“As apostas esportivas e a bolha”

Apostas, Opinião I 23.04.23

Por: Magno José

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Desde que as apostas foram legalizadas (mas nunca regulamentadas), o futebol brasileiro só olha para o dinheiro que entra via patrocínio

Depois de quatro anos de descontrole e de bilhões de reais derramados no mercado, chegamos lá. Para surpresa de ninguém que estivesse prestando atenção ao assunto, a elite do futebol de clubes do Brasil está contaminada pelo dinheiro das apostas esportivas.

O Ministério Público de Goiás, com o apoio de autoridades de outros estados, revelou que pelo menos seis jogos da Série A de 2022 estão sob suspeita de terem sido manipulados por atletas subornados por apostadores. Há partidas sob investigação também da Série B do ano passado e de campeonatos estaduais de 2023.

A falta de regulamentação do setor transformou o futebol brasileiro num paraíso ancap, em que todo mundo faz o que quer, sem prestar contas a ninguém — inclusive jogadores que aceitam dinheiro para cometer pênaltis, tomar cartões amarelos, forjar escanteios.

O escândalo investigado pelo MP de Goiás mostra que o esquema se sofisticou. Não é mais preciso fabricar o placar final de uma partida para faturar com apostas. É possível apostar apenas em fragmentos de um jogo: se haverá um número X de escanteios ou se um jogador específico vai tomar cartão amarelo.

Já é o suficiente para envenenar uma partida, mas são ações difíceis de serem imediatamente notadas como fraudulentas — afinal acontecem o tempo todo, o que facilita o trabalho de manipuladores. O cenário fica completo quando há dezenas de sites operando sem nenhuma obrigação de informar as autoridades brasileiras em caso de volumes incomuns de dinheiro apostado em jogos ou lances específicos.

As casas de apostas são vítimas dos manipuladores, que apostam contra elas já sabendo que os resultados fabricados vão acontecer. Mas também são vítimas do ambiente descontrolado que ajudaram a criar.

“Um escanteio pode ser tão importante quanto um gol”, diz a propaganda de um site de apostas esportivas. “Um cartão amarelo pode ser tão emocionante quanto ganhar um título”. Também pode ser a maneira que picaretas encontram para faturar ilegalmente e ferir de morte tanto o negócio das apostas quanto a essência do jogo: a imprevisibilidade.

É irreversível o dano à indústria, que nos últimos quatro anos se beneficiou dos contratos de patrocínio sem prestar atenção aos riscos. Quanto custa o ingresso para um jogo com resultado fabricado? Quanto valem os direitos de transmissão de um campeonato armado?

Desde que as apostas esportivas foram legalizadas (mas nunca regulamentadas), o futebol brasileiro só olha para o dinheiro que entra via patrocínio. Tanto que esta parece ser a maior preocupação diante da iminente edição de uma Medida Provisória para regulamentar e taxar o setor.

Nesta semana dois bombeiros salvaram duas pessoas que estavam flutuando dentro de uma bolha inflável no mar de Copacabana, e mais uma terceira pessoa, a responsável pelo equipamento, que não sabia nadar e estava prestes a se afogar. A comparação é tentadora: a bolha é o dinheiro das apostas, o futebol está preso lá dentro, à deriva. Quem deveria puxá-los de volta para a terra firme não sabe o que fazer. Alguém vai ter que agir como os bombeiros. No mar, felizmente, não houve vítimas.

(*) Martín Fernandez é colunista no O Globo.

 

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