A nova era das apostas esportivas no Brasil: Desafios regulatórios atrelados aos meios de pagamento
A aprovação da lei 14.790/23 marca uma nova era para o mercado de apostas esportivas no Brasil e traz consigo desafios regulatórios para as instituições financeiras, de pagamento e fintechs não autorizadas pelo Banco Central.
Desde a regulamentação inicial dos jogos de azar com o decreto 21.143/1932 até a recente atualização com a lei 14.790/23, o Brasil tem observado uma evolução significativa no controle e na liberação do mercado de apostas. A lei 13.756/18 foi crucial ao legalizar as apostas esportivas de quota fixa como uma modalidade de loteria. A lei 14.790/23 vem para aprimorar e expandir essas bases.
A Portaria SPA/MF 561, de 8/4/24, estabelece a Política Regulatória e a Agenda Regulatória para o exercício de 2024 da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Esta portaria define como objetivos da Secretaria estabelecer ações regulatórias prioritárias, conferir segurança jurídica, previsibilidade e eficiência no processo de regulamentação, bem como visa promover um ambiente regulatório estável, transparente e atrativo para investimentos.
Para tanto as iniciativas regulatórias foram organizadas em quatro fases de implementação com a Fase I tendo prioridade até abril/24 e a Fase IV até julho/24.
Já a Portaria SPA/MF 615, publicada em 18/4/24, estabelece as regras gerais a serem observadas nas transações de pagamento.
A nova lei introduz regulamentações para jogos online e exigências rigorosas para a gestão financeira de apostas, além de garantir um ambiente mais seguro destacando-se nesse ponto a necessidade de maior segurança nas transações e o uso de ferramentas avançadas contra fraudes e controle das atividades dos apostadores. A lei, ainda, traz vantagens competitivas para empresas nacionais ao estabelecer que apenas pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, serão elegíveis a atuar como agente operador de apostas.
No que tange os meios de pagamento utilizados para realização das apostas, as alterações trazidas pelos arts. 21 e 22 da lei 14.790/23 introduzem desafios regulatórios e operacionais significativos. Merece destaque a proibição de transações envolvendo apostas com entidades não autorizadas, o que exige a implementação de um sistema de compliance robusto pelas instituições. Este sistema é essencial para assegurar que as operações estejam em conformidade com as normativas legais, evitando assim exposições a riscos legais e sanções.
Além disso, apenas instituições autorizadas pelo Banco Central podem oferecer contas transacionais e serviços financeiros específicos para apostas, sendo vedado de forma expressa a participação de intermediários ou facilitadores de pagamento não autorizados pelo Banco Central.
Medidas de segurança rigorosas, como a identificação facial e o monitoramento contínuo das atividades dos apostadores, também são mandatórias. Estas medidas visam prevenir fraudes e identificar padrões de comportamento prejudiciais ou potencialmente prejudiciais associados ao jogo.
Ness linha, a Portaria SPA/MF 615/24 prevê que todos os aportes e pagamentos de prêmios devem ser efetuados, exclusivamente, por meio de transferências eletrônicas entre contas previamente cadastradas pelos apostadores e as contas transacionais do agente operador das apostas, devendo ambas ser mantidas em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
Fica proibido o uso de dinheiro em espécie, boletos, cheques, criptoativos, cartão de crédito ou qualquer forma de concessão de crédito aos apostadores para a realização das apostas. As formas aceitas incluem pix, TED, além de cartões de débito ou pré-pagos e transferências entre contas de uma mesma instituição financeira ou de pagamento.
A portaria veda ainda qualquer espécie de adiantamento, antecipação, bonificação ou vantagem prévia, ainda que a mero título de promoção, de divulgação ou de propaganda, para a realização de apostas.
Para operacionalização das transações, os agentes operadores devem manter contas transacionais, que são exclusivas para recebimento de aportes a título de apostas e pagamento de prêmios; estes, a critério do apostador, poderão ser mantidos nessas contas para a realização de futuras novas apostas. Para garantir a segurança dos recursos dos apostadores, ficou estabelecido que os saldos das contas transacionais constituem patrimônio separado dos operadores, impedindo seu uso para qualquer fim não relacionado diretamente às apostas, exceto para aplicação em títulos públicos federais, garantindo liquidez e a segurança necessária para o pagamento dos prêmios.
Ainda com o objetivo de garantir a liquidez dos agentes operadores, a portaria prevê a obrigatoriedade de implementação de políticas de gestão de risco de liquidez, as quais deverão estabelecer as metodologias para realização dos cálculos de limite de exposição, planos de contingência, além de responsabilidades e procedimentos para enfrentar situações de estresse de liquidez.
O agente operador deverá manter nas contas proprietárias recursos suficientes para fazer frente às despesas operacionais e para a cobertura dos limites de exposição aos riscos, os quais poderão ser garantidos também por recursos adicionais compostos por limites de crédito para capital de giro pré-aprovados junto a instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e outras fontes líquidas de recursos que possam ser utilizadas pelo agente operador em caso de necessidade.
Em adição, os agentes de apostas deverão ter reserva financeira no valor mínimo de cinco milhões de reais custodiada em instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil sob a forma de títulos públicos federais, registrados no Selic.
Vale mencionar que os contratos de prestação de serviços firmados entre o agente operador de apostas e as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deverão estabelecer as obrigações das partes para o cumprimento do disposto na Portaria.
Com a entrada em vigor da lei 14.790/23 e das Portarias SPA/MF 561 e SPA/MF 615, as instituições financeiras, de pagamento e fintechs enfrentam um cenário regulatório desafiador. Especialmente aquelas fintechs ainda não autorizadas e que operam abaixo dos limiares de movimentação financeira que exigiriam tal autorização deveriam considerar a antecipação deste processo, já que a obtenção da autorização demanda tempo e planejamento estratégico detalhado, na medida em que envolve várias etapas de verificação e adequação às exigências regulatórias.
Compreender profundamente as novas exigências legais e implementar práticas eficazes de compliance e gestão são passos essenciais para se destacar e garantir conformidade.
A preparação proativa e a implementação de estratégias regulatórias adequadas não apenas facilitarão a conformidade regulatória, mas também maximizarão as oportunidades de crescimento, conferindo vantagens competitivas no concorrido mercado de apostas esportivas.
(*) Bianca Pinto Roder, Gabriela Pazotti Silva e Gisele de Assis são advogadas especialistas em Meios de Pagamento na /asbz. O artigo foi publicado no Migalhas.