TRF1 nega recurso da União contra Esportes da Sorte
O desembargador Federal Flávio Jardim do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento em agravo de instrumento da Advocacia-Geral da União – AGU contra decisão que deferiu liminar em mandado de segurança impetrado por Esportes Gaming Brasil LTDA. A empresa, que opera com apostas de quota fixa através da marca Esportes da Sorte, contestou exclusão da lista de autorizadas a atuar no período de adequação regulatória, feita pelo Secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda – SPA-MF.
Na decisão que o BNLData teve acesso, a SPA-MF justificou o indeferimento do pedido de autorização citando a existência de investigação criminal relacionada à Operação Integration, na qual o representante legal e sócio da empresa, Darwin Henrique da Silva Filho, consta como indiciado.
O recurso da União argumenta a inadequação do mandado de segurança, devido a ausência de direito líquido e certo e a necessidade de avaliação de idoneidade como requisito essencial para concessão de autorização, segundo a Lei nº 14.790/2023 e normas correlatas. A União destaca o risco à coletividade decorrente da exploração de apostas sem adequada regulamentação, considerando questões como saúde pública e segurança econômica.
Segundo o desembargador, a questão jurídica a ser decidida consiste na possibilidade de a União impedir a operação de sociedade empresária que desempenha atividade de exploração de apostas de quota fixa, popularmente conhecida como ‘bet’, em razão de seu administrador e sócio ter sido incluído como um dos investigados em operação policial.
“A Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, detalha os procedimentos e exigências para comprovação da idoneidade de empresas e pessoas envolvidas no setor de apostas, conforme regulamentado pelas Leis nº 13.759/2018 e nº 14.790/2023. Referida Portaria estabelece a obrigatoriedade de o agente operador de apostas, interessado em operar no Brasil, apresentar declarações de reputação ilibada e origem lícita dos recursos, além de permitir que a Secretaria de Prêmios e Apostas solicite documentos complementares e dispõe que o descumprimento das exigências pode resultar no indeferimento do pedido de autorização para operar”, defende a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda – SPA-MF em ofício para justificar o indeferimento do pedido de autorização.
O desembargador Federal registra que a adequada solução desta controvérsia envolve compreender como conceitos morais previstos na legislação, tais como ‘moralidade’, ‘padrão ético elevado’, ‘idoneidade’, e ‘reputação ilibada’ devem ser concretizados pelo intérprete em situações específicas.
“Conceitos morais como “padrão ético elevado”, “idoneidade”, “moralidade”, “reputação ilibada” e “interesse público” apenas podem ser concretizados a partir de uma visão hermenêutica do direito posto; e não por meio de critérios discricionários da Administração, os quais não possuem amparo no ordenamento jurídico em vigor”, define Flávio Jardim.
O magistrado registra que a Portaria SPA/MF nº 827/2024, ao exigir reputação ilibada de sócios e administradores de bets, não é abstratamente inconstitucional, desde que a Administração dela faça uma leitura consistente com o sistema jurídico, que resguarde a força dos princípios constitucionais.
A decisão registra que informações relevantes merecem ser acompanhadas pela Administração, que podem afetar ou vir a afetar o exercício de direitos individuais de sócios e administradores. “O que não se pode permitir, entretanto, é que o mero apontamento de um fato que juridicamente não gera a restrição de direitos possa vir a ser considerado pela Administração como um fundamento para restringir o direito de poder explorar atividade lícita. Tal compreensão ofende a moral jurídica em vigor, compreendida a partir da leitura hermenêutica dos princípios aplicáveis à espécie. Tal aplicação da Portaria, tal qual exercida pela Administração no caso concreto, é inconstitucional”.
O magistrado também registra que a decisão é ilegal, pois disposição infralegal não pode autorizar a Administração a restringir direito de particular sem que haja autorização legal para tanto. “No caso, não há na legislação federal autorização para que se exclua do ambiente de livre concorrência uma empresa pelo simples fato de um administrador e/ou sócio responder a um inquérito policial”, comenta.
“A consequência prática da decisão administrativa, baseada em valores jurídicos abstratos como “moralidade”, “proteção estatal da coletividade”, “idoneidade” e “padrão ético elevado” é afastar a aplicação do princípio da presunção de inocência e da preservação da empresa a um caso em que há certeza hermenêutica de sua aplicação na hipótese”, critica Flávio Jardim.
Segundo o desembargador, a aplicação descontextualizada desses conceitos é capaz de gerar o que os críticos da argumentação chamam de “apelo à emoção”, considerado uma falácia que se vale de linguagem expressiva para causar emoção no receptor da mensagem, no lugar de argumentação lógica.
Segundo a decisão o que se deduz do trecho do agravo que defende a manutenção da decisão administrativa, uma vez que “[é] de notório conhecimento os efeitos deletérios decorrentes da exploração de jogos de aposta, os quais impactam diretamente na saúde pública, bem como nos orçamentos das famílias, conforme já demonstrado anteriormente.”
“É difícil imaginar por que a bet agravante causa mais efeitos deletérios à comunidade do que as demais autorizadas, o que demonstra que tal argumentação não tem sentido para justificar a medida imposta”, comenta desembargador Federal Flávio Jardim.