O vácuo de regulamentação de apostas esportivas no Brasil

Apostas, Opinião I 06.06.23

Por: Elaine Silva

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Fernando Gonçalves, Eric Hadmann Jasper e Bárbara De’ Carli*

Em diversas manifestações públicas recentes, incluindo no contexto da proposta de arcabouço fiscal, o ministro da Fazenda tem deixado claro que o governo conta com a receita oriunda da tributação de apostas esportivas e que, portanto, estaria em fase final de elaboração de medida provisória sobre o tema. A discussão vai muito além da tributação, pois envolve a definição do sistema de licenciamento, regime de autorização ou concessão; o formato de supervisão e fiscalização; mecanismos de proteção aos apostadores, de segurança e de prevenção de fraudes, entre outras; as diretrizes para publicidade; mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro; entre outros assuntos.

Independentemente dos estudos em andamento coordenados pelo Ministério da Fazenda, fato é que o setor de apostas esportivas – denominado pela Lei n. 13.756/2018 como “apostas de quota fixa” – encontra-se em estado de vácuo regulatório. Assim como para Aristóteles, o vácuo é abominado pela natureza, o vácuo regulatório também não é tolerado pelo poder político e pelo mercado. O vácuo econômico foi rapidamente preenchido, pois o mercado de apostas esportivas advindas do Brasil deve alcançar R$ 12 bilhões em 2023 de acordo com a consultoria de dados BNLData, com pelo menos 37 dos 40 clubes de futebol das séries A e B patrocinados por operadores de apostas esportivas, além de diversas celebridades, atraindo cada vez mais brasileiros a apostar em países que já possuem regulação do setor.

O poder político vem tentando, ao menos parcialmente, preencher o vácuo deixado pelo governo federal. Vários os estados que protagonizaram a exploração de apostas de quota fixa, inclusive de forma mais ostensiva com a delegação para operadores privados como a recente iniciativa da Paraíba (Decreto 43.376/2023), pelo qual as empresas poderiam obter uma permissão da loteria do estado; realizando pagamento de valor ainda não definido, a título de outorga. Desse movimento, nasce uma discussão fundamental: podem os estados preencher o vácuo deixado pela União?

O Supremo Tribunal Federal, nas ações que discutiam a constitucionalidade da exclusividade da União na exploração da atividade lotérica (ADPFs 492 e 493 e ADI n. 4.986), concluiu que se trataria de serviço público passível de delegação contratual, nos termos do art. 175 da Constituição Federal, e que a legislação federal não pode restringir a titularidade de um serviço público de um Estado-membro. Tendo em vista que a Lei 13.756/2018 classificou as apostas esportivas como modalidade lotérica, fica claro, com base no precedente analisado acima, que aos Estados seria permitido incluir em suas normas a modalidade lotérica de apostas esportivas e oferecerem esse serviço à população, mantendo, assim, suas normas dentro do limite da materialização da exploração do serviço público. O que não seria permitido é inovar sobre o assunto, estabelecendo, em leis ou decretos estaduais, expansão da exploração dessa modalidade por operadores privados, sem respaldo da regulamentação federal.

É nítido que o atual vácuo regulatório traz prejuízos a todos os envolvidos no segmento. Para os clientes, os riscos da ausência de fiscalização da atividade. Para o governo, a perda de oportunidade de arrecadação tributária. Para os operadores de apostas, a limitação de seu investimento ou até mesmo sua participação no mercado brasileiro pela falta de segurança jurídica. É fundamental e urgente, portanto, o estabelecimento das “regras do jogo”.

(*) Fernando Gonçalves é mestre em Direito, MBA em Direito Empresarial, advogado e sócio fundador da FGo Legal; Eric Hadmann Jasper é mestre em direito pela Columbia Law School e filosofia pela Universidade de Brasília e professor do IDP, IBMEC-DF e da FGV e sócio fundador do escritório Hadmann& Dutra Advogados; Bárbara De’ Carli Cauhy, bacharel em direito, secretária-geral da Comissão de Defesa da Concorrência da OAB-DF. O artigo foi veiculado na Gazeta do Povo.

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