A factível atipicidade do crime de manipulação de jogos de futebol

Opinião I 23.06.23

Por: Magno José

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A maioria dos jogadores são profissionais honestos e dedicados, que jogam com integridade e respeito pelo esporte, mas os casos de jogadores envolvidos em práticas ilegais têm impactos significativos na imagem do esporte e na relação com os torcedores

O último caso emblemático de manipulação de resultados em partidas de futebol no Brasil ocorreu em 2005, quando um árbitro era remunerado com o intuito de influenciar os jogos. Contudo, em meados de novembro de 2022, o presidente do Vila Nova, clube localizado em Goiás, teria recebido informações de que jogadores de sua equipe estavam sendo manipulados por apostadores.

Durante uma investigação preliminar, chegou-se ao nome de um dos envolvidos. Assim, em fevereiro de 2023, o Gaeco, órgão do Ministério Público de Goiás, denominou a operação como Penalidade Máxima e apontou os jogos manipulados.

Entretanto, as investigações se aprofundaram e, em abril deste ano, instaurou-se a Operação Penalidade Máxima II, na qual ocorreu a manipulação de resultados dos jogos do campeonato série A e B, o que resultou nas prisões preventivas dos apostadores.

Havia um esquema predefinido que funcionava da seguinte maneira: um grupo acionava o atleta e prometia a participação nos lucros, antecipando parte desse valor. Dessa forma, essas apostas envolviam lances comuns de jogo, como receber cartões, cometer pênaltis e a quantidade de escanteios. Com o acordo fechado, eles faziam a aposta e já sabiam o valor que iria retornar. No entanto, em casos específicos, essa aposta aumentava o retorno dependendo da situação de jogo. Contudo, se o jogador não cumpria o estabelecido, ele causava um prejuízo e, consequentemente, era ameaçado. Mesmo assim, eles combinavam novas manipulações visando ressarcir os apostadores.

A prática de prometer dinheiro a jogadores profissionais de futebol para que eles entreguem partidas, também conhecida como manipulação de resultados, é considerada uma conduta ilegal e antiética. Essa ação tem o potencial de comprometer a integridade e a legitimidade das competições esportivas.

Aqueles que praticam esse tipo de conduta podem ser responsabilizados criminalmente e estão sujeitos a sanções penais, como reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Além disso, as federações esportivas e órgãos reguladores têm seus próprios regulamentos e punições para lidar com casos de manipulação de resultados, que podem incluir suspensões, multas e exclusão de competições.

A responsabilidade criminal não se restringe apenas aos apostadores, mas também se estende aos jogadores profissionais de futebol que aceitam participar desse tipo de esquema. A participação ativa na manipulação de resultados pode resultar em sanções tanto no âmbito criminal quanto desportivo.

Portanto, a manipulação de resultados no futebol é considerada uma conduta ilegal e sujeita a sanções penais no Brasil, visando proteger a integridade e a honestidade das competições esportivas.

A denúncia realizada pelo Ministério Público de Goiás envolve 16 jogadores das séries A e B do Campeonato Brasileiro, somente na segunda fase da operação, considerando que na primeira fase já havia oito denunciados.

Todas essas denúncias foram aceitas pela Justiça de Goiás. Sendo assim, os denunciados irão responder pela prática de organização criminosa e corrupção ativa. As apostas eram baseadas em receber cartões ou cometer pênaltis.

Neste artigo, serão consideradas as informações divulgadas pela mídia como base de análise.

Dessa forma, o tipo penal utilizado na denúncia é encontrado no Estatuto do Torcedor, mais precisamente no artigo 41-D, que estabelece:

Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Verifica-se que os elementos subjetivos do tipo, descritos nos verbos “dar” ou “prometer”, não incluem o verbo “oferecer”. Portanto, se um manipulador oferecer dinheiro, não poderá ser enquadrado nesse tipo penal.

