Divórcio e a divisão dos prêmios da loteria esportiva. Quem ainda aposta no amor?

Opinião I 13.10.23

Por: Elaine Silva

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Divórcio e a divisão dos prêmios da loteria esportiva. Quem ainda aposta no amor?
Erika Chaves*

Apesar da vedação aos jogos de azar em território nacional, as propagandas de sites de apostas esportivas espalham-se por toda a parte e passaram a integram a realidade atual da população. Todos nós somos bombardeados pelas incontáveis publicidades relacionadas aos sites bets – em outdoors, redes sociais, comerciais de TV, camisas de times de futebol, entre outros –, aumentando, cada vez mais, o número de apostadores.

Independentemente da relevância de regulação da matéria, em especial, na esfera tributária (visando a maior arrecadação do Governo), as oportunidades diárias de recebimento de prêmios significativos levam a um questionamento também no âmbito do Direito de família, quanto à discussão acerca da obrigação de partilhar o valor ganho com o cônjuge ou companheiro. A reflexão é válida em um mundo que as relações também não são tão perenes como nos “velhos tempos”.

Como se costuma dizer, “antigamente”, os casamentos eram para a vida toda. Encontrar um parceiro para compartilhar a vida era equiparado a ganhar um prêmio na loteria. Sem adentrar nas questões envolvendo a conquista do direito ao divórcio, a verdade é que, no passado, as pessoas casavam-se sob o regime legal (comunhão universal de bens) e como, em regra, os casamentos eram mantidos – muitas vezes, a duras penas por todo o sempre – não havia discussão quanto à divisão patrimonial.

Com o tempo, os interesses e as famílias foram apresentando outras estruturas e dinâmicas, sendo que a regra do casamento eterno virou exceção e, nesse novo cenário, a preservação do patrimônio individual de cada cônjuge/companheiro virou uma preocupação, diante da possível dissolução do laço afetivo no futuro. Não foi por acaso que o regime legal do casamento deixou de ser universal para se estabelecer como regra a comunhão parcial, entendendo, assim, que o cônjuge/companheiro só teria direito aos bens e direitos adquiridos na constância do casamento/união estável. Desse modo, garantiu-se a separação de bens que não seriam fruto do denominado “esforço comum” do casal.

De qualquer forma, o regime atual parece não atender aos anseios de parte da sociedade moderna, que apresenta relacionamentos cada vez mais rápidos e superficiais. Basta uma consulta nas redes sociais para perceber, rapidamente, que um casal, que parecia feliz em suas respectivas postagens, em um segundo momento não está mais junto, inclusive com exclusão de fotos passadas. Não raro, é possível constatar também que casamentos celebrados com festas magníficas se encerram como se não houvesse qualquer significado especial naquele enlace tão festejado. A realidade é a rapidez dos amores declarados e eliminados em um simples clique.

Com base nesse “novo mundo”, em certos relacionamentos, tão efêmeros, uma das partes sai insatisfeita com a legislação mais protetiva em vigor, que garante aos cônjuges e companheiros a aplicação do regime da comunhão parcial de bens, o que significa dizer que os bens adquiridos no curto espaço de tempo em que durou a união deverão ser divididos. E, dentre os bens adquiridos, englobam-se os prêmios recebidos em apostas esportivas, loterias ou decorrentes de qualquer outro fato eventual.

A questão já foi objeto de análise perante os Tribunais de Justiça do país, existindo, inclusive, precedente do estado de Goiás (processo n. 5144065-28.2017.8.09.0051), no qual se concluiu pela divisão de prêmio “da loteria federal, ainda que recebido uma semana antes do divórcio”. A respeito das apostas esportivas, a matéria ainda é recente, sem manifestação expressa pelos Tribunais. Contudo, o entendimento previsto para as loterias deverá ser estendido aos prêmios esportivos.

E, assim, reforça-se o interesse dos casais que pretendem contrair núpcias ou iniciar uma união estável regular em regime de bens mais restritivo, com a finalidade de constituir patrimônio individual independentemente de eventual “derrota” no jogo do amor. Dessa forma, por meio de pactos antenupciais e escrituras de união estável, pode-se assegurar a incomunicabilidade dos bens adquiridos durante o relacionamento, inclusive, dos prêmios recebidos. À vista das preocupações atuais, na montanha russa da vida, há instrumentos jurídicos disponíveis para se resguardar o patrimônio individual dos cônjuges/companheiros em face dos frágeis laços afetivos existentes.

(*) Erika Chaves é advogada do Vieira Rezende Advogados. O artigo foi publicado no Blog do Fausto Macedo no O Estado de S.Paulo. (Foto: Arquivo pessoal)

 

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