A polêmica partida entre Argentina e Marrocos na estreia das Olimpíadas de Paris

Apostas I 25.07.24

Por: Magno José

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A polêmica partida que marcou a estreia da Argentina nas Olimpíadas de Paris - e o que isso pode afetar o mercado brasileiro de apostas esportivas em consolidação
Bárbara Teles e Fernando Vasconcelos*

O confronto entre Argentina e Marrocos na estreia das duas seleções no futebol masculino nas Olimpíadas de Paris de 2024, realizado em 24 de julho, será lembrado por muito tempo – não só pelas duas seleções, mas também pelo impacto que teve na segurança das partidas esportivas. O jogo, que terminou com a vitória marroquina por 2 a 1, foi marcado por uma série de acontecimentos que transformaram a partida em um dos momentos mais controversos da competição.

A partida foi bastante disputada entre os times durante todos os seus cerca de 105 minutos regulamentares. No entanto, a confusão se instalou nos minutos finais, quando o árbitro marcou um tempo de acréscimo excessivamente longo de 15 minutos, muito fora do que normalmente vemos nos acréscimos de partidas de futebol.

No último lance da partida, a Argentina marcou um gol, que foi posteriormente anulado, gerando grande revolta entre os jogadores e a comissão técnica. Mas essa decisão de anular o gol, somada à longa interrupção da partida – por quase 2 horas – geraram uma insegurança se o jogo teria realmente terminado ou não. A falta de clareza nas explicações dadas pelo árbitro e pelo Comitê Olímpico, tanto durante a suposta interrupção da partida (que não foi colocada claramente dessa forma), quanto sobre a decisão de anular o gol, também contribuiu para aumentar a polêmica.

Essa partida revela um problema que afeta o futebol moderno, que é a revisão de atos das partidas. A falta de clareza nas decisões arbitrais, aliada à ainda precária utilização de recursos tecnológicos que ainda não são completamente eficientes, além do mal uso desses mesmos recursos pelos humanos que fazem parte da equipe de arbitragem, contribui para gerar insegurança e frustração entre os jogadores, comissão técnica e fãs do esporte.

Mas a insegurança não está somente nas partidas, mas nas atividades econômicas decorrentes dela também. Neste caso, estamos falando das apostas em eventos esportivos reais.

Como explicamos, houve uma certa indefinição acerca do final da partida. É certo que não houve um apito final antes da interrupção, mas também houve uma grande dúvida de todos os presentes se a partida havia sido encerrada ou não. E essa resposta foi dada apenas duas horas depois, sem a presença do público, onde a arbitragem decidiu retornar ao campo e deixar que os times disputassem os poucos minutos supostamente restantes.

Esse fato gera um questionamento, por exemplo, com relação à liquidação das apostas esportivas por operadores brasileiros. Recentemente, foi aberto o prazo para empresas aplicarem para obtenção de uma licença para operar apostas esportivas no Brasil, por meio da Portaria MF nº 827/2024, e o restante da regulamentação ainda está sendo elaborada pela pasta reguladora, que deve publicar nos próximos dias importantes regramentos.

Dentre os regramentos que podem ser publicados nos próximos dias, temos a Portaria de Direitos e Obrigações, que deve direcionar “conjunto de regras que os operadores devem atender para garantir que os direitos dos apostadores sejam cumpridos” (de acordo com a Portaria MF nº 561/2024, que estabeleceu a Agenda Regulatória da pasta). Também na lista de próximos regramentos, está a Portaria de Jogo Responsável, que irá “regulamentar ações que promovam o jogo responsável – incluindo medidas, diretrizes e práticas para prevenir o transtorno do jogo patológico, regras para monitorar e prevenir que os jogadores se endividem e regras adicionais relativas à publicidade responsável” (Portaria MF nº 561/2024).

Por outro lado, temos já em vigência a Portaria MF nº 615/2024, que dispõe acerca das transações de pagamento realizadas por agentes autorizados a operar. Esta Portaria estabelece que os prêmios devem ser pagos aos apostadores vencedores no prazo de até 120 minutos, contado do encerramento do evento real de temática esportiva objeto da aposta (§4º do art. 7º). Além disso, determina-se que os recursos financeiros dos apostadores devem estar disponíveis na conta do apostador em até 120 minutos após a solicitação de retirada (§2º do art. 6º).

Por coincidência – ou não – 120 minutos são as exatas 2 horas que a arbitragem do jogo de Argentina x Marrocos levou para retomar a partida, sem a clareza de que esta já havia sido encerrada ou não.

Diante disso, sabemos da preocupação do regulador em salvaguardar os direitos dos consumidores – neste caso, os apostadores. O acesso às plataformas de apostas esportivas é hoje realizado de maneira muito fácil por eles, que precisam deter informações claras e transparentes sobre as reais “regras do jogo”. As plataformas são obrigadas a fornecer informações claras e transparentes sobre as regras, sobre as odds, sobre os métodos de pagamento e sobre os direitos dos consumidores. Além disso, é preciso garantir a liberdade de escolha e a possibilidade de realizar o cancelamento (ou a liquidação) de uma aposta em determinadas condições.

Na mesma toada, é necessário que o regulador assegure aos operadores direitos que não contrariem as normas consumeristas e protejam o apostador. Neste caso em análise, em que não se sabia se o jogo teria ou não terminado ainda, é necessário garantir que o operador de apostas esportivas tenha o seu direito garantido de (i) caso já tenha liquidado a aposta pelo encerramento do evento real de temática esportiva, visto que o resultado inicial divergiu do resultado final, proclamado apenas 2 horas depois, que o operador possa refazer essas operações, sem prejuízo para as partes ou (ii) caso tenha liquidado a aposta por solicitação de algum apostador ganhador, que aproveitou-se da indefinição do jogo para encerrar a sua aposta, possa também refazer essa operação, sem prejuízo para ambas as partes, visto que o resultado final ficou claro apenas 2 horas após a grande paralisação do evento esportiva.

Da mesma forma, o operador precisa ter a segurança para adotar todas as medidas de jogo responsável permitidas e adequadas para as situações, principalmente aquelas que previnam o transtorno do jogo patológico. Dentre elas, a possibilidade de suspensão e exclusão de contas de apostadores, bem como cancelamento, restrição, recusa ou limitação de apostas, quando houver risco para o apostador ou até mesmo para a integridade do esporte.

O fato ocorrido gera reflexões importantes acerca do esporte e das apostas esportivas, mas também cria oportunidades para que a regulamentação em construção – e que deve ser publicada muito brevemente – possa ser a mais adequada e viável possível.

O momento propício para o regulador estabelecer essas regras de segurança é imediato, já que está em construção importante Portaria que irá tratar sobre os direitos e deveres dos operadores e apostadores, bem como a que irá tratar de regras que promovam o jogo responsável. Da mesma forma que é necessário resguardar o consumidor e todas as suas vulnerabilidades, também deve-se assegurar o direito do operador de poder rever casos complexos como esses com toda a segurança de que não se estará infringindo qualquer norma consumerista ou regulamentação do setor de apostas esportivas.

(*) Bárbara Teles é formada em Direito pelo UniCeub com pós graduação em Direito e Relações Governamentais pela mesma Universidade. É advogada na Sportech Rei do Pitaco, com atuação em Regulatório e Public Affairs. É fundadora da AMIG. Fernando Vasconcelos é formado em Direito pela PUC-SP e pós-graduado em Compliance (FGV-SP) e Direito Desportivo (IIDD). É advogado na Sportech Rei do Pitaco, com atuação especialmente nas áreas de Compliance e Integridade, Jogo Responsável e Proteção de Dados.

 

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