Rompendo uma proibição desde 2004, o bingo Coliseu e Roma, no bairro Azenha, em Porto Alegre, abriu as portas em situação de legalidade amparado por decisão judicial que desclassificou o jogo como prática de contravenção penal. Embora o caso ainda dependa de desfecho no Supremo Tribunal Federal (STF), empresários do setor demonstram ânimo, traçam planos de expansão e vislumbram a liberação da atividade no país. Mesmo que a Justiça confirme a descriminalização do negócio, os bingos ainda deverão ser alvo de regulamentação no Congresso.
Com circulação média de 2 mil jogadores por dia, a maioria idosos, o Coliseu e Roma emprega 70 pessoas. O primeiro ambiente, mais acanhado e de baixa iluminação, abriga cerca de cem máquinas caça-níqueis. Ao fundo, comes e bebes são vendidos no bar, ao lado da porta que dá acesso a um amplo salão onde ocorre o bingo, com o tradicional canto dos números sorteados para os atentos jogadores, que rapidamente vão preenchendo as cartelas. Na tarde deste domingo, pelo menos 80 pessoas tentavam a sorte no Coliseu e Roma. Cafezinho era consumido e, no ar, leve ranço de fumaça de cigarro. Embora as paredes exibam cartazes anunciando a proibição ao tabaco no ambiente, dezenas de jogadores pitavam em meio ao entretenimento.
O Coliseu e Roma reabriu em 13 de janeiro, há pouco mais de duas semanas, com direito a show de escola de samba. Um acórdão da Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul indicou que a exploração do jogo não caracteriza contravenção penal. A justificativa central é de que a lei que define a prática como crime, de 1941, fere princípios da Constituição de 1988.
O Ministério Público recorreu ao STF, que deverá tomar decisão final em plenário. Advogado da casa de jogos, Laerte Luis Gschwenter chamou entrevista coletiva para esta terça-feira. Ele diz que apresentará decisão monocrática de um ministro da Corte referendando o funcionamento do Coliseu e Roma.
– Vamos apresentar uma decisão com trânsito em julgado cuja disposição finalmente encerra a polêmica – diz Gschwenter.
O dono do Coliseu e Roma é Sérgio Garcês, 50 anos, 15 deles dedicados ao trabalho no ramo do jogo. Ontem à tarde, chegou ao local ostentando correntes de ouro no pescoço e no pulso, escoltado por quatro seguranças. Conversou alguns instantes na portaria e cumprimentou clientes. Ele admite que, nos últimos anos, atuou na clandestinidade. Por nove vezes, a Brigada Militar e a Polícia Civil interditaram o seu estabelecimento, com a assinatura de termos circunstanciados.
Agora, com o novo horizonte, faz planos audaciosos. Nas próximas semanas, pretende ampliar o bingo da Azenha: um novo espaço deverá ter roletas, apostas em cavalos e pôquer. A abertura de filiais está entre as prioridades de Garcês, que aponta os turistas argentinos como potenciais clientes.
– A informação que tenho é de que não tem nenhuma outra casa de jogo funcionando com amparo legal no Rio Grande do Sul. Isso ainda é novo para nós, muitos estão estudando – afirma Márcio Augusto da Silva, membro da Associação Brasileira de Bingos, Cassinos e Similares (Abrabincs-RS) e ex-presidente da Associação Gaúcha de Bingos (AGBI).
Disputa no Judiciário
Em 2004, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou medida provisória proibindo a exploração do jogo de bingo e máquinas caça-níqueis no Brasil. Foi uma resposta à divulgação de um vídeo em que Waldomiro Diniz, ex-subchefe da Casa Civil, pedia propina a um empresário do ramo do jogo. A gravação era de 2002.
Com a proibição, as casas fecharam ou seguiram funcionando na clandestinidade. No final de 2016, a Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça, em ação envolvendo o Coliseu e Roma, entendeu que a exploração do jogo não pode ser caracterizada como contravenção penal. A justificativa é de que a lei que classifica a prática como infração, de 1941, fere princípios da Constituição de 1988.
O Ministério Público recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que, ao final do processo, sem data para julgamento, deverá emitir decisão final. O STF já admitiu a "repercussão geral". Isso significa que a decisão da Corte terá efeito em todo o país.
A partir da decisão favorável ao Coliseu e Roma, é possível que o entendimento de que não se trata de contravenção seja estendido a outros empresários que poderão abrir suas casas ao menos até a decisão final do STF.
Mesmo que liberados no Judiciário, os bingos ainda precisarão ser alvo de regulamentação no Congresso. (Zero Hora – Carlos Rollsing)
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"O principal é ajudar o país", diz dono de bingo
O Brasil tem condições de fiscalizar e evitar que empreendimentos sirvam de lavagem de dinheiro, afirma Garcês
Dono do Coliseu e Roma, Sérgio Garcês diz que a legalização dos bingos irá contribuir com a economia do país. Para ele, a regulamentação do setor poderá prevenir hipóteses como o uso das casas de jogos para a lavagem de dinheiro.
Como foi a decisão de recorrer à Justiça?
Já era uma vontade desde 2004, quando o presidente Lula editou a Medida Provisória 168. São anos e anos de muita luta. A Justiça é o segmento que está ajudando o país. Acreditamos e nos apegamos na Justiça. Sempre quisemos voltar ao mercado legalizados.
Quais os projetos agora?
Expansão de filiais. Vamos nos espraiar, gerar emprego, renda e turismo. Queremos fazer um centro de entretenimento.
Quais os principais argumentos para a liberação dos bingos?
O principal é ajudar o país, que está com os seus maiores índices de desemprego, em crise profunda na economia. Somos uma cadeia de mais ou menos 200 mil empregos diretos. É a principal contribuição que daremos ao país.
Críticos afirmam que os bingos servem para a lavagem de dinheiro do crime. Como controlar isso?
O Brasil tem condições de fiscalizar. Quer maior lavagem que essa Lava-Jato? Agora vai dizer que o bingo, que está gerando emprego, renda e pagando seus impostos, vai lavar dinheiro? Não tem como. Isso pode ser controlado com fiscalização, com a regulamentação do setor. Tem como fazer uma política que não deixe margem para a lavagem de dinheiro.
E quanto ao vício de jogadores que se tornam dependentes do bingo e da máquina caça-níquel? Como resolver?
Ajudando as autoridades, fazer um planejamento com psicólogos. O setor precisa se comportar e ter uma regulamentação, colocar x de tributos para ajudar as pessoas que ficam dependentes, como no tabagismo, no álcool. (Veja o vídeo da entrevista no Zero Hora – Carlos Rollsing)