Apostas esportivas: denúncia atinge setor não regulado
Depois de ter sua taxação sugerida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como parte das projeções do governo para reduzir o déficit fiscal, o mercado de apostas esportivas voltou às manchetes nesta semana por causa de uma investigação do Ministério Público de Goiás sobre manipulação de resultados em jogos realizados no Brasil desde o ano passado.
Neste texto, vamos explicar a investigação e mostrar como, a despeito da falta de regulamentação, o mercado de apostas esportivas se tornou tão relevante nos últimos anos, a ponto de ter se tornado parceiro de todos os principais clubes do país e até mesmo da CBF.
Apostas esportivas: a Operação Penalidade Máxima II
O Ministério Público de Goiás denunciou nesta semana 16 pessoas por fraudes para manipular resultados de 13 partidas de futebol (8 do Brasileiro da Série A de 2022, 1 da Série B de 2022 e 4 de campeonatos estaduais de 2023) a fim de favorecer apostadores. Entre os denunciados está o zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos, único a atuar na Série A, e outros seis jogadores de clubes de divisões interiores.
O jornal O Globo revelou ainda que outros jogadores da elite do futebol nacional – que não foram denunciados – têm seus nomes presentes em uma planilha apreendida com um dos investigados.
No caso de Bauermann e dos jogadores já denunciados, eles são acusados de descumprir o artigo 41-C do Estatuto do Torcedor, que prevê reclusão de dois a seis anos e multa para quem “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”.
De acordo com a investigação, apostadores ofereciam dinheiro aos atletas para que eles fossem punidos com cartão amarelo ou vermelho durante momentos específicos das partidas e, assim, faturassem um alto valor com essas apostas, que fazem parte do portfólio oferecido pelas casas. De acordo com combinações de apostas viciadas, com vários jogadores recebendo cartões em diferentes jogos do mesmo dia, o apostador poderia faturar até R$ 100 mil com um investimento em torno de R$ 300.
“Trata-se de atuação especializada visando ao aliciamento e cooptação de atletas profissionais para, mediante contraprestação financeira, assegurar a prática de determinados eventos em partidas oficiais de futebol e, com isso, garantir o êxito em elevadas apostas esportivas feitas pelo grupo criminoso em casas do ramo”, diz o MP de Goiás.
Essa operação é a sequência de uma investigação anunciada em fevereiro, a Operação Penalidade Máxima, que teve outros apostadores e jogadores também denunciados e está com a Justiça
Apostas esportivas: reação à fala de Haddad
Em abril, Haddad falou em entrevista à Globonews que o governo estudava a taxação das apostas eletrônicas – o que chegou inclusive a ser confundido com taxação de jogos eletrônicos, como videogames. Segundo o ministro, “não é justo não tributar uma atividade que muitas pessoas nem concordam que exista no Brasil. Se é uma realidade no mundo virtual, nada mais justo que a Receita tributar”.
Imediatamente, os quatro grandes clubes de futebol de São Paulo – Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo – e os quatro grandes do Rio – Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco – publicaram uma carta conjunta pedindo “participação direta nas discussões legislativas” sobre a ideia do governo de regulamentar a cobrança de imposto sobre apostas eletrônicas feitas em sites online.
Estudos apontam que o mercado de apostas online movimenta cerca de R$ 150 milhões por dia no Brasil, com a maioria dos palpites sobre jogos de futebol que incluem não apenas o resultado, mas ocorrências durante a partida, como gols, faltas, cartões e escanteios. As projeções mais otimistas do Ministério da Fazenda apontam que só essa taxação pode render até R$ 15 bilhões anuais aos cofres públicos.
Na nota, os clubes paulistas e cariocas, todos eles com parcerias comerciais estabelecidas com empresas de apostas eletrônicas, alegam que, por serem objeto das apostas e pelo fato de as empresas “serem responsáveis por importantes receitas de marketing”, afirmam que “surpreende aos Grandes Clubes do Eixo RJ x SP que a proposta de regulamentação se dê sem que os clubes tenham sido consultados ou lhes tenha sido oportunizado voz para sugerir melhorias e adequações à lei”.
A questão é que essa proposta de regulamentação ainda não existe oficialmente – Haddad falou apenas sobre a taxação e que ela poderia vir sob o formato de MP (Medida Provisória), o que não ocorreu. Mas a questão é bem mais complexa, já que as casas de apostas operam um mercado que, embora bilionário, funciona à margem de qualquer regulação.
Apostas esportivas: regulamentação ainda não ocorreu
O mercado de apostas esportivas no Brasil funciona amparado pela lei nº 13.756/2018, aprovada no governo de Michel Temer, que modificou a regulamentação prevista na lei das loterias. Em seu artigo 29, a lei diz:
Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional.
§ 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.
§ 2º A loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais.
§ 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos, prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação desta Lei, o disposto neste artigo.
Como se vê acima, o texto cita que as apostas em jogos esportivos se tratam de “serviço público exclusivo da União”, como era a Loteca, antiga Loteria Esportiva realizada desde 1970 pela Caixa Econômica Federal, mas passíveis de autorização e concessão.
A regulamentação prometida para no máximo até 2022 não saiu, assim como as autorizações e concessões. As empresas, então, passaram a operar de forma agressiva no mercado, mas numa espécie de vácuo legal.
A hospedagem dos sites é feita em servidores fora do Brasil, como se nota pela não utilização do domínio “.br” nos endereços eletrônicos. As empresas se estabelecem formalmente no exterior, muitas vezes em paraísos fiscais, mas realizam todas as operações em reais por meio de empresas de pagamentos instaladas no país, via Pix ou boletos de bancos nacionais.
Os sites de apostas entraram no ecossistema do futebol brasileiro com força proporcional aos valores movimentados. Hoje, diferentes companhias patrocinam todos os clubes que disputam a Série A do Campeonato Brasileiro, anunciam nos principais sites esportivos, redes sociais e emissoras de TV, muitas vezes com a presença de ídolos do esporte – alguns aposentados, outros na ativa -, e têm contratos até com as entidades gestoras, como a CBF, que vendeu os naming rights da Copa do Brasil para uma dessas empresas, a Betano – citada como uma das vítimas do esquema de manipulação investigado pelo Ministério Público de Goiás.
Há ainda outros pontos em debate no campo das apostas esportivas, como o risco de dependência em jogos, assunto que é motivo de discussão entre especialistas, e a defesa do consumidor: estudo da Assembleia Legislativa de São Paulo mostra que empresas de apostas acumularam mais de 30 mil reclamações de consumidores entre 2020 e 2022 em sites especializados.
A CBF até agora não se manifestou sobre a investigação do MP de Goiás, assim como também não comentou a declaração de Haddad no mês passado. (Eu Quero Investir – Fernando Cesarotti)