Está na hora do Brasil e o futebol serem sérios sobre o mundo de apostas
Pronto, chegou a hora. Ouviremos muitos nomes de jogadores, alguns de fato envolvidos em manipulações nos campos de futebol, outros injustiçados e que terão o nome manchado e a honra colocada sob suspeita. Ouviremos os nomes de muitos clubes, que logicamente negarão tudo através de comunicados bem ou mal escritos. E ouviremos deputados gritarem frases de efeito na CPI que está por vir.
Chegou a hora de o país descobrir que a profusão de sites de apostas e de dinheiro circulando tem um custo. O custo da integridade do jogo mais popular do país ser esmigalhada.
O Brasil deveria ter legalizado o jogo de azar há muito tempo – é um dos 37 países do mundo em que é proibido, ao lado de um punhado de ditaduras religiosas islâmicas. Sim, eu sei que muita gente gostaria que o Brasil fosse também uma ditadura de costumes religiosos. O movimento de legalização andou nos últimos suspiros do governo Dilma 2 e ganhou corpo no governo Temer. Mas aí vieram Bolsonaro e a enorme influência das igrejas evangélicas no governo e no Congresso. Agora, pode ser retomado.
Mesmo que o jogo não seja legalizado, algo urgente precisa ser feito em relação ao mercado de apostas esportivas.
Como pode um país grande como o nosso ter tanto dinheiro circulando através de publicidade para empresas de mídia e patrocínios para clubes de futebol sem que o setor esteja legalizado e regulado? É um troço surreal, inacreditável. Desde o governo Temer, as apostas viraram algo “nem permitido”, “nem proibido”. Mas vocês sabem como é no Brasil. E o governo seguinte resolveu fingir que o tema não existia, para não desagradar parte da base.
Vocês acham que essa quantidade enorme de “bet isso”, “bet aquilo” investem uma grana pesada em algoritmos para fazer os cálculos de probabilidades ou possuem funcionários/colaboradores em todos os campos e quadras do mundo? Não. Há muita empresa sem vergonha apenas copiando os dados das empresas grandes no meio. Ninguém sabe onde estão baseadas, em que país ficam os servidores e, claro, há um descontrole total em relação a impostos.
O Brasil teve um Brasileirão re-disputado em 2005 por escândalo de apostas. Naquele caso, o envolvido era um árbitro. Saiu um campeão diferente daquele campeonato, é um caso que torcedores lembram sempre e mesmo assim o mundo do futebol passou duas décadas fingindo que era um caso isolado. Como estamos vendo agora, passa bem longe de ser um caso isolado.
O que os clubes fizeram nos últimos anos para evitar que o mercado de apostas afetasse a integridade das competições? Quase todos eles recebem dinheiro de casas de apostas, mas o que fizeram para investigar a origem deste dinheiro? Deram algum tipo de palestra para seus jogadores e funcionários explicando que não só eles, como familiares, são expressamente proibidos de apostar? Veja bem, não é que corromper o jogo é proibido. Isso é o óbvio do óbvio. Mas apostar, ter conta nessas casas, também! Será que isso está em contrato?
Será que ex-jogadores de futebol se perguntam que favor fazem ao esporte ao dar tanta publicidade às casas de apostas ou só querem saber do dinheirinho que cai na conta? Será que eles sabem mesmo que tipo de gente comanda o monte de bet isso, bet aquilo?
E a CBF, o que faz para proteger a lisura da competição? Já sentou com casas de apostas para falar sobre o tema? Para criar uma força de trabalho que analise apostas suspeitas, valores e quantidades que chamem a atenção? Algum tipo de comitê técnico tem assistido aos jogos para cruzar dados e observar lances bizarros, que possam levantar suspeitas?
O atual governo tem a obrigação de regulamentar o mais rapidamente possível o mercado de apostas. A tecnologia atual permite o bloqueio de sites internacionais e que só empresas baseadas no Brasil possam operar – isso já é feito no mundo do poker online e mesmo no universo de apostas em diversos lugares do mundo. Através do CPF, é possível monitorar apostadores e cobrar impostos em cima do lucro ao final do ano. Alguém precisa por ordem neste caos.
Tudo isso não exime, de forma alguma, os jogadores envolvidos. Eles sabem perfeitamente que estavam fazendo algo bem errado. E a maioria nem mesmo tem o “álibi” de ganhar pouco dinheiro e precisar dos recursos. São jogadores de Série A, com uma realidade salarial que não é a realidade da esmagadora maioria do povo brasileiro.
É vergonhoso o que fizeram e precisam, sim, de uma punição fortíssima e exemplar. Talvez o banimento perpétuo do esporte seja um exagero, mas um crime grave foi cometido na esfera esportiva e é necessária uma pena condizente. O mundo do futebol ignorou as apostas por anos. Está na hora de mostrar um mínimo de seriedade. (UOL Esporte – Coluna Júlio Gomes)