Não faz sentido a equação: quanto mais estelionato, mais público nos estádios
Não fazia ainda um ano da divulgação do escândalo da Máfia da Loteria Esportiva, pela revista Placar, o Campeonato Brasileiro registrou sua maior média de público: 23.983 espectadores por partida. Mais de 155 mil pessoas pagaram ingressos para assistir a Flamengo 3 x 0 Santos, finalíssima disputada sete meses depois de a reportagem denunciar 125 jogadores, árbitros e treinadores.
Faz 41 anos e o fenômeno agora é semelhante —e novamente surpreendente.
O mais moderno e globalizado esquema de manipulação já fez o Superior Tribunal de Justiça Desportiva pedir a suspensão preventiva de oito jogadores. Pela primeira vez, há atletas que confessam ter recebido dinheiro para receber cartões amarelos ou fabricar pênaltis.
Contraponto: o Brasileiro tem, neste momento, o melhor público de todas as suas edições. A sexta rodada teve 28 mil espectadores por jogo. Depois de seis rodadas, a média é de 26 mil, 13% superior ao índice de 1983.
Não faz sentido a equação de quanto maior o escândalo, maior a atração de torcedores. A lógica seria o inverso, ou seja, quanto mais se tem a certeza de que se pode ser enganado ao assistir a algum esporte, mais se foge do estelionato.
A Bundesliga teve seis jogos arranjados na temporada 1970/71. Puniu 52 jogadores, dois técnicos, seis funcionários de clubes e, mesmo assim, perdeu 15% de público na temporada seguinte. Demorou três anos para retornar ao nível anterior, alcançado apenas em 1973/74, em parte por causa da proximidade da Copa do Mundo.
A Itália perdeu 15% de espectadores, tanto depois do Tottonero, a máfia da loteria deles, em 1980, quanto após o Calciopoli, manipulação de escalas de arbitragem, em 2005/06. No segundo caso, levou três anos para recuperar o índice anterior, mesmo tendo sido campeã mundial na Alemanha. Talvez em função do rebaixamento da Juventus, clube mais popular do país.
Em 1980, o retorno do público foi mais rápido, provavelmente em função da reabertura do mercado para jogadores estrangeiros após 14 anos. Em duas temporadas, a Itália já se havia tornado a meca do esporte e os estádios ficaram repletos de novo.
No Brasil, a pandemia fechou portões em 2020 e 2021 e há crescimento a cada temporada desde 2016, com ligeiro declínio em 2019 –segundo melhor índice da história– e 2022.
A taxa de ocupação dos estádios no ano do Flamengo de Jorge Jesus era de 49%. Neste início de Brasileiro alcançou 67%.
Há mais margem de crescimento com espaços populares nos estádios. O aumento de público continua se dando, aparentemente, pelo fortalecimento dos planos de sócios-torcedores, principalmente os que têm fidelização. O corintiano que não passar pela catraca contra o Ituano não terá prioridade na eventual semifinal de Libertadores. O mesmo vale para o palmeirense, embora esse não seja o formato adotado por Flamengo e São Paulo, por exemplo.
Até 2019, nunca tinha havido três clubes com média de público por partida superior a 30 mil torcedores num mesmo campeonato de pontos corridos. Nestas seis primeiras rodadas do Brasileiro 2023, há sete times assim –Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Vasco, Bahia e Fortaleza.
O Atlético-MG tem média de 35 mil no Mineirão. Um jogo no Independência, de menor capacidade, derrubou o número.
É sobrenatural, quase. Mas um fenômeno para continuar sendo acompanhado.
O escândalo, por enquanto, não derruba o público.
Isso exige trabalho. Prender os corruptos.
E estudar para chegar ao mais alto limite que o Brasileiro ainda pode alcançar.
(Folha de S.Paulo – PVC)