Jogos de azar e apostas esportivas: o que esperar das regulamentações?

Apostas, Opinião I 19.10.23

Por: Magno José

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Jogos de azar e apostas esportivas: o que esperar das regulamentações?
Pedro Arantes e Maria Moura*

No dia 25 de julho de 2023, o governo publicou a Medida Provisória nº 1.182 de 2023, que (alterando a Lei nº 13.756/2018) disciplina a exploração de loterias de aposta, trazendo medidas como a tributação sobre a arrecadação da loteria e a estipulação de penalidades e multas. Segundo o Senado Federal, em apenas sete dias esta Medida Provisória recebeu 244 emendas, indicando a intensidade das discussões sobre o tema.

Posteriormente, em 13 de setembro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 3.626 de 2023, que regulamenta o processo administrativo para irregularidades e fraudes relacionadas a empresas do mercado de apostas esportivas. Os primeiros passos para a legalização das apostas esportivas somente foram dados no governo do ex-presidente Michel Temer, pela Lei nº 13.756/2018, que aguardava há anos por maiores regulamentações como as anteriormente citadas.

Embora essas novidades digam respeito a um tipo específico de exploração comercial de apostas — as de quota fixa, conhecidas como bets — algumas discussões paralelas são consequentemente trazidas à tona, como o Projeto de Lei que legaliza os jogos de azar.

Para falar desse tema, é sempre importante diferenciar o que é considerado uma aposta esportiva e um jogo de azar: enquanto nas apostas esportivas existem elementos probabilísticos que podem ser considerados pelo apostador, os jogos de azar se baseiam unicamente na sorte. No caso das apostas esportivas, o sujeito é capaz de apostar tomando em consideração fatores estatísticos, normalmente atrelados à habilidade, seja de um atleta ou, por exemplo, de um animal, como um cavalo. Já nos jogos de azar, não há fatores cujo conhecimento predeterminado poderia indicar a vitória, tratando-se de resultado inteiramente aleatório.

A legalização dos jogos de azar, portanto, se pauta na permissibilidade de um sujeito apostar confiando em sua própria sorte. Embora apostas baseadas em percepções de habilidade e probabilidade não deixem de ser suscetíveis ao vício do apostador, há uma maior desaprovação histórica e cultural sobre aquelas realizadas sem qualquer fundamento. Apostas esportivas costumam ser culturalmente mais aceitas, sendo consideradas tradição em muitas regiões.

No Brasil, os jogos de azar foram proibidos em 1946, pelo Decreto-Lei nº 9.215, assinado pelo então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra. Segundo especulações, o ex-presidente sofreu grande influência da primeira-dama, Carmela Teles Leite Dutra.

Nesse passo, desde 1991, há um Projeto de Lei de nº 442 no Congresso com a pretensão de legalizar os jogos de azar, o que inclui a atividade de cassinos, bingos, jogo do bicho, dentre tantos outros. Foi somente em fevereiro de 2022 — portanto, 21 anos depois — que este projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, seguindo para a votação pelo Senado Federal, agora remunerado como Projeto de Lei nº 2.234/2022.

Além da previsão de licenças específicas para tal atuação, este projeto expressamente menciona que a intervenção do poder público na atividade econômica de jogos e apostas teria, dentre outras, a finalidade de prevenir e combater o uso desse mercado na prática de crimes, especialmente os de sonegação fiscal, de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo.

O Título V do referido projeto de lei vai além, minuciosamente descrevendo as medidas que seriam exigidas para que uma instituição se prevenisse, de forma eficiente, da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo. Para isso, a proposta descreve a necessidade de uma política de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT), o estabelecimento de governança para que seja possível tal prevenção — o que inclui a atribuição da função de responsável pelo cumprimento das obrigações de PLD/FT a um dos diretores estatutários –, a avaliação de riscos de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo e a comunicação às autoridades competentes quanto a quaisquer operações suspeitas relacionadas a essas matérias.

O Projeto de Lei nº 2.234/2022 indica que o Ministério da Economia seria o responsável pela regulamentação de todas as medidas de PLD/FT relacionadas à atividade de exploração de jogos e apostas em todo o território nacional. Considerando que o Ministério da Economia foi desmembrado em quatro pastas pelo atual governo, é possível que o texto seja emendado para indicar uma delas — como o atual Ministério da Fazenda — ou outro órgão que ficaria responsável pela regulamentação dessa atividade. A partir dessa decisão, o órgão escolhido emitiria suas normas de PLD/FT de caráter obrigatório a todos aqueles que se enquadrarem na atividade regulada, a exemplo do que vemos na Circular nº 3.978/2020 do Banco Central do Brasil para instituições financeiras e da Circular nº 612/2020 da SUSEP para as sociedades seguradoras.

Outro ponto relevante diz respeito à comunicação à autoridade competente de quaisquer atividades suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo. Seja qual for o órgão escolhido pelo legislador para regulamentar este mercado, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) será o responsável pelo recebimento das comunicações de situações suspeitas. Através do cruzamento dos dados obtidos, o resultado das análises do Coaf é registrado em relatórios de inteligência financeira, que poderão ser encaminhados a outras autoridades para instauração dos procedimentos cabíveis.

Adicionalmente, outro Projeto de Lei, de nº 845/2023, tramita no Senado Federal para regulamentar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa — assim como o já mencionado PL nº 3.626/2023 — condicionando este mercado à adoção e implementação de políticas, procedimentos e controles internos que visem à prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e a fraudes.

A tendência de legalizar as apostas e jogos de azar poderá gerar uma fonte de receita para o governo através da arrecadação de impostos, mas certamente precisará vir acompanhada de forte regulamentação das atividades comerciais que venham a explorar este mercado. Legalizar sem regularizar adequadamente poderá abrir espaço para a ocorrência de diversas infrações, como fraudes, lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem tributária.

Para que a atividade esteja adequada à regulamentação, será essencial não apenas a elaboração de políticas e procedimentos, mas o treinamento de colaboradores-chave, que atuarão com olhar preventivo ou que precisarão reconhecer indícios de irregularidades nas atividades desenvolvidas, especialmente no relacionamento com clientes e demais interessados na operação da empresa. O Projeto de Lei nº 2.234/2022 especifica ainda a necessidade de se manter uma estrutura interna que assegure o cumprimento das obrigações preventivas à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, o que exigirá profissionais com expertise suficiente para tratar de questões como a avaliação e o tratamento dos riscos relacionados a estas matérias.

Em caso de desobediência, o projeto prevê sanções como multa — que pode chegar a R$ 2 bilhões –, a cassação da autorização para exercer a atividade regulada e a proibição da realização de determinadas atividades por até 10 anos. Há um arcabouço legal e regulatório que precisará ser atendido e o setor deverá estar preparado.

(*) Pedro Arantes, Head de Prevenção à Lavagem de Dinheiro na P&B Compliance, Certified Expert in Compliance pela Escola Superior de Ética Corporativa, Negócios e Inovação e Maria Moura, Especialista de Compliance na P&B Compliance, Certificada em Compliance Anticorrupção (CPC-A) pela LEC – Legal, Ethics & Compliance. O artigo foi veiculado no Blog Gestão, Política & Sociedade do Estado de S.Paulo.

 

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