A falta de um tipo penal específico e abrangente torna necessário que a punição seja estabelecida por meio de tipos penais ou legislação penal correlata, podendo gerar atipicidade na conduta, de acordo com o Código Penal brasileiro, as condutas atípicas resultam em absolvição, uma vez que não configura crime.

O verbo dar significa uma obrigação positiva de transferir um direito, de entregar coisa certa ou incerta ou de realizar determinada obrigação, por exemplo, eu dou R$ 500,00 para o jogador x que realizar ou que tenha feito o ato ilegal.

De fato, o verbo “prometer” implica em afirmar previamente que se realizará determinada ação, como dar ou realizar algo, por exemplo, dizer “eu vou lhe pagar R$ 500,00 se você praticar essa conduta”. Assim, o verbo “prometer” abrange a noção de realizar uma vantagem em troca de uma determinada conduta.

Deveras, o Direito Penal busca estabelecer tipos penais claros e diretos, de forma a evitar obscuridades e garantir a segurança jurídica. Quando uma conduta é praticada de acordo com a descrição prevista no tipo penal, deve ocorrer a aplicação da punição correspondente. Caso contrário, se não houver o preenchimento de todos os elementos do tipo penal, não será configurado o crime. A clareza e precisão dos tipos penais são fundamentais para assegurar que apenas condutas tipificadas sejam punidas.

Percebe-se que é exatamente o que ocorreu no caso da operação, os empresários prometiam ou dava uma sinalização que após o ato praticado, receberia o resto, mas, ressalta-se que o tipo penal não consta o verbo oferecer.

Guilherme Nucci afirma que a tipicidade é a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (não há crime sem lei anterior que o defina). A existência dos tipos penais incriminadores (modelos de condutas vedadas pelo direito penal, sob ameaça de pena) tem a função de delimitar o que é penalmente ilícito do que é penalmente irrelevante, tem o objetivo de dar garantia aos destinatários da norma, pois ninguém será punido senão pelo que o legislador considerou delito, bem como tem a finalidade de conferir fundamento à ilicitude penal. Note-se que o tipo não cria a conduta, mas apenas a valora, transformando-a em crime.

A tipicidade é uma decorrência natural do princípio da reserva legal: nullum crimen nulla poena signe previa lege. Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei.

Quanto ao juízo de tipicidade, Zaffaroni afirma cumpre uma função fundamental na sistemática penal.

Sem ele a teoria ficaria sem base, porque a antijuridicidade deambularia sem estabilidade e a culpabilidade perderia sustentação pelo desmoronamento do seu objeto.

Desse modo, o fato penal só será típico se estiver descrito. Percebe-se que não há o verbo oferecer, desse modo, apenas trata-se de uma conduta imoral, mas não ilícita.

O futebol atrai uma relação entre um clube e os seus torcedores. Eles são o núcleo de um clube e o seu fanatismo e dedicação contribuem para o sucesso e para a identidade. Ao se deslocar até um estádio, os amantes esperam presenciar a lealdade dos seus jogadores, tendo em vista que dedicam tempo, energia e emoção, por seus clubes.

Isso acontece porque todos os jogadores recebem o apoio e a confiança dos seus torcedores, e por isso eles esperam a lealdade por parte deles, indicando que haja essa conexão em paixão e comprometimento, logo, o esforço e a determinação durante as partidas. Esses torcedores esperam ver a briga por cada bola, com raça, passando a sua paixão e emoção para dentro do campo.

Lealdade significa um valor humano relacionado com a capacidade de uma pessoa de ser plenamente confiável, manter sua retidão moral, honestidade e honrar compromissos. Também encontrado como sinônimo de fidelidade, dedicação e sinceridade, sendo assim, quando há essa ruptura, uma das partes se sentem traídas.

Atualmente, os jogadores andam recebendo promessas e valores para realizar comportamentos ilegais, tais como manipulação de partidas e se vender para os apostadores, o que gera uma ruptura em todos os lados para o futebol.

