Proibidos, bingos atuam com aval da Justiça; MP apura se há irregularidade

Bingo, Destaque I 08.08.19

Por: Magno José

Compartilhe:
Locais geralmente funcionam de segunda-feira a domingo, das 14 horas às 2 horas, ou além; há frequentadores que têm até ‘mesa cativa’ Foto: Daniel Teixeira/Estadão

SÃO PAULO – Casas de bingo têm funcionado normalmente na cidade de São Paulo, que vive uma retomada do jogo com aval da Justiça. Autorizações judiciais foram concedidas a entidades beneficentes, que por sua vez se associam a empresas para montar os locais. A Prefeitura identificou ao menos quatro locais que receberam permissão para operar. O Município disse que está “impedido de realizar qualquer ação administrativa”.

Ao mesmo tempo, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), tem investigações abertas na capital para apurar se há entidades de fachada atuando, na prática, como negócios com fins lucrativos. O órgão não divulgou quantas e quais entidades são investigadas atualmente. Reportagem da Rádio CBN veiculada nesta quarta mapeou oito bingos em funcionamento na cidade.

Dois bingos foram abertos nos últimos quatro meses, em lugares movimentados da cidade: a Avenida Jabaquara, na região sul, e na Francisco Morato, zona oeste. Ambos são autorizados a destinar verbas a um projeto de acolhimento de crianças e adolescentes que vivem na rua, da entidade beneficente Casa Taiguara.

Os locais geralmente funcionam de segunda a domingo, das 14 horas às 2 horas, ou além. Algumas oferecem serviços como bar, tabacaria, adega, e restaurante com café da manhã, almoço e jantar.

As cartelas de papel custam R$ 2. Para jogadores mais ousados há os terminais eletrônicos, onde a aposta mínima é de R$ 10 – e as chances de prêmio se multiplicam por cinco.

Em uma casa no Itaim-Bibi, que hoje destina verbas ao Projeto Esperança de São Miguel Paulista, zona leste, os prêmios vão de R$ 800 a R$ 20 mil. A professora aposentada Rosa Maria, de 70 anos, vai lá semanalmente com amigos. Prudente, tenta não gastar mais do que R$ 40 por dia, e vê o jogo como um passatempo que movimenta o bairro. “Venho aqui e encontro gente de toda a vizinhança. A gente vem, toma água, café, conversa. Enfim, distrai”, conta Rosa. Seu maior prêmio foi de R$ 8 mil. “Tinha uma viagem marcada para Europa e acabei gastando tudo.”

Aberto há mais de um ano, inicialmente vinculado a um projeto da Casa Taiguara, o bingo já tem público cativo e suas peculiaridades. Uma família de imigrantes japoneses – todos acima dos 70 anos – já tem praticamente seus lugares marcados, sempre na mesma mesa ao canto do salão. Os oponentes já sabem quando um deles ganha a rodada: o grito é de “banzai!”.

Brecha

Apesar de o bingo ser totalmente proibido desde 2000, autorizações têm sido dadas em São Paulo com base no marco regulatório das organizações da sociedade civil. A lei federal (13.019/2014) permite às entidades “distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vales-brindes, concursos ou operações assemelhadas” para arrecadar recursos.

A administração do bingo é terceirizada a uma empresa, que fica ainda responsável por repassar à entidade beneficente o valor arrecadado com o bingo. A terceirização, segundo um especialista em Direito Penal, pode levar a questionamentos judiciais (mais informações nesta página). Conforme a administração, as ONGs prestam conta à Justiça sobre a destinação do dinheiro. No caso da Casa Taiguara, que tem autorização judicial para realizar bingos desde 2017, e obteve extensão de prazo até o fim deste ano, a prestação de contas é anual. O valor arrecadado nos bingos hoje corresponde a 30% do orçamento da entidade, e por causa do complemento de renda, a entidade diz que planeja expandir o rol de projetos. A ONG estuda criar um novo projeto de acolhimento para grávidas em situação de risco, que passaria a ser financiado pelo bingo.

“Se não fosse por isso (bingos), talvez a instituição hoje não existisse”, diz Valéria Pássaro, representante da Casa Taiguara. “É claro que não iríamos fazer nenhuma ação que não tivesse algum respaldo legal. Até para fazer alguns (bingos) pequenos, aqui na sede, pedimos autorização.”

O Estado leu decisões favoráveis expedidas por diferentes juízes, para quatro entidades diferentes. Há relatos de que o número de pedidos de autorização judicial aumentou nos últimos anos. As autorizações são temporárias. Fica a critério do juiz definir aa duração da validade do alvará judicial.

“As instituições vêm passando por grandes dificuldades financeiras e não conseguem desenvolver adequadamente seus trabalhos sociais”, diz a advogada Amira Abdo, que representa diversas entidades que receberam autorização para realizar o jogo. “Os bingos beneficentes são ótimas alternativas para auxiliarem no custeio dessas ações e na ajuda da manutenção da instituição.”

Análise de decisões indica que aval varia caso a caso

A Justiça decide caso a caso sobre a autorização a entidades beneficentes para realizar bingo, e as sentenças variam. A reportagem encontrou decisões de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negando alvará judicial a entidades beneficentes, em março e junho de 2018, e decisões negativas no mesmo período. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) é sempre ouvido nos processos e, no último ano, também deu pareceres favoráveis e contrários. Questionado, o órgão não respondeu qual é o critério para se posicionar a favor da liberação.

Já as operações policiais contra bingos irregulares continuam. A Secretaria da Segurança Pública diz que já realizou 881 ações contra a atividade desde o início do ano. Nesse período, a Polícia Civil apreendeu quase 6 mil máquinas e multou 631 pessoas.

Segundo o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal na Universidade de São Paulo (USP), o cenário dessas casas de bingo que abriram mais recentemente em São Paulo é parecido com o que levou ao fim dos bingos esportivos em 2000. Ele lembra que, à época, o governo “perdeu o controle” dos bingos regularizados, que deveriam servir para reforçar a renda de clubes e agremiações esportivas.

“É a mesma questão que acabou malogrando o projeto esportivo das casas de exploração de bingo”, diz o professor, que defende uma discussão no Congresso para uma nova lei que regule os jogos. “(O lucro) dessa atividade, que deveria ter um caráter social inerente, acabava indo para o cofre daquele que não tem direito de explorar o jogo de azar.” (O Estado de S.Paulo – Tulio Kruse)

Comentar com o Facebook