Lavagem de dinheiro e apostas esportivas
Conhecidos como um fenômeno urbano e que se modernizou com o implemento da tecnologia no cotidiano social, os jogos de azar são práticas exercidas há muito tempo no Brasil e no mundo, ilustrados no imaginário popular pelo jogo do bicho, e internacionalmente pelos belos cassinos de Las Vegas, que chamam a atenção por sua beleza e esplendor estampados nos filmes de Hollywood.
Antes praticadas apenas em bancas de apostas nos subúrbios espalhados pelas grandes metrópoles, as agora denominadas apostas de quota fixa podem ser realizadas na palma da mão, por meio de aplicativos de celular com o uso de contas digitais, e em poucos segundos o apostador realiza a operação e obtém o lucro.
Todavia, permanece no senso comum a automática vinculação das apostas com a ilicitude que antigamente lhes era inerente, comumente conectada com práticas delitivas como a lavagem de dinheiro e a formação de organizações criminosas que dominavam a atividade em determinados territórios, o que de certa forma ficou para trás com a criação dos meios digitais de operacionalização da mesma atividade.
É de pontuar, contudo, que permanecem as mesmas ressalvas antes existentes relacionadas à grande movimentação de capital no âmbito das apostas, o que abre um espaço promíscuo para a lavagem de capitais, com a posterior reinserção de dinheiro oriundo de fontes ilícitas na economia formal, ocasionando diversos efeitos deletérios para a economia.
Neste contexto, pode-se dizer que as recentes tentativas de regulamentar a atividade de apostas e jogos de azar no Brasil ocasionaram certa inversão nos aparatos de lavagem de dinheiro, na medida em que, se anteriormente as casas de apostas que geravam capital ilícito demandavam um procedimento de branqueamento, com a legalização da prática tornam-se mecanismos destes processos, notadamente no contexto das apostas esportivas, já regulamentadas pela Lei n.º 13.756/18.
Outrossim, é de pontuar que o ambiente de apostas reserva certas particularidades que dificultam o implemento dos sistemas clássicos de prevenção à lavagem de dinheiro, o que exige um cuidado especial do legislador, que deve inspirar-se em exemplos internacionais que deram certo.
A título de ilustração, menciona-se o próprio mecanismo conhecido como know your costumer, caracterizado pelo reconhecimento de padrões para criar perfis de operação de usuários dos serviços oferecidos pelas plataformas, comumente utilizados por instituições financeiras para reconhecer desvios no comportamento de seus clientes, que podem apontar para suspeita de lavagem.
Nota-se que, apesar da vasta utilização do mencionado dispositivo de prevenção, o cenário de apostas dificulta a sua implementação, pelas próprias características inerentes à atividade, considerando que um mesmo indivíduo pode realizar operações de diversos montantes num mesmo dia, tornando improvável o reconhecimento de padrões aptos a criar um perfil de comportamento, sem que isso aponte para uma suspeita de lavagem de capitais.
Ressalta-se, à vista disso, que a Medida Provisória (MP) n.º 1.182/23, que veio para regulamentar a já mencionada Lei n.º 13.756/18 nos dispositivos referentes às apostas de quota fixa, decepcionou as expectativas daqueles que aguardavam uma providência legislativa que desse maior segurança econômica para o exercício da prática de apostas esportivas, deixando de trazer providências de prevenção à lavagem a serem adotadas pelos agentes operadores.
Ao invés disso, a norma preocupou-se muito mais com aspectos econômicos ligados à tributação, aumentando a receita estatal obtida com o implemento de tributos, do que com os fatores nocivos que podem advir do exercício deliberado de uma atividade sobre a qual há uma zona cinzenta em relação aos mecanismos de lavagem de capitais.
Logo, é imprescindível que o legislador, preocupando-se com a regulamentação de uma atividade que gera consideráveis impactos econômicos e grande circulação de riquezas, preveja mecanismos de prevenção à lavagem eficazes e que obtenham êxito em mitigar os efeito nocivos da reinserção de capitais ilícitos na economia formal, bem como a recomendação de efetivar sólidas políticas internas de governança e compliance nas instituições que desejam operar a atividade de apostas esportivas.
(*) Leonardo Tajaribe Jr. é advogado Criminalista, Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). O artigo foi veiculado como Colunista convidado no Espaço Aberto do Estadão.