Entenda o que está por trás da enxurrada de anúncios do ‘jogo do tigrinho’ nas redes

Apostas I 23.06.24

Por: Magno José

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De “tigrinho” a “aviãozinho”, jogos virtuais colocam influenciadores na mira da polícia
‘Jogo do tigrinho’ opera no Brasil por brecha na lei e se propaga por programas de afiliados

O “jogo do tigrinho” tomou a internet e pagou por isso. O caça-níqueis adaptado para tela de celular, oficialmente chamado de Fortune Tiger, está se disseminando pelas redes sociais, apesar das limitações previstas por grandes empresas de tecnologia por trás do Instagram, WhatsApp, Facebook, X (ex-Twitter) e TikTok, revela reportagem da editoria TEC da Folha de S.Paulo.

A face mais visível desse fenômeno está no Instagram. Nas últimas semanas, usuários têm reportado assédio de perfis falsos que fazem solicitações de amizade, marcações em publicações sobre o tigrinho e abordagens com promessas de bônus em dinheiro para aqueles que fizerem apostas através de suas investidas.

Mas essa é só a ponta do iceberg. Há evidências de que programas de afiliados, com método de funcionamento semelhante ao de esquemas de pirâmide, estejam por trás da produção em massa de spam. Neste negócio, a pessoa que publica o link para a casa de apostas recebe uma parte do dinheiro perdido pelos internautas convencidos a apostar.

A Folha encontrou em anúncios publicitários o que sugere ser a origem do spam sobre jogos de azar. Ainda que restritas pelas redes sociais, 2.217 publicações promovidas em Instagram, Facebook e WhatsApp faziam menção às palavras “tigrinho” e “Fortune Tiger” nos primeiros 20 dias de junho. Destas, quase 40% tinham relação com programas de comissionamento por divulgação de links.

Os dados foram extraídos da biblioteca de anúncios da Meta, a dona das três plataformas, e levaram a reportagem a mais perfis de afiliados de casas de apostas e a links idênticos aos encontrados nas contas falsas, que são proibidas pelo Instagram por “comportamento inautêntico” mas assediam os usuários na rede social de fotos.

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A Meta afirma exigir que os anunciantes solicitem autorização para fazer propaganda de jogos de azar, embora a reportagem tenha encontrado 1.467 perfis diferentes —alguns deles recém-criados e com poucas informações— por trás dos anúncios em circulação neste mês. A big tech recebe pagamentos para ampliar o alcance dessas publicações.

Questionada sobre os possíveis furos na moderação, a Meta disse trabalhar “muito” para limitar a disseminação de spam no Facebook e no Instagram, porque não permite conteúdos que possam enganar os usuários.

“Procuramos impedir que as pessoas se utilizem de forma abusiva de nossas plataformas, produtos ou recursos para aumentar artificialmente a visualização ou distribuir conteúdo em massa para ganho comercial.”

Não há uma legislação específica que proíba a publicidade desse tipo de aposta.

À Folha, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) afirma que a publicidade por influenciadores e afiliados é a principal fonte das queixas recebidas pela entidade. “Até o começo de junho, já havíamos aberto quase 30 processos éticos sobre publicidade do segmento de apostas e enviado mais de 80 notificações a anunciantes e influenciadores, chamando a atenção para potenciais irregularidades na comunicação.”

“Quem tem que barrar são as redes sociais, mas elas não barram, provavelmente porque deve ser um investimento muito grande em marketing, em patrocínio. O que poderia criar uma barreira seria uma decisão judicial que banisse esse tipo de publicidade, mas isso não existe ainda”, diz Luiz Anselmo, advogado especializado em casas de apostas.

O Fortune Tiger e outros jogos de “slots”, como são chamados os caça-níqueis eletrônicos, não estão legalizados no Brasil. São oferecidos no país a partir de uma brecha na legislação, que permite jogos eletrônicos apenas de quota fixa —quando o apostador sabe o quanto pode ganhar na aposta com base no risco de derrota.

Os caça-níqueis são jogos de chance, em que a pessoa não sabe o risco exato de perder antes de apostar. Os sites de apostas, porém, estão sediados em paraísos fiscais, como as ilhas de Malta e Curaçau, e não têm representação jurídica no Brasil, o que dificulta a responsabilização.

Pela promessa de fortuna rápida e garantida, o jogo caiu no gosto de muitos brasileiros. O interesse pelo tigrinho nas buscas, segundo a plataforma Google Trends, partiu de zero em abril de 2023 para alcançar o pico de cem pontos possíveis em dezembro do mesmo ano. Desde então, o interesse tem oscilado sempre acima dos 50 pontos.

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São nos programas de afiliados que o jogo ganha terreno no país. No esquema, as casas de apostas pagam um valor fixo sobre as apostas feitas em um link, identificado a partir de um código individual para cada influenciador.

O apostador ainda é incentivado a convidar mais pessoas para o programa, uma vez que recebe uma parcela dos lucros de quem ele convenceu a entrar no esquema.

“O influenciador traz novos clientes e ganha em cima deles. Posteriormente, os novos clientes trazem outros e por aí vai, como um esquema de pirâmide mesmo”, resume Anselmo.

A situação se repete em outras redes sociais, fora do domínio da Meta, demonstrando o poder de penetração do esquema na internet afora.

No X, ex-Twitter, foram encontrados 132 perfis que adotam a alcunha “Fortune Tiger” para divulgar links de afiliados. Questionada, a rede social enviou uma resposta automática: “Ocupado agora. Tente novamente mais tarde.”

