Acusados de manipular jogos usaram robôs para apostar em dezenas de contas; prática é proibida

Apostas I 21.05.23

Por: Magno José

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Acusados de manipular jogos usaram robôs para apostar em dezenas de contas; prática é proibida
Integrantes dizem em conversas interceptadas que usam mais de 30 logins ao mesmo tempo. Com uma grande quantidade de contas, eles multiplicavam os lucros, que poderiam chegar em R$ 700 mil numa rodada

Mensagens entre integrantes do grupo acusado de manipular jogos no Brasil indicam que eles usavam robôs para realizar as apostas em massa e nas dezenas de contas de laranjas administradas pelos investigados. O uso de automação para realizar as apostas é proibido e aparece em diferentes diálogos recuperados pelo Ministério Público de Goiás. Com uma grande quantidade de contas, eles multiplicavam os lucros, que poderiam chegar em R$ 700 mil numa rodada.

Em uma conversa com um dos investigados, Bruno Lopez orienta que seu interlocutor deposite R$ 550 em 12 contas. Após receber o login e senha de cada uma delas, responde: “É boa que eu já mando assim tudo pro cara lá do robô. Entendeu?”.

Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução
Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução

O uso de automação também aparece em outro diálogo interceptado em escuta telefônica em fevereiro. Bruno Lopez conversa com um homem não identificado e diz que vai encontrar com Ícaro Fernando , onde haveriam dos computadores com os sistemas.

“Sempre dá uma trava. Não é que dá uma travadinha. De 50 contas que você passa, entra umas 30 de uma vez, 35”, diz Lopez.

A prática, no entanto, é proibida pelas empresas de aposta. A Bet365, uma das plataformas que o grupo operava destaca nos termos de uso que monitora os acessos e pode bloquear as contas com atividade automatizada ou robótica.

— Robôs existem e as casas de apostas não autorizam. Se eventualmente descobrirem o uso, vão derrubar as contas. Mas não há notícias que eles tenham sido usados no Brasil — diz Wesley Cardia, CEO da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), que tem 13 empresas de apostas associadas.

Tentativa de despistar autoridades

As conversas recuperadas pelo Ministério Público de Goiás revelam as tentativas do grupo acusado de manipular jogos no Brasil em tentar fugir do radar das autoridades e dos sistemas de segurança. Entre as artimanhas discutidas e adotadas está a utilização de robôs para concretizar as apostas, uso de números de celular de fora do Brasil e mudanças de endereços. A Operação Penalidade Máxima já denunciou 15 jogadores, além de apostadores e empresários.

Além de uso de laranjas para não alertar as autoridades financeiras, conforme mostrou O GLOBO anteontem, o grupo tinha medo de ser localizado e ter conversas interceptadas. Um dos diálogos em que discutem como despistar as autoridades, o apostador Thiago Chambó conversa com Bruno Lopez — acusado de liderar a quadrilha — sobre o que podem fazer para dificultar possíveis investigações. Em setembro de 2022, Chambó diz que nem sua própria família sabe seu endereço. Bruno então responde que precisa conseguir um chip de “fora”.

“Nada no nome. Quero ver me achar’, diz Chambó, rindo.

O apostador continua e dá dicas a Lopez do que fazer. A primeira sugestão é para ele conseguir um número de WhatsApp de fora do país. Apesar de estar em São Paulo, Thiago Chambó usa nas conversas um telefone com código de Discagem Direta Internacional (DDI) +1, que pode ser dos Estados Unidos ou de países da América Central. No lugar de seu nome, ele colocou três letras: T Y C.

“Nunca deixa seu número original. Igual meu número de rede. Ninguém tem. E nem meu nome. Nem família tem”, escreve Chambó, que ainda sugere o uso de laranjas para movimentar o dinheiro.

“Nem transfere mais da sua mulher, nem seu CNPJ. Pra ninguém. Nas próximas, entendeu? Pega umas contas laranja pra mandar”, escreveu Chambó.

Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução
Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução

A tática, no entanto, se demonstrou falha. Apesar de tentar driblar alertas financeiros, o MP conseguiu relatórios financeiros que mostram uma movimentação atípica de R$ 2 milhões em seis meses de 2022 do casal acusado de liderar a quadrilha.

Os investigadores também conseguiram interceptar conversas de Chambó, até quando ele já estava preso. Em 19 de abril, horas após a operação Penalidade Máxima II, o apostador liga para esposa da cadeia e até pede para ela depositar R$ 1 mil em um PIX para ele conseguir um aparelho celular próprio no presídio. Chambó instrui a mulher a levar sua moto a outro lugar e ela ainda conta que transferiu cerca de R$ 300 mil para a do pai após ser alertada que poderia ter as contas bloqueadas.

‘Tem que fazer como?’

Não eram apenas as autoridades que os suspeitos tentavam despistar. Para continuar com o esquema lucrativo, eles também pensavam em como não ligar o sinal de alerta de fraude nas casas de apostas. Para isso, entenderam ser melhor fazer as transferências dos créditos dos lucros de forma parcelada e movimentando menos dinheiro. Um dos processos que os integrantes usavam era evitar saques acima de R$ 25 mil das empresas de apostas.

No grupo denominado “Pagamento Operação”, em que se discutia valores e investimentos a serem feitos, William de Oliveira Souza, vulgo Mclaren compartilha, a foto de sua conta. Há mais de R$ 46 mil disponível para ser transferido para seu banco. Após definirem o pagamento de 10% do valor para investimentos na cooptação de novos atletas, Mclaren diz já ter pedido o saque e demonstrou medo que a operação fosse cancelada.

Bruno Lopez então pergunta: “não sacaram tudo num saque não, né?”. E o apostador responde com outra indagação: “Tem que fazer como?”.

O suspeito de ser o líder da quadrilha então explica como levantar menos suspeitas na operação: “até R$ 24 mil, R$ 24, 5 mil. (De) uma vez eu não recomendo”.

Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução
Mensagens recuperadas pelo Ministério Público de Goiás — Foto: Reprodução

Tendo cooptado diversos jogadores, Bruno Lopez se vangloria de, em uma partida deste ano, ter contatos com dois atletas, um de cada equipe. Ele pergunta no grupo o que os parceiros acham de “fazer um pênalti para cada lado”. Ícaro Fernando Calixto, outro apostador denunciado, se demonstra com ressalvas de efetuar a operação:

“Tem que ser jogo diferente. Não consigo conjugar (fazer as duas apostas juntas). E se desse para conjugar, ficaria muito na cara. Não seria aconselhado”.  (O Globo)

 

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