YouTube lucra com propaganda de sites ilegais de apostas

BNL I 13.04.25

Por: Magno José

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YouTube vai impedir que criadores de conteúdo façam referências a bets e cassinos não certificados pelo Google
Reportagem da Folha de S.Paulo revela que anúncios são direcionados para quem fez buscas por vídeos de apostas. Procurado, o YouTube afirmou que o conteúdo denunciado está em análise e que, desde setembro de 2024, atualizou suas políticas de publicação

O YouTube, maior plataforma de vídeos do mundo, tem lucrado com a divulgação de sites ilegais de apostas online no Brasil, apesar da proibição de que essas empresas façam propaganda no país e de um acordo assinado com o governo brasileiro para remoção de conteúdo, revela reportagem da Folha de S.Paulo deste domingo (13).

Parte das bets que fazem propaganda na plataforma consta, inclusive, na lista da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) como irregulares e sem autorização para operar no país.

Procurado, o YouTube afirmou que o conteúdo denunciado pela Folha está em análise e que, desde setembro de 2024, atualizou suas políticas de publicação.

A propaganda no YouTube é direcionada para quem fez buscas por vídeos de apostas. A reportagem constatou que a plataforma oferece anúncios de sites ilegais, com o chamado “jogo do tigrinho” ou similares, a cada três vídeos sugeridos.

É fácil identificar as empresas ilegais. Parte delas promete bônus em dinheiro ao se cadastrar, o que é proibido pela legislação brasileira. Nenhum possui o domínio “bet.br”, exclusivo de quem tem a licença no Brasil.

Ao clicar na propaganda, o usuário entra numa loja virtual e um aplicativo é instalado no celular, que direciona para o site ilegal e libera as apostas. O cadastro só demanda um número de telefone e senha. Não há nenhuma exigência de identificação do apostador ou comprovação sobre idade.

A imagem mostra um anúncio no aplicativo YouTube. O fundo é predominantemente escuro, e no topo há um texto em destaque que diz '7 DIAS PARA INICIANTES x10'. Abaixo, há três caixas com interrogações e um texto que afirma '99% DE VITÓRIA'. Na parte inferior, há uma mensagem que diz 'NOVA PLATAFORMA LEGALIZADA'.
Anúncio aceito pelo Youtube de site ilegal de apostas. – Reprodução/Youtube

Alguns endereços ilegais ainda têm conseguido burlar bloqueio nas lojas virtuais —onde é comum que sejam listados com “classificação livre”, em desacordo com a proibição para menores de 18 anos.

A legislação determina que as empresas paguem uma outorga de R$ 30 milhões ao governo federal e se comprometam com uma série de regras (como políticas de combate à lavagem de dinheiro), para poder operar no Brasil e fazer publicidade. Além disso, precisam pagar impostos ao governo federal pelos seus lucros, o que não ocorre com bets não autorizadas.

Os aplicativos encontrados pela Folha são registrados por empresas de Hong Kong assim como os contratantes da publicidade no YouTube, apesar de divulgarem que têm licença obtida em Curaçao, uma ilha no Caribe que abriga o cadastro de várias casas de apostas que atuam pelo mundo.

Uma das formas de escapar da fiscalização é o lançamento de novos sites ilegais quando os endereços anteriores são derrubados pelas autoridades. Como o principal intuito é aplicar golpes, não há expectativa de fidelizar o cliente, e os sites são registrados com variações de números e siglas genéricas.

Nas redes sociais, usuários denunciam fraudes de bets ilegais, por não conseguirem sacar o dinheiro depositado ou por causa da instalação de vírus em seus aparelhos ao acessarem as plataformas.

A rotatividade é grande e é difícil precisar quantos atuam de forma ilegal e fazem publicidade.

Um dos aplicativos identificados pela reportagem, por exemplo, é de uma suposta desenvolvedora chamada Ballet Lyn, lançada em 31 de março de 2025. Ele direciona para a 666bet.com, bloqueada desde outubro no Brasil. Outro, de uma desenvolvedora batizada como Naftalielijah, foi inserido nas lojas virtuais neste mês.

O YouTube, que pertence ao Google, recebe dinheiro para publicar cada um desses anúncios. Os valores e alcance não são divulgados.

imagem mostra anuncio de jogo de apostas
Anúncio aceito pelo Youtube mostra oferta de dinheiro para usuários. Além de site ser ilegal, prática também é vetada. – Reprodução/Youtube

A divulgação de propaganda de sites sem licença no Brasil é ilegal e pode rