se recuperar. Muitos começam a fazer reflexões bem profundas a respeito disso”, conta.
Desigualdade social
Lecionando numa escola privada de Belo Horizonte, Aender reconhece que, infelizmente, a realidade da educação financeira ainda não está ao alcance de todos e é justamente os que não têm acesso a essa formação que mais precisam.
“Infelizmente, a gente vê o pessoal colocando dinheiro do Bolsa Família em apostas esportivas, se deixando seduzir, porque não tem uma base emocional, psicológica, pedagógica bem desenvolvida. E tudo isso a gente desenvolve dentro da escola, mas, infelizmente a realidade nas escolas públicas, não em todas, têm algumas que são realmente muito boas, não é essa”, diz.
De acordo com o Banco Central, só em agosto de 2024, cinco milhões de beneficiários gastaram três bilhões de reais em bets via Pix. Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Ministério da Fazenda implemente medidas para impedir o uso do dinheiro de programas sociais e assistenciais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em apostas on-line. O governo, no entanto, reconhece que há dificuldades operacionais em cumprir essa determinação porque a conta vinculada ao programa também pode receber renda de outras fontes.
Sem conscientização, é mais fácil, segundo o professor, convencer alguém com menos instrução que um jogo on-line vai mudar a vida dela. “A pessoa não tem uma base, ela não tem uma referência, ela não tem um modelo, ela não tem contraponto. Quando vê um influencer morando numa mansão, mostrando carros, mostrando o iPhone, que é o desejo de consumo de todo mundo, e que conseguiu tudo aquilo através do Tigrinho, [o aluno] acaba acreditando”.
Um convite à reflexão
Isabella Passos é professora de Filosofia da rede pública de Minas Gerais. Com experiência também em sala de aula, atualmente trabalha com a elaboração do Material de Apoio Pedagógico para Aprendizagens (Mapas), que serve como instrumento de auxílio para os conteúdos e atividades transmitidos pelos professores aos estudantes.
De acordo com a professora, é preciso pensar e trabalhar o problema das apostas on-line para além da educação financeira. Isso porque, além da troca monetária, existem aspectos variados que dizem respeito, por exemplo, ao comportamento dos jogadores, que devem ser pensados não apenas como consumidores, mas também como cidadãos.
“A abordagem que proponho para o professor trabalhar com o aluno é em cima de critérios sobre cidadania digital, porque, não havendo nem mesmo uma cidadania digital, como a gente foi bombardeado por uma série de aplicativos direcionados a uma certa maldade, em arrancar dinheiro das pessoas?”, questiona Isabella.
Um ponto levantado pela professora é de que é preciso considerar que, além da troca monetária, existem condições relacionadas à liberdade de decidir o que fazer com o próprio dinheiro. De acordo com Isabella, quando se fala em autonomia pessoal, é preciso dizer que ela é influenciada não apenas por condições internas, mas também externas.
“Falar em autonomia no uso de Bet ‘s começa por questionar os próprios programas [de apostas], de modo que aquele que queira usá-los saiba de fato sobre sua decisão. O que isso quer dizer? Que as regras algorítmicas que governam as apostas virtuais são, em grande parte, um segredo bem guardado pelas empresas de jogos on-line”, explica Isabella. “Não se sabe de fato quem ganha, em que proporção ganha, o que ganha. Esses fatores, por si só, já jogam uma cortina de fumaça sobre o produto que ali está oferecendo, porque, quem joga, joga no escuro”.
Sem que as casas de apostas evidenciem de forma transparente a mecânica do jogo, é difícil ter certeza de que estão cumprindo o que prometeram. “Não estamos mais falando de jogos de azar como antes, mas tudo foi “algoritmizado” para que muitos percam e alguns, talvez alguns, ganhem pouco. Atualmente, não é possível conhecer ou auditar os mecanismos”, critica Isabella.
Tudo ou nada
Na dinâmica de atrair novos jogadores, há um grande esforço de marketing e um grande investimento em design de jogos para manter os jogadores que estão na plataforma sempre engajados. Isabella Passos, que também é psicóloga, explica que são essas estratégias que fazem com que cada vez mais cheguem nos consultórios médicos pessoas que demonstram alguma relação disfuncional com essas apostas.
“Muitos jogos têm recursos que enganam o cérebro, fazendo-o pensar que uma perda é, na verdade, uma vitória. Como isso ocorre? Exibindo música, sons e luzes comemorativas para retornos menores do que os valores colocados em apostas. Já se sabe que recebemos “perdas celebradas” da mesma forma que celebramos os ganhos. Imagina, então, se alguém está imerso no jogo sem consciência desse cálculo?”, pergunta
Outro aspecto importante que precisa ser discutido em sala de aula também passa pela necessidade de questionar a suposta habilidade dos apostadores esportivos, que, como explica Isabella, acreditam que seus ganhos se devem mais à própria experiência e conhecimento e menos à sorte. “Isso pode dar a eles uma falsa ilusão de controle. Se entendem bem a dinâmica dos times e jogadores profissionais dos times, eles consideram que têm chances reais de ganhar sempre que apostarem”.
Embora a dinâmica das apostas, no caso dos palpites esportivos, pareça algo livre de interferência por terceiros, os processos contra jogadores de futebol e grupos que manipulam lances e resultados de partidas, vem demonstrando o contrário. Mais de 20 atletas, nos últimos dois anos, foram alvo de investigação em todo o país por suspeita de manipulação em esquemas de apostas.
O caso mais recente é do jogador Bruno Henrique, do Flamengo. Ele é investigado pelo Ministério Público (MP) e pela Polícia Federal (PF) por cartões recebidos em uma partida da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de 2023. O jogador nega.
O que dizem os órgãos de educação
Procurado pelo BHAZ, o Ministério da Educação (MEC) diz que, ancorada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, “temas contemporâneos relevantes para o desenvolvimento da cidadania, que afetam a vida humana em escala local, regional e global, devem ser trabalhados”. O órgão diz, ainda, que “induz, em regime de colaboração, a abordagem de conteúdos [sobre apostas esportivas] no contexto educacional, a partir de ações tais como no âmbito da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) e da formação de professores, entre outras”.
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) em nota ao BHAZ, esclarece que “a promoção da educação financeira ocorre de forma transversal e integrada ao currículo escolar, alcançando a formação de estudantes do ensino fundamental e médio ao longo do ano letivo”.
Para abranger estudantes do 1° ao 9° ano do ensino fundamental, a SEE/MG informa ainda que aderiu ao programa Aprender Valor, desenvolvido pelo Banco Central do Brasil (BCB). O programa capacita escolas públicas com recursos pedagógicos voltados à educação financeira, alinhados às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Com acesso gratuito por meio de adesão on-line, os professores têm à disposição, via plataforma digital, sequências didáticas que abordam a temática de forma integrada às disciplinas obrigatórias.
A nota diz ainda que, no ensino médio, a educação financeira está entre as eletivas mais escolhidas pelos estudantes desde 2022, destacando-se como um componente curricular essencial para capacitar jovens a tomarem decisões financeiras conscientes. De acordo com a Secretaria de Educação, em 2024, aproximadamente 142 mil estudantes participaram de 5 mil turmas que ofereceram o componente, abrangendo tanto o ensino médio regular quanto a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A partir de 2025, a educação financeira será obrigatória para o 2º e 3º anos do ensino médio noturno, “ampliando o impacto da iniciativa”.
Por fim, a SEE/MG informa que mantém uma parceria com a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) para sensibilizar cidadãos sobre a função socioeconômica dos tributos e, ainda, que oferece Especialização em Educação Contemporânea com ênfase em Educação Financeira, voltada para professores de matemática que lecionam o componente na rede estadual, com novas turmas iniciadas em 2024.