Governo anuncia novo tributo sobre apostas esportivas: teremos uma nova Cide?

A regulamentação das apostas esportivas, chamadas de loterias de prognósticos esportivos, está prevista na Lei 13.756/ 2018. A legislação deu prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para que o Ministério da Fazenda regulamentasse o assunto, o que não ocorreu desde então.
A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados realizou audiência pública para debater esse assunto e a regulamentação que o governo federal está preparando para o tema.
De acordo com as informações apresentadas pelo governo, a regulamentação será realizada por meio da edição de uma Medida Provisória e por portarias que serão editadas posteriormente para regulamentar pontos específicos.
Essa Medida Provisória deve criar um novo tributo para o setor, com alíquota de 15% incidente sobre o que se chama de GGR (Gross Gaming Revenue), que é o resultado da arrecadação bruta menos a premiação paga aos apostadores. Os demais tributos incidentes sobre a atividade permanecem inalterados.
Além disso, outra novidade anunciada é que haverá exigência de que as empresas tenham empresa constituída no Brasil. Com isso, para operar legalmente no país, as empresas de apostas deverão abrir entidades locais, o que permitirá que a Receita Federal fiscalize e aplique adequadamente a tributação sobre a atividade de apostas esportivas.
Apesar de não ter sido indicado de forma expressa, parece-nos que esse novo tributo deverá ser criado com base no artigo 149 da Constituição Federal, que outorga poderes para a União instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, com alíquotas ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação.
Se isso se confirmar, vale lembrar que, a possibilidade de criação desse tipo de contribuição pela União depende de alguns pressupostos, quais sejam: (i) necessidade de intervenção estatal em um setor econômico com o objetivo de corrigir uma distorção; (ii) referibilidade ou relação entre o contribuinte e o propósito de intervenção; e (iii) a destinação dos recursos para a finalidade constitucionalmente prevista.
Com relação ao primeiro requisito, a criação de uma Cide pressupõe a identificação de uma distorção em um determinado setor econômico que justifique a intervenção da União no sentido de incentivar ou induzir comportamento do contribuinte por meio da cobrança de uma contribuição.
O segundo requisito de validade das Cides é a referibilidade, entendida como a vinculação entre o sujeito passivo da contribuição e a finalidade da intervenção promovida pelo Estado em determinado setor econômico.
Por fim, no tocante à destinação das receitas arrecadadas, os valores devem ser destinados a atingir as finalidades que motivaram a sua criação, isto é, a intervenção no domínio econômico. Com relação a esse aspecto, vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já analisou o assunto e entendeu que basta que a lei instituidora da Cide tenha a previsão de sua finalidade e destinação, sendo que os desvios posteriores dos recursos arrecadados não justificariam a sua declaração de inconstitucionalidade[1].
Vale mencionar que alguns aspectos relacionados à delimitação do perfil constitucional da Cide ainda serão analisados pelo plenário do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 928.943 (Tema 914), em sede de repercussão geral. De acordo com o ministro Luiz Fux, relator do caso, serão analisados: (i) a (des) necessidade de atividade estatal para legitimação da incidência, à luz dos artigos 149 e 174 da Constituição Federal; (ii) e nesse caso, o tipo de atividade estatal que pode dar azo a uma legítima intervenção no domínio econômico; bem como (iii) o segmento econômico alcançado pela intervenção estatal e sua relação com a finalidade almejada pela exação.
Resta aguardar a edição da Medida Provisória anunciada pelo governo para verificar se todos os requisitos indicados acima para a criação de uma nova Cide estarão de fato atendidos.
Vale destacar que essa MP irá regulamentar as apostas em resultados esportivos, e não fará parte do MP a regulamentação de cassinos, jogos de azar e tudo mais que não esteja exclusivamente relacionado a prognósticos esportivos.
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[1] Nesse sentido, confira-se o RE nº 178.144/96, de relatoria do Min. Marco Aurélio, e o RE nº 177.137/95, cujo Relator foi o Min. Carlos Velloso.
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(*) Luiz Roberto Peroba é sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogados e Ana Carolina Carpinetti é mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, MBA pela FGV-SP, graduada em Direito pela USP. Coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP de Tributação na Era Digital do Século 21. Sócia da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. O artigo acima foi publicado no Jota.info.