Viciados em drogas e plataformas de apostas

Blog do Editor, Jogo Responsável I 29.11.22

Por: Magno José

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“A forma como nosso cérebro processa o ganho de uma recompensa é responsável por boa parte da geração de um vício”, Aquiles Mosca* (Foto: Linkedin)

Em ano de Copa do Mundo, estamos vendo no Brasil um crescimento notável no número de plataformas de apostas esportivas, bem como no número de pessoas dispostas a colocar seu dinheiro em tais jogos. De forma alarmante, em uma pesquisa de campo da Anbima atualmente em andamento, na qual estamos buscando mapear a jornada do investidor brasileiro com as diferentes modalidades de investimentos, tais plataformas já aparecem de forma espontânea na mente dos participantes como uma alternativa de investimento.

Como reage o cérebro diante dos ganhos polpudos oferecidos aos participantes desses jogos e de que maneira atitudes futuras são influenciadas pela percepção de que tal recompensa pode estar ao seu alcance? O cruzamento da neurociência com a teoria financeira comportamental pode trazer uma contribuição importante para quem deseja entender a real dinâmica mental que está por trás de um hábito que pode revelar-se financeiramente desastroso para muitos.

Estudos realizados por Anton Souvorov (2013) voltados à análise neurológica de viciados em drogas e à reação de investidores a ganhos no mercado financeiro demonstram que a forma como nosso cérebro processa o ganho de uma recompensa é responsável por boa parte da geração de um vício. Do ponto de vista da neurociência, a região do cérebro estimulada quando um viciado consome, por exemplo, cocaína, é exatamente a mesma que desperta quando o indivíduo recebe uma recompensa monetária. Além disso, não apenas a resposta a uma recompensa monetária se assemelha ao estímulo proveniente do consumo de drogas, como o desejo de obter tal recompensa reage da mesma maneira.

Seja um drogado frente à possibilidade de obter prazer ao consumir um psicotrópico ou um apostador diante da promessa de ganhos fáceis e rápidos, ambos tenderão a fixar sua atenção unicamente na recompensa e, inconscientemente, verão seu padrão de comportamento alterar-se. O resultado, em alguns casos, é overdose, e em outros, um comprometimento de recursos financeiros bem acima do que seria financeiramente prudente. Ambos, via de regra, não resultam em um final feliz.

Uma vez que a atividade mental associada a substâncias viciantes e aquelas relacionadas a recompensas monetárias são processadas pela mesma região do cérebro, neuropsicólogos advertem para o resultante desvio de comportamento e de racionalidade (hipótese básica de todo modelo econômico e financeiro tradicional) quando lidamos com tais estímulos. Dado que incentivos financeiros geram tamanha atratividade, não é difícil assimilar o fato de que o raciocínio sofrerá distorções se comparado com aquele gerado por um cérebro que não seja alvo de tais estímulos.

Estudos de finanças comportamentais revelam ainda que o problema não está na recompensa em si. É apenas quando cortejamos a possibilidade de uma recompensa de forma antecipada, e muitas vezes precipitada, que os efeitos perversos mencionados acima vêm à tona. Experimentos voltados à motivação revelam que a perspectiva de um ganho ou recompensa estimula mais a região do cérebro responsável por processar prazer do que o próprio ganho. Assim, é o fator antecipação que gera efeitos semelhantes ao vício, suprimindo uma parte importante da racionalidade. No caso de apostas, um comprometimento de somas crescentes de recursos, muitas vezes bem acima do que seria prudente para preservar o orçamento individual, é colocado em risco e com baixa probabilidade de retorno.

Considerando que uma parcela da população brasileira enxerga tais jogos como alternativas de investimento, quais as implicações das tendências comportamentais mencionadas para o investidor individual bem informado que deseja evitar cair nas armadilhas das apostas?

Ao ver diante de si ganhos aparentemente fáceis nas plataformas de apostas, o indivíduo corteja a possibilidade de obter com certa facilidade tais recursos. A região de seu cérebro responsável por processar prazer é imediatamente acionada. Se estivéssemos diante de um monitor de atividade cerebral, veríamos em sua tela o hemisfério responsável pelo prazer iluminar-se revelando intensa atividade, semelhante ao “barato” experimentado por um viciado em drogas. Parte relevante da racionalidade das decisões dessa pessoa estará agora comprometida ou, ao menos, distorcida. Sua propensão ao risco será afetada, sendo magnificada pelo desejo de obter a recompensa monetária antecipada. A postura frente ao risco e a consequente alocação de recursos ao jogo deixam de ter base na racionalidade financeira individual.

Esse efeito é magnificado pela exposição de casos de ganhadores em mídias sociais e círculos de conhecidos.

Em um país onde a poupança individual é baixa e com tendência de queda, ver o pouco recurso que alguns conseguem guardar sendo direcionado a apostas é mais um desafio para todos que trabalham com educação financeira.

(*) Aquiles Mosca é responsável por comercial, marketing & digital no BNP Paribas Asset e professor de finanças comportamentais e gestão de ativos. O artigo acima foi veiculado pelo jornal Valor Econômico.

 

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