No TikTok, a estratégia baseia-se em vídeos que ensinam supostas estratégias de vitória no caça-níqueis, como “horas pagantes”, robôs de retorno financeiro e macetes falsos para driblar o algoritmo das plataformas de apostas. As postagens são inundadas por comentários de outros usuários alardeando “truques” e bônus em dinheiro para quem se filiar a eles.

A rede social chinesa proíbe que o acesso e a promoção a jogos de azar sejam estimulados dentro da plataforma. Procurada, porém, não respondeu.

O curitibano Fernando Cavalheiro, 24, diz receber propostas para fazer vídeos do tipo ao menos uma vez por dia. Com mais de 500 mil seguidores na rede e outros 35 mil no Instagram, ele relata que, para fazer seis publicações no mês, foram oferecidos R$ 25 mil e bônus de até R$ 50 para cada novo depositante. Caso o jogador perdesse dinheiro na plataforma, Fernando ainda ganharia 80% do valor apostado.

“É uma tentação para quem está começando nesse mundo da internet e vai do caráter de cada um. São valores muito acima da média, até dez vezes mais do que eu costumo cobrar, isso sendo um influenciador pequeno. Não dá nem para comparar com o que um influenciador grande recebe, que é coisa de centenas de milhares ou até milhões de reais”, afirma.

No topo dos programas de afiliados, estão influenciadores que conquistaram centenas de milhares de seguidores com promessas falsas e piadas sobre o jogo do tigrinho. Um deles, o baiano Rodrigo Villar (1,6 milhão de seguidores), divulga links de afiliados várias vezes ao dia em um canal com mais de 30 mil pessoas, sob a promessa de ganhos multiplicados.

A reportagem tentou contato com Villar, mas não obteve retorno. Depois, contatou a esposa dele, a também influenciadora Tatiane Pedrosa, que afirmou que seus advogados não permitiam que o casal concedesse entrevistas. “Andamos certinho com a Receita Federal, não fazemos nada errado”, disse à Folha.

A reportagem se inscreveu em um programa de afiliados, para entender o nível de organização dessa estratégia de marketing. A casa de apostas escolhida, dentre dezenas de sites que oferecem essa modalidade, foi a DonaldBet, encontrada em propagandas no Instagram, em grupos públicos do WhatsApp e do Telegram e até em sites abandonados de prefeituras, registrados no domínio gov.br.

O endereço para cadastro foi obtido com uma afiliada que atua sob o nome “Vovó dos Slots” no Instagram e diz já obter lucro. “É muito simples começar assim, você só não pode desistir no começo”, disse ela.

A DonaldBet oferece um curso online de preparação de afiliados. Em 11 vídeos, com duração de um a quatro minutos, os chamados gerentes ensinam onde as pessoas podem conseguir cards de divulgação de tigrinho e a como fazer montagens para dar a impressão de que o material foi publicado por páginas famosas. Ainda dão dicas de como driblar os algoritmos de detecção de spam do Instagram e do Facebook.

“Os criativos [como a DonaldBet chama os cards de divulgação] têm metadados, que funcionam como a identidade da arte, falam quando o arquivo foi editado, qual a câmera que fez a foto. É necessário apagar esses metadados com frequência para não ser bloqueado pela rede social”, diz o gerente da DonaldBet Gabriel Miranda em um dos vídeos.

À Folha, a DonaldBet diz que adota os procedimentos exigidos para garantir a segurança digital de seus serviços e clientes. “Orientamos continuamente nossos afiliados a seguir a legislação vigente.”

Em uma das aulas, a DonaldBet diz o que o afiliado não pode fazer de jeito algum: dizer que é funcionário ou representante da empresa. “Quem fizer isso será banido pelo CPF e não conseguirá mais se cadastrar”, diz Miranda.

Embora tenha gerentes brasileiros, o site da DonaldBet fica hospedado na Califórnia e adota um protocolo de privacidade que não divulga nenhum dado de contato dos responsáveis. A sede da empresa fica em Curaçao.

Essa foi a regra: nenhum site de apostas encontrado nos anúncios da Meta tinha registro no domínio “.br”, controlado pelo Comitê Gestor da Internet Brasileiro, que cobra mais transparência dos administradores de endereços na web.

Até 2025, não há obrigação legal para que essas empresas estejam hospedadas em domínios brasileiros. Depois de janeiro, as casas de apostas que quiserem estar adequadas à regulação terão que adotar o endereço “.bet.br”.

É fácil hospedar o jogo do tigrinho a um site recém criado, uma vez que a desenvolvedora do jogo, a empresa baseada em Malta PG Soft, adota uma estratégia de distribuição baseada em parcerias e cobra comissão dos lucros pela licença de uso.

Assim, os cassinos online se disseminam pela rede mundial de computadores. Esses sites, em geral, atuam sob o modelo “white label”, em que uma marca responde pela relação comercial com o cliente, mas todo o serviço é terceirizado.

COMO EVITAR CONTAS FALSAS E GRUPOS INDESEJADOS NO WHATSAPP

⇒ No Instagram, é possível analisar e remover possíveis contas de spam. Para isso:

⇒ Toque na sua foto do perfil, no canto inferior direito;

⇒ Toque na sua lista de seguidores e em Possível spam;

⇒ Toque em Remover todos os seguidores que são spam e em Remover.

⇒ Também é possível denunciar contas suspeitas. Para isso:

⇒ Toque em “…” na parte superior direita da publicação;

⇒ Toque em Denunciar;

⇒ Siga as instruções na tela”

Já no WhatsApp, é possível restringir quem pode adicionar sua conta a grupos, além de também ser possível bloquear e denunciar contas ou mensagens.

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