Regras para apostas esportivas podem avançar nos Estados após aval do STF

Destaque I 18.02.21

Por: Elaine Silva

Compartilhe:
O Bahia tem a Casa de Apostas como patrocinadora máster, e o logo da empresa fica em destaque na camisa do clube (Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia)

Dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, 15 têm entre seus patrocinadores sites de apostas. As empresas fazem parte do dia a dia do futebol nacional, mesmo que ainda operem em uma zona cinzenta da legislação.
Aprovada em dezembro de 2018, a exploração de loterias por entidades privadas, inclusive apostas esportivas de alíquota fixa (quando o apostador sabe o prêmio caso acerte o resultado), aguarda até hoje a regulamentação por parte do governo federal.
Enquanto o tema não avança no Ministério da Economia, uma decisão de 30 de setembro de 2020 do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), possibilita que estados gerenciem suas próprias loterias e também casas de apostas. Alguns já discutem como fazer isso na prática.
Está na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Goiás um projeto do deputado Vinicius Cerqueira (Pros) para regulamentar o tema no estado. A proposta não se destina apenas à modalidade esportiva, mas o deputado entende que esta tem um dos maiores potenciais.
“Existem hoje muitas práticas, principalmente de apostas online, sobretudo no futebol. E isso não tem segurança nenhuma, você aposta numa plataforma que geralmente é [baseada] em outro país”, afirma.
O texto, que ainda poderá ser alterado pela Casa, prevê que o governo abra editais para credenciar as empresas privadas que poderão operar, incluindo na internet. Também estipula percentuais da arrecadação que serão repassados a setores como esporte, cultura e segurança.
Na Assembleia Legislativa do Maranhão também corre um projeto, enviado pelo governo. Segundo Antonio Nunes, presidente da Maranhão Parcerias (autarquia que cuida do tema), já há cerca de 30 empresas interessadas em operar no estado. As apostas esportivas são uma possibilidade prevista, mas ainda não prioritária.
“Não incluímos em um primeiro momento porque temos pressa em implantar a loteria estadual. Temos programas de educação para o qual esse dinheiro será destinado”, diz.
No Espírito Santo, a proposta já passou pelo Legislativo e agora está na fase de estruturação pelo Executivo, quando serão definidos, por exemplo, a forma de contratação das empresas e os tipos de jogos permitidos.
“Não temos ainda nenhuma preferência nem objeção [às apostas esportivas]. A expectativa é de concluir tudo até o final do ano. Uma loteria pode ter vários produtos”, afirma o secretário da Fazenda, Rogelio Pegoretti.
A decisão de Gilmar evocou dois decretos-lei, de 1944 e 1967, para sustentar que a União não tem o monopólio da exploração de loterias, permitindo então que os estados possuam suas próprias casas de apostas.
“A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX, da CF/88) não preclui a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração”, decidiu o ministro relator.
Pessoas ligadas ao tema afirmam que foram pegas de surpresa pela decisão no STF, e que por isso projetos nos estados ainda estão começando a surgir. Ao mesmo tempo, entendem que estes podem vir a gerar uma pressão no governo federal para acelerar a sua regulamentação.
Mesmo vivendo até agora num limbo, o mercado de apostas esportivas pela internet movimentou R$ 4 bilhões no país em 2019. Relatório da empresa de consultoria Grandview Research avalia que em escala mundial a movimentação chegou a US$ 53,7 bilhões (cerca de R$ 295 bilhões).

Segundo a expectativa desse mercado, o Brasil – por suas dimensões continentais, a paixão pelo futebol e por já abrigar grande quantidade de pessoas que apostam em serviços do exterior – teria potencial para ser um dos três países do mundo que mais movimentam dinheiro com a modalidade. A falta de regulamentação dificulta mensurações mais precisas sobre o tema.

“O problema é que no Brasil existe uma insegurança jurídica enorme com relação a qualquer coisa relativa a jogo. Tudo o que é relacionado a isso, por essa insegurança, não consegue atrair investidores sérios e grandes e gerar ganhos consideráveis”, afirma o advogado Pedro Trengouse, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e certificado em regulação do jogo pela Universidade de Nevada, nos EUA.
A legislação civil permite que empresas de fora do país ofereçam apostas para usuários brasileiros mesmo sem a regulamentação no país, o que faz com que a operação aconteça em uma zona cinzenta.
“Se alguém apostar em uma empresa lá de fora e tomar um calote, não consegue pleitear o direito no Brasil. Precisaria entrar na Justiça no país da empresa. Se tiver empresa licenciada aqui, vai no Tribunal de Justiça e resolve”, afirma Udo Seckelmann, do escritório Bichara & Motta Advogados.
A mesma lógica que permite a atuação de empresas do exterior no Brasil dá aval para que empresas regularizadas em um determinado estado ofereçam apostas para todo o país.
“O online é inevitável, ainda mais depois da pandemia. Então o apostador do Brasil todo poderá apostar na loteria goiana. Agora, eu, como goiano, vou priorizar a loteria goiana, porque o retorno [dos impostos] é para o meu estado”, diz o deputado Vinicius Cerqueira.
Ele relata que, desde que propôs a lei para Goiás, deputados de outros estados o procuraram para entender como fazê-las nos seus.

Assim, pode se desenhar uma competição entre unidades da federação para atrair empresas, inclusive com possibilidade de que a regulamentação federal se torne obsoleta quando for definida -em dezembro, a previsão para finalizá-la era julho deste ano.
Donos de casa de apostas relataram à reportagem, sob condição de anonimato, que federações estaduais de futebol têm feito lobby com parlamentares para pressionar o governo. Os proprietários também dizem não estar confiantes com o prazo do Ministério da Economia.
Desde agosto do ano passado, o BNDES, que é o responsável pelo processo de concessão e desestatização de ativos do Programa de Parcerias para Investimentos (PPI) do governo federal, foi designado para conduzir a regulação.
O BNDES publicou na semana passada um formulário para contratação de serviços técnicos para estruturação de projeto da concessão. Os interessados têm até dia 19 para se candidatar.
Depois de o estudo do BNDES ficar pronto, ele ainda será submetido à Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia. A pasta definirá o formato de concessão, como prazo de licença e taxas para operação.
A disputa entre estados, e até com a União, se daria por melhores condições para as empresas operarem. Isso inclui a facilidade para se adquirir uma licença e os impostos praticados.
“Muitas vezes, a regulamentação sai muito cara, com impostos muito altos. E a empresa de apostas vai ter que colocar recompensas mais baixas, revertendo o imposto para o apostador, que pode acabar indo para o mercado não licenciado [de empresas do exterior] porque as recompensas são mais benéficas”, argumenta Seckelmann.
Também há possibilidade de loterias esportivas e casas de apostas serem administradas pelos próprios governos, federal ou estaduais.
Trengouse alerta para o fato de que, por ter saído de uma decisão da Justiça e baseada em uma lei antiga, a permissão para que as unidades da federação operem suas próprias loterias ainda pode render muito debate.

“Essa decisão do Supremo, por um lado, é muito boa, mas por outro é reflexo dessa grande insegurança jurídica que o Brasil há muito tempo vive em relação ao jogo. Uma canetada pode mudar tudo, e a decisão do STF, no fundo, foi mais uma canetada”, afirma. (Folha Online – João Gabriel, Alex Sabino e Carlos Petrocilo)

Comentar com o Facebook