A viciação de resultados é um problema sério que prejudica a integridade do esporte. Quando os jogadores se envolvem em tais atividades, eles comprometem a justiça e a imparcialidade do esporte. Isso viola os princípios do fair play e prejudica a credibilidade e a confiança dos torcedores no esporte como um todo.

Os torcedores sentem uma profunda tristeza e decepção ao verem jogadores se envolvendo em escândalos de manipulação de jogos. Eles se sentem traídos, pois investiram sua paixão e seu apoio nesses atletas, acreditando que eles estavam representando o clube e os valores do esporte de maneira honesta e justa. Ver essa confiança ser quebrada é extremamente doloroso e abala a relação entre torcedor e jogador.

Ressalta-se que a maioria dos jogadores são profissionais honestos e dedicados, que jogam com integridade e respeito pelo esporte. No entanto, os casos de jogadores envolvidos em práticas ilegais têm impactos significativos na imagem do esporte e na relação com os torcedores.

Para combater a manipulação de jogos, as autoridades esportivas e as instituições responsáveis pela regulamentação e fiscalização do esporte têm implementado medidas mais rigorosas de monitoramento e punição. Além disso, é fundamental promover uma cultura de integridade e ética no esporte, conscientizando os jogadores sobre os riscos e as consequências de suas ações.

Por sua vez, os adeptos têm um papel importante ao expressar sua indignação e repúdio diante de casos de manipulação de jogos. Eles podem pressionar por mudanças e exigir ações mais enérgicas das autoridades competentes. A voz dos torcedores pode ajudar a fortalecer a luta contra essas práticas ilícitas e a proteger a integridade do esporte que amam.

Isto posto, no nosso entendimento, deveria ocorrer uma emenda, uma vez que a legislação é um pilar fundamental para o funcionamento adequado de uma sociedade, mas é essencial reconhecer que as leis devem ser dinâmicas e capazes de acompanhar as mudanças e os desafios que surgem ao longo do tempo, devendo sanar os novos problemas existentes. Nesse contexto, a emenda assume um papel crucial, adicionando um verbo o qual alterará o elemento subjetivo do tipo, podendo assim, diminuir a criminalidade.

A emenda, por definição, consiste em uma modificação realizada em uma lei ou constituição existente. Essa ferramenta permite que as leis sejam atualizadas e aprimoradas, levando em consideração novas circunstâncias, avanços sociais, mudanças de perspectivas e a evolução da sociedade como um todo. Ao adicionar um verbo à emenda, como “oferecer””, ressalta-se a importância de tornar a lei mais eficiente, justa e relevante.

Através dela, as leis podem ser adaptadas para enfrentar os desafios emergentes e suprir lacunas existentes. Essa flexibilidade é crucial para lidar com questões complexas e garantir que as leis estejam alinhadas com as necessidades e as aspirações dos casos existentes.

A alteração na legislação não apenas reflete a evolução social, mas também fortalece a confiança nas partidas e nos organizadores, pois caso pensam em praticar o delito, ele estará regulamentado como crime. Ela demonstra que o sistema jurídico está aberto a ajustes e melhorias contínuas, demonstrando uma resposta ágil e responsiva aos desafios enfrentados principalmente pelos torcedores que acreditam na integridade dos jogadores. Dessa forma, as emendas não apenas atualizam as leis, mas também reforçam a legitimidade do sistema legal como um todo.

(*) Luis Eduardo Belarmino é advogado especializado em Direito Desportivo pela Universidade do Minho em Braga, Portugal, pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal, coautor do Capítulo “Do Princípio do Duplo Fator de Autenticação como validador de elementos probatórios de natureza digital”, no livro Direito, Cidadania e Aplicação das Leis Criminais e diretor do Comitê de Crimes contra a Ordem Econômica da Comissão Estadual dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional de São Paulo. O artigo foi publicado no Blog do Fausto Macedo no Estado de S.Paulo.

 

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