Jornal da USP: Arrecadação de impostos está na mira da regulamentação das apostas esportivas e jogos de azar
As apostas e os jogos de azar são práticas milenares. O que hoje pode ser feito através da tela de um computador ou na palma da mão, pelo celular, sucedeu registros na história de jogos e apostas feitos por flechas, arremessos de pedras ou até mesmo dados elaborados a partir de ossos ou pedras. E, diferentemente de quando os alvos de apostas eram armas, animais e até mesmo pessoas, hoje o mercado de apostas e de jogos de azar movimenta bilhões de dólares por ano em todo o mundo e esse faturamento bilionário provoca discussões sobre a regulamentação do setor.
Aprovado em julho de 2023, o projeto de lei 3626/2023 incorpora a medida provisória 1182/2023 editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e inaugura uma nova distribuição de arrecadação sobre as apostas esportivas, com a taxação de 18% sobre o lucro das casas de apostas e até 30% para os apostadores que ultrapassarem o teto de isenção do imposto de renda, de R$ 2.112,00, além de novas exigências para que as casas de apostas possam operar de maneira legal no Brasil. Segundo o Ministério da Fazenda, a estimativa é que, com essa taxação, a União arrecade entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões em impostos anualmente.
Requisitos para operar no Brasil
Além do repasse de 18% dos lucros, as casas de apostas devem pedir autorização para atuar no Brasil e ter sede em solo nacional. A autorização custa R$ 30 milhões, com validade de três anos, e para a sua aprovação serão analisadas ainda a documentação, reputação e avaliação de capacidade técnica e financeira.
A autorização exige também a adoção de canais de atendimento aos apostadores, de mecanismos contra lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa, de ações contra o vício em jogos e de mecanismos para evitar a manipulação de resultados.
Segurança para ambos os lados
Apesar de extensa, a regulamentação deve garantir a segurança necessária para atrair novas casas de aposta e, principalmente, para os apostadores, que agora estarão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Segundo dados da Sportradar, consultoria que acompanha possibilidades de fraude em mais de 400 casas de apostas pelo mundo, em 2022, o Brasil foi o país com mais “possíveis casos de fraude”, com 152 casos; o segundo colocado, a Rússia, somou 92 casos.
E é exatamente a contenção de fraudes um dos principais pontos a favor da regulamentação, na análise de José Roberto Macri Júnior, pós-doutorando na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. “Em um mercado que envolve quantias tão significativas, podem existir pessoas que procuram obter vantagens patrimoniais indevidas. Então, além da arrecadação, a regulamentação vem no sentido de prevenção de fraudes.” Dispositivos do projeto de lei proíbem a participação de donos de casas de apostas em times profissionais, exige que as casas de apostas criem mecanismos de segurança e integridade e prevê sanções para quem atentar contra a integridade esportiva ou gerar incerteza nos resultados.
Macri Junior discutiu esse assunto no 2⁰ workshop de pós-doutorandos da FDRP Cassinos e Jogos Online: vantagens, riscos e legislação. O evento contou com duas mesas de discussão sobre o tema e ocorreram debates sobre a história dessas práticas, a legislação e qual o seu impacto e formas de prevenção contra fraudes.
Outro aspecto que o projeto de lei aborda é a luta pela saúde mental dos apostadores. Segundo Lucas Fernandes da Costa, também pós-doutorando na FDRP e participante do workshop, não regulamentar o setor é estigmatizar os jogadores. “Quando você não tem uma regulamentação sobre essas práticas, elas acabam sendo marginalizadas e estigmatizadas. Isso traz uma série de consequências para os jogadores, principalmente para aqueles que têm alguma patologia relacionada ao jogo.”
Além das apostas esportivas
Apesar de ser o ponto principal do debate e assunto recorrente nos noticiários, a regulamentação das apostas esportivas não foi a única proposta debatida. O PL 442/91, em debate há mais de 30 anos, busca regulamentar os jogos de azar como cassinos, jogo do bicho, bingo e caça-níqueis.
O projeto pretende seguir o mesmo modelo do PL 3626/2023, ou seja, através de uma licença paga, os interessados poderiam operar esses jogos de maneira legal. No caso dos cassinos, a ideia é permitir apenas um espaço físico por Estado, com exceção de Minas Gerais e Rio de Janeiro com dois e São Paulo com três. Quando foram proibidos pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, existiam 71 cassinos em funcionamento no Brasil. Com o projeto de lei serão, no máximo, 31.
Segundo Victor Gabriel de Oliveira Rodriguez, professor de Direito Penal da FDRP e estudioso do tema, assim como na regulamentação das apostas esportivas, um dos principais argumentos do PL dos jogos de azar é a arrecadação de impostos. “O argumento mais forte para regulamentar é que o brasileiro que tem dinheiro para jogar nos cassinos vai para fora do Brasil. Regulamentar é uma forma de entrar nesse mercado e vigiar.” Para se ter uma ideia, entre 2016-2017, os brasileiros gastaram cerca de R$ 2 bilhões em sites de apostas e casas de apostas no exterior. O levantamento é da EVN Media, site especializado na análise de desempenho de jogos on-line. Já a perda de arrecadação anual por falta de uma legislação sobre o tema pode chegar aos R$ 3 bilhões nos dias de hoje.
Todavia, a regulamentação dos cassinos não traz apenas coisas boas; segundo Rodriguez, apesar de os cassinos fortalecerem a economia das cidades e, principalmente, o setor de serviços, atividades ilícitas podem nascer no seu entorno. “Normalmente, perto dos cassinos, sempre haverá uma economia forte, principalmente setor de serviços como comércios, restaurantes e lojas de roupas. Porém, dependendo de como for formatado, pode haver roubo, drogas e prostituição.” (Jornal da USP no Ar)