A preocupação com o jogo compulsivo e a busca pelo jogo responsável
Com a explosão dos jogos de sorte no Brasil será comum ouvirmos termos como ludopatia, jogo patológico ou compulsivo e um maior cuidado na implementação de medidas para um ‘jogo responsável’ por parte dos jogadores e do sistema. Para isso, indispensável que a regulamentação aconteça.
O tema ainda muito incipiente no país, até pela ilegalidade de vários jogos e a ausência de regulamentação de outros (apostas esportivas), traz consigo algumas preocupações atreladas às operações que fomentam um maior investimento de tempo, saúde e dinheiro por jogadores em todo mundo.
Um olhar cuidadoso dos operadores e do Estado com foco nos jogadores será invariavelmente um diferencial daqui para frente, seja como política de governo, seja em termos de visão empresarial.
Como destacou o estudo do Conselho de Estratégia de Jogo Responsável na Grã-Bretanha em seu plano de ação (2019-2022), o vício em jogos é cada vez mais reconhecido como um problema de saúde pública e deve ser tratado tal qual ocorre com outras doenças.
Nesta perspectiva a premissa de jogo responsável precisará estar presente em jogos que demandam dispêndio financeiro, tanto nos jogos de habilidade quanto nos considerados de sorte. Este último é um mercado multibilionário e conta com milhões de jogadores que aposto de qualquer lugar e a qualquer tempo.
No Brasil isso fica cada vez mais claro, a ponto de chamar a atenção mesmo depois de tanta resistência e voltou à tona com a novela da regulamentação ainda pendente das apostas esportivas, já legalizadas pela Lei 13.756/18.
Neste cenário, a CPI-FUTE (que trata da manipulação de resultados e envolve apostas esportivas) deve segurar ainda mais a regulamentação, mas o Estado ao fazê-lo deve manter as preocupações iniciais previstas na minuta pré-aprovada em 2022, onde constaram preocupações com o Jogo Responsável e a Integridade das Apostas, bem como alertas de Publicidade Ostensiva funcionando como ponta pé inicial do Estado nos cuidados direcionados aos jogadores.
A tendência mais recente seria publicar uma Medida Provisória para agilizar a cobrança de tributos sobre as apostas. Por ora, nada aconteceu!
Fato é que mesmo que com o aumento diário do número de jogadores e apostadores ainda pouco se fala que crescem os problemas com transtornos vinculados a jogos pagos, ainda que este número represente uma baixa porcentagem em números gerais.
Em 2021, por exemplo, segundo dados levantados pela BBC, a Comissão de Jogos do Reino Unido estimou a prevalência do distúrbio do jogo compulsivo em 0,4% dos jogadores pelo mundo. Há quem diga que este número é razoavelmente maior. Alguns dados apontam que o problema afeta em sua maioria homens, com prevalência em indivíduos entre 35 e 44 anos.
No Brasil durante o debate do Marco Regulatório dos Jogos houve afirmação de deputado de que “segundo a OMS, a prevalência de pessoas com vício patológico em jogos no mundo é apenas 0,2 e 0,3%”, dando a entender, para alguns, que há pouca preocupação com o número de pessoas que apresentam a ludopatia. Este número representa em torno de 280 mil pessoas, o que é mais do que muitas doenças conhecidas como a esclerose múltipla e a miastenia.
Assim, para a enorme maioria um jogo ou aposta serve como um momento de diversão, mas não para todos, infelizmente. Este importante grupo afetado pela compulsão precisa da atenção do sistema, para que o próprio jogador entenda em que momento a mera vontade de jogar se torna um vício.
Há pessoas em nossa convivência diária que sofrem em silêncio. Por vezes são pessoas que sequer reconhecem a sua condição. Neste caso a patologia afeta a vida pessoal, familiar, social e financeira do jogador.
De um tempo para cá os transtornos de jogo patológico são classificados no âmbito da Classificação Internacional de Doenças. Tanto a CID-10-Z72.6 (Mania de Jogo e Apostas), quanto a CID-10-f63.0 (Jogo Compulsivo ou patológico).
Grosso modo o diagnóstico para o comportamento de jogo problemático apresentará nove critérios para serem observados durante o período de 12 meses. O transtorno leve exibe 4 ou 5 destes critérios, enquanto o transtorno moderado apresenta de 6 ou 7 e, por fim, a forma mais grave poderá preencher 8 ou mesmo todos os critérios do diagnóstico.
A breve lista traz critérios relacionados às quantias apostadas; inquietação por não jogar; dificuldade em parar com o jogo; preocupação e pensamento frequente com o jogo e forma de obter dinheiro para jogar mais; joga quando está angustiado ou ansioso; joga para recuperar o prejuízo das perdas anteriores; mente para esconder que joga; prejudica ou perde oportunidades de um relacionamento significativo, o emprego ou uma oportunidade educacional e profissional em razão do jogo; depende financeiramente de outras pessoas para sobreviver por conta dos gastos com jogos.
Tão incipiente é a atenção com o grupo que consta da classificação do rol de Diagnósticos de Transtornos Mentais apenas como uma menção dos transtornos de jogo pela internet – DSM (F63.0 – DSM-V – a Perturbação de Jogo).
Os danos decorrentes da ludopatia são vários e podem acontecer com qualquer pessoa e momento de vida. Dificuldades financeiras, desequilíbrios relacionais, conflitos e rupturas, bem como mal-estar a nível emocional e psicológico e níveis de saúde mais baixos; índole cultural; baixos rendimentos em estudos ou profissional; e maior envolvimento com atividades criminosas em decorrência dos problemas financeiros.
Como destacou o estudo português Para uma Política de Jogo Responsável, com diversas fontes relevantes como os Serviços de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ, 2018) e a Responsible Gambling Strategy Board (RGSB, 2016), numa ótica individual jogo responsável “é o conjunto de práticas e comportamentos desenvolvidos por um jogador que, de forma consciente e racional, orienta as suas ações e opções de jogo sem por em causa as suas responsabilidades familiares, sociais e profissionais.”
Numa perspectiva mais abrangente, de nível comunitário “o termo inclui o vasto conjunto de iniciativas e programas implementados ao nível de vários sistemas organizacionais e de valores que visam prevenir ou minimizar os danos decorrentes de práticas de jogo desreguladas e, como tal, lesivas para a saúde global.”
Tais programas só advirão a partir de legalização e regulamentação dos jogos e com o fomento da conscientização para que a própria pessoa possa compreender que está criando tal compulsão antes de um quadro irreversível e para que busque, sendo o caso, o acompanhamento psicoterápico ou psiquiátrico de profissional habilitado.
As preocupações que delimitem o controle na participação de menores de idade, o formato da disseminação de alertas, políticas de autoexclusão do jogador em determinados contextos de jogos e outras ferramentas devem constar da já tardia regulamentação.
Meios de paradas forçadas dinâmicas, mensagens promotoras de autoavaliação do tempo e dinheiro gastos e o estabelecimento de limites temporais e muitas outras sugestões possíveis são medidas que devem entrar na política de jogo responsável a ser criada no país.
No mesmo sentido, links contendo sites de apoio e disponibilização de direcionamentos para acompanhamento junto a profissionais da saúde ao jogador são – ou devem ser – medidas relevantes em sites de jogos daqui para frente.
Conforme já destacado, isso só será viável a partir de uma regulamentação clara que retire o tema do limbo jurídico.
(*) Thuan Gritz, advogado especialista em Delitos Corporativos e em Direito Tributário. Sócio do Escritório Sade & Gritz, atuante no setor de Jogos e Marina Guebert, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, com foco em ansiedade e compulsão. O artigo foi publicado no Blog do Fausto Macedo no O Estado de S.Paulo.