STF publica acórdão do julgamento sobre as loterias estaduais
Foi publicado nesta terça-feira (15) o acórdão do ministro Gilmar Mendes do julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 492 e 493) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.986).
A C Ó R D Ã O
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar não recepcionados pela Constituição Federal de 1988 os arts. 1º e 32, caput e §1º, do DL 204/1967, nos termos do voto do Relator. Brasília, 30 de setembro de 2020.”
Ministro GILMAR MENDES
Relator.
O texto do acórdão não difere do voto apresentado pelo relator durante o julgamento que garantiu as loterias estaduais a exploração das modalidades operadas pela União.
Inclusive, o ministro manteve as ‘Conclusões e Dispositivo’ do seu voto:
Conclusões e Dispositivo
Por fim, retomo brevemente as principais premissas e conclusões deste voto, com o intuito de esclarecer a ratio decidendi:
(i) A exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público (art. 175, caput, da CF/88), dada a existência de previsão legal expressa;
(ii) Os arts. 1º e 32 do Decreto-Lei 204/1967, ao estabelecerem a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, pois colidem frontalmente com o art. 25, § 1º, da CF/88, ao esvaziarem a competência constitucional subsidiária dos Estados-membros para a prestação de serviços públicos que não foram expressamente reservados pelo texto constitucional à exploração pela União (art. 21 da CF/88);
(iii) A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX, da CF/88) não preclui a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração. Por esse motivo, a Súmula Vinculante 2 não trata da competência material dos Estados de instituir loterias dentro das balizas federais, ainda que tal materialização tenha expressão através de decretos ou leis estaduais, distritais ou municipais.
(iv) Por outro lado, as legislações estaduais instituidoras de loterias, seja via lei estadual ou por meio de decreto, devem simplesmente viabilizar o exercício de sua competência material de instituição de serviço público titularizado pelo Estado-membro, de modo que somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos Estados.
Forte nessas razões, julgo procedentes as ADPFs 492 e 493, para declarar não recepcionados pela Constituição Federal de 1988 os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do DL 204/1967. Relativamente à ADI 4.986 julgo improcedentes os pedidos.
Com 108 páginas, a publicação do acórdão no DJe significa que a decisão produz todos os seus efeitos jurídicos. Ou seja, a partir de agora estão valendo os entendimentos manifestados pela decisão do STF.
Após a publicação do acordão, as partes terão cinco dias após a publicação da decisão para apresentar embargos de declaração que é um instrumento jurídico ou recurso pelo qual uma das partes de um processo judicial pede ao Tribunal que esclareça determinado aspecto de uma decisão proferida quando se considera que há alguma dúvida, omissão, contradição ou obscuridade.
Entendimentos
A competência legislativa sobre o serviço de loterias é da União, mas os estados não estão impedidos de explorar o serviço público.
Como os artigos 1º e 32 do Decreto-Lei 204/1967 não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 e nem revogou o Decreto 6.259/1944, que dispõe sobre o funcionamento das loterias federais e estaduais, este dispositivo legal está válido e balizador do setor.
“Confira-se o teor do art. 33 do Decreto-Lei 204/1967: “art 33. No que não colidir com os têrmos do presente Decreto-lei, as loterias estaduais continuarão regidas pelo Decreto-lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944”.”
Os estados-membros, inclusive os municípios, não estão impedidos de instituir legislações sobre o serviço de loterias.
“Dessa forma, em resumo, a mim me parece acertado inferir que as legislações estaduais (ou municipais) que instituam loterias em seus territórios tão somente veiculam competência material que lhes foi franqueada pela Constituição.”
SECAP deverá ser o órgão regulador
O acórdão define que “somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos Estados”.
Um dos entendimentos mais consistentes é que o Decreto-lei nº 6.259/1944 – legislação balizadora deste serviço pelos estados –, prevê que as loterias estaduais serão fiscalizadas pelo ‘Fiscal Geral de Loterias’.
A Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia (SECAP-ME) é o órgão federal que supervisiona a política e a regulação de loterias. Cabe a SECAP a regulação, autorização, normatização e fiscalização dos segmentos de distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda, captação antecipada de poupança popular e loterias, inclusive sweepstakes e outras modalidades de loterias realizadas por entidades promotoras de corridas de cavalos.
Caso prevaleça este entendimento, as loterias estaduais estariam na mesma condição das loterias da União operadas pela Caixa Econômica Federal, que são reguladas pelo órgão do Ministério da Economia.
Outra interpretação
Outra interpretação é que a competência legislativa sobre o serviço de loterias é da União e os estados-membros tem o direito de operarem as modalidades legisladas pela União como a loteria federal (espécie passiva): loteria em que o apostador adquire bilhete já numerado, em meio físico (impresso) ou virtual (eletrônico); loteria de prognósticos numéricos: loteria em que o apostador tenta prever quais serão os números sorteados no concurso; loteria de prognósticos esportivos: loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos esportivos; loteria instantânea que apresenta, de imediato, se o apostador foi ou não agraciado com alguma premiação; e a modalidade lotérica de apostas em quota fixa, conhecida como ‘apostas esportivas’, que é uma loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos reais esportivos.
Premiação
O acórdão não esclarece a questão das premiações que serão usadas pelos estados em suas modalidades lotéricas. Mas existe a possibilidade de o entendimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN ser pela aplicação dos payout da legislação federal praticados pelo União e que foram definidos pelo Congresso Nacional através de leis. Neste caso a Loteria Federal terá que ser de 55,91% (bruto com IR), a Prognósticos Numéricos será de 43,35% (bruto com IR), a Loteria Instantânea será de 65% (bruto com IR) e a Quota-Fixa em meio físico com 80% e em meio virtual com 89%.
Estados podem regulamentar a exploração
O acórdão também garante aos estados a competência regulamentar essa exploração, mas claro que baseado em legislação estadual e federal.
“A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX, da CF/88) não preclui a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração”.
Ou seja, mesmo depois da publicação do acórdão ainda existem alguns pontos que dependem de interpretações.
Caso as contradições e divergência perdurem entre o entendimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN e das Procuradorias-Gerais dos Estados, o conflito será novamente arbitrado pelo Supremo Tribunal Federal.
Tudo indica que este assunto ainda será amplamente debatido.
Confira a íntegra do acórdão do julgamento da ADPFs 492 e 493 e da ADI 4.986.