Confeiteira relata vício em máquinas de bichos de pelúcia: ‘Acham fofo, inofensivo, mas perdi completamente o controle’

Blog do Editor I 28.03.25

Por: Elaine Silva

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Confeiteira relata vício em máquinas de bichos de pelúcia: 'Acham fofo, inofensivo, mas perdi completamente o controle' 1
Suellen Caetano Pacheco, de 33 anos, com parte dos brinquedos que ganhou em máquinas (Foto: Arquivo pessoal)

“Eu saía de casa procurando as máquinas por onde passava. Queria jogar, queria me sentir desafiada. Quando vi, tinha perdido totalmente o controle e o vício estava me afetando psicológica e financeiramente.” Essa descrição é característica de pessoas viciadas em jogo. No Brasil, são mais de 2 milhões nestas condições e 57% são mulheres, segundo o Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Mas o jogo ao qual a confeiteira Suellen Caetano Pacheco, de 33 anos, se refere é o que acontece em máquinas de ursinhos de pelúcia – aquelas caixas de vidro recheadas de pelúcias em que o jogador manipula uma garra para tentar “pescar” um brinquedo.

Da primeira vez que jogou em uma dessas máquinas, em um passeio com a família, achou aquilo “uma coisa boba” e não sentiu interesse. O vício começou alguns meses depois, em 2022, quando ela se mudou com o marido e as filhas do interior de Minas Gerais para Campinas, em São Paulo. O novo apartamento da família ficava perto de um complexo com shopping, supermercados e outros serviços, por isso Suellen passou a ser exposta ao jogo com muita frequência.

A história de Suellen foi contada pela primeira vez no podcast Rádio Novelo Apresenta, da Rádio Novelo, em 20 de março. À Marie Claire, ela faz um relato profundo, em primeira pessoa, sobre a trajetória no vício nas máquinas: as primeiras vitórias, o desejo de continuar ganhando, o desfalque financeiro (a família chegou a gastar mil reais por mês nas máquinas), a influência sobre as filhas e a perda de controle, até perceber que a brincadeira tinha virado um problema e pedir ajuda.

Suellen fala, ainda, sobre como o vício não foi levado a sério por pessoas próximas: “Acham fofo, inofensivo, engraçado, mas é como qualquer outro jogo de azar ou de apostas. A diferença é que, quando você ganha, recebe um brinquedo, e não dinheiro”, diz.

Suellen não sabe dizer exatamente quantos brinquedos ganhou, mas chegou a ter mais de 60 bichinhos de pelúcia ao mesmo tempo – explica certamente ganharam mais do que isso, porque doaram alguns. A filha mais nova, de 6 anos, tem seus preferidos, que carrega para cima e para baixo, inclusive na hora de dormir; os outros ficam presos em uma tela na parede, dessas de prender fotografia (como na foto).

Confeiteira relata vício em máquinas de bichos de pelúcia: 'Acham fofo, inofensivo, mas perdi completamente o controle'
Mural de bichinhos de pelúcia da família, que chegou a ter mais de 60 brinquedos ao mesmo tempo (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje, depois de pedir ajuda terapêutica para lidar com o vício, Suellen está sem jogar há cerca de seis meses meses, mas admite: “Ainda sinto vontade”. Leia seu relato:

Vício

“Na primeira vez que joguei, estava com a minha família nesses playgrounds de shopping, e não ganhamos. Achei aquilo uma coisa boba, um joguinho de azar, não me despertou nenhum interesse. Pouco tempo depois, já morando em Campinas [a família se mudou para ficar perto da Unicamp enquanto o marido de Suellen fazia doutorado], vivi a experiência de pegar um ursinho – desses bem simples, até meio feinho. Na verdade, minha sobrinha jogou e ganhou, mas aquilo plantou em mim uma semente de que isso era possível, entende?

Quando eu morava em Minas Gerais, quase não ia ao shopping. Mas, em Campinas passei a ter muito mais acesso às máquinas, porque resolvia tudo o que precisava em um shopping que ficava perto da minha casa. E lá as máquinas não estavam só em uma loja. Estavam no mercado, na farmácia, em pontos muito estratégicos.

Um dia, eu estava saindo de uma consulta médica dentro do shopping e fui à farmácia comprar o medicamento que precisava. Resolvi ir à máquina que ficava na frente da farmácia e ganhei um ursinho pela primeira vez, sozinha. A sensação de vencer foi muito satisfatória. Depois desse dia, o espaço entre uma jogada e outra foi ficando cada vez menor.

No começo, as máquinas só aceitavam moedas, mas passaram a aceitar cartão e pix. Isso influenciou para que o meu vício crescesse, porque mesmo que eu não tivesse moedas no bolso, podia jogar pagando pelo celular, por aproximação. Logo percebi que eu saía de casa procurando as máquinas por onde eu passava. Eu queria jogar, queria um desafio novo, e comecei a procurar em novos lugares. Não é difícil, porque elas são muito brilhantes, às vezes tem os letreiros de neon, e os ursinhos são muito coloridos.

Para piorar, tem alguns bichinhos que são melhores que outros – maiores, mais bonitos, mais brilhantes, alguns até temáticos de Natal, Halloween, etc. Com o tempo, você quer ‘avançar de fase’, pegar um brinquedo melhor, escolher qual vai tentar pescar. Em algumas ocasiões, joguei várias vezes no mesmo dia, sem parar. Cheguei a fazer meu marido ficar parado na frente de uma máquina, de barreira humana, para ninguém mais jogar ali enquanto eu ia comprar mais fichas.

Em julho de 2024, fizemos nossa primeira viagem internacional em família, para o Chile. Durante a viagem, passamos bastante tempo procurando lugares que tinham essas máquinas. A gente fazia nossos passeios, conforme planejamos, mas sempre que a gente ia a centros comerciais, a gente procurava essas máquinas de urso – eu e minha filha pequena, de 6 anos, que me acompanhava nesses jogos. Na volta os ursinhos não cabiam na mala. Nós fomos com malas pequenas, para não ter que despachar. Não tínhamos espaço para trazer quase nada e, mesmo assim, eu queria jogar e ganhar ursinhos.

No começo, quando ainda eram poucos ursinhos, a gente colocava em pequenas prateleiras. Depois, tivemos que armar uma prateleira maior. E os brinquedos foram se acumulando. Eu estava sem limites. Às vezes, jogava 50 reais de uma vez [cada jogada custa entre R$ 2,00 e R$ 5,00, a depender da máquina]. E comecei a perceber que essa empolgação refletia na minha filha mais nova, de 6 anos, que estava sempre comigo. Quando eu jogava, ela me pedia para jogar de novo, até pegar o ursinho. No começo, se a gente não ganhava, ela ficava emburradinha, um pouco chorosa, mas depois percebi que ela estava ficando realmente ansiosa.

Sempre que a gente ganhava e eu dizia ‘vamos embora’, ela respondia: ‘Só mais uma, por favor. Só mais uma vez. Prometo que não vou pedir mais’. E assim eu jogava outras cinco vezes. Às vezes, a gente saía de uma máquina e, até chegar na saída, parava em outra máquina para jogar mais. A minha filha mais velha, de 12 anos, nunca se empolgou. Ela sempre falava: ‘Mãe, vamos embora’, porque via que aquilo era um vício, mas a pequena refletia a minha postura.”

Recuperação

“Quando fui percebendo que perdi tempo da viagem procurando máquina, que não tinha espaço na mala para tanto urso, que minha filha pequena estava ficando ansiosa, comecei a entender que aquilo era um vício, que tinha perdido totalmente o controle e que estava me afetando psicológica e financeiramente. Cheguei a gastar quase mil reais por mês tentando pegar pelúcia – isso dá umas 400 tentativas, mais de 10 por dia, em média. Se pensar que o salário mínimo é R$ 1,4 mil, fica ainda mais assustador.

Comecei a criar coragem para falar sobre isso com a minha psicóloga. Eu já fazia terapia, mas não falava sobre isso porque não dava importância, não achava que era um problema. Aos poucos, ela me ajudou a criar um plano estratégico de não frequentar esses lugares por um tempo, sabe? Até eu me sentir mais forte.

Se eu fosse ao shopping, tentava ir sempre acompanhada da minha família, porque eles sabiam que eu estava em um processo de recuperação e tinha vergonha de jogar com eles por perto. Se tivesse que ir sozinha, traçava um caminho tentando não passar pelos corredores e pelas lojas onde eu sabia que estavam as máquinas. Preferia ir ao mais longe do que ao mercado mais perto, que eu sabia que tinha máquina.

Existe muito preconceito. As pessoas acham fofo, engraçado, não levam a sério. Quando contei pros meus pais, por exemplo, senti um ar de deboche; eles não compreenderam o que estava acontecendo. Mas é como qualquer outro jogo de azar, ou de apostas, a diferença é que, quando você ganha, recebe um brinquedo, e não dinheiro.

Passei dois anos e meio jogando, com uma fase bem pior entre maio e outubro de 2024, quando procurei ajuda. Eu não jogo há cerca de seis meses, mas até hoje meu olhar é treinado para procurar essas máquinas em novos ambientes, e continuo sentindo vontade de jogar.” (Com informações da Revista Marie Claire)

 

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