Cassinos proibidos, cidadãos punidos

Destaque I 16.04.15

Por: sync

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Ao raspar tatu com machado, o jacaré abriu a boca. Dispensando qualquer alquimia levyana, é fácil traduzir a assertiva matuta: para cobrir o rombo que o descalabro na condução da República causou aos cofres públicos, a presidente Dilma Rousseff (o machado cego!) transferiu a fatura para o bolso furado do cidadão brasileiro (o tatu!). Por óbvio, o resultado imediato veio nos gráficos de popularidade (o jacaré!) do governo: a aprovação despencou de 42% para 13% e a rejeição saltou de 24% para 60%. Uma bocarra aberta no coração político do Palácio do Planalto.

Pelos cálculos do ministro Joaquim Levy — elevado ao posto de carrasco solitário —, o valor final da fatura deve ultrapassar R$ 80 bilhões. A comitiva palaciana (a cachorrada!) finge-se de morta para não perder regalias, enquanto a tesoura ataca setores já combalidos como Educação, Saúde e Segurança, o dragão inflacionário exibe as ventas e o comichão tentador de aumentar impostos é inevitável. No apagão da responsabilidade fiscal, as contas de luz são emblemáticas: em média, a tarifa de energia elétrica deve dobrar até o final de 2015. Vira pra lá, revira pra cá, e o governo segue sem saber de onde sairá tanto dinheiro para bancar, sobretudo, nosso neogigante institucional: a corrupção (o chafurdar dos porcos!).

Enquanto isso — e na aparente ausência de gente séria, inteligente e eficiente na Esplanada dos Ministérios —, um Projeto de Lei do Senado (PLS) jaz no imbróglio das comissões parlamentares, ao tempo que seu impacto representa 20% do montante perseguido pela equipe do Ministério da Fazenda. Trata-se do PLS nº 186/2014, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP/PI), que, em enxutos 38 Artigos, estabelece um marco regulatório para a exploração dos jogos, bingos e cassinos em território nacional.

Neste exato momento, o PLS tramita na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal, redistribuído ao novo relator, senador Elmano Férrer (PTB/PI), após ultrajante silêncio de seus antecessores na função: os senadores Benedito de Lira (PP/AL) e Antônio Anastasia (PSDB/MG). Caso seja aprovado, o caminho ainda será longo, passando por outras três comissões até alcançar uma decisão terminativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Noutras palavras, uma excrescência burocrática que não consegue atender à premente demanda do País.

É fundamental destacar que a legalização de bingos e cassinos no Brasil não é apenas uma alternativa eficaz para ampliar a arrecadação federal e reduzir a punição imposta aos cidadãos. A aprovação do PLS nº 186/2014 fará justiça histórica a um setor que, por famélica hipocrisia social, foi condenado ao degredo em solo brasileiro, enquanto garante a existência de muitos países, incluindo vizinhos sul-americanos. Serão dezenas de milhares de novos postos de trabalho e renda, diretos e indiretos, e a possibilidade de atrair maciços investimentos, nacionais e internacionais, no potencial turístico de Estados e Municípios. Não por acaso, dos 193 países-membros da ONU, a expressiva maioria (146 nações) tem bingos e cassinos legalizados e o Brasil integra a diminuta lista do tolo atraso proibitivo.

Diversos estudos revelam que manter os jogos e cassinos na ilegalidade — e na clandestinidade, fique claro! — faz com que os cofres públicos brasileiros deixem de arrecadar anualmente cerca de R$ 15 bilhões. Segundo dados oficiais da Receita Federal, esse montante representa três vezes aquilo que é arrecadado com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre bebibas, cigarros e automóveis; ou cinco vezes a arrecadação com a famigerada CIDE, o imposto disfarçado de contribuição que incide e esculhamba — ainda mais! — o preço dos combustíveis.

A manutenção dos jogos, bingos e cassinos na ilegalidade por mera demagogia vai além da costumeira ignorância. É crime. Crime gravíssimo, especialmente se considerarmos o atual contexto do ajuste fiscal de mão única proposto pelo governo Dilma, que pune feroz e severamente os cidadãos brasileiros e não alcança as regalias palacianas e a nauseabunda corrupção institucionalizada.

Em tempo de tatu careca, machado cego e jacaré boquiaberto, manter bingos e cassinos proibidos no Brasil é uma aposta tola nas dezenas (de bilhões roubados) da cobra, do porco e do pavão, quando os números (de votos) revelam o triunfo de outro bicho: o burro.


Acompanhe
aqui a tramitação do PLS nº 186/2014

(*) Helder Caldeira é escritor e jornalista ([email protected]). Autor dos livros “Águas Turvas” (Editora Quatro Cantos, 2014), “A 1ª Presidenta” (Editora Faces, 2011), entre outras obras e veiculou o artigo acima na Revista On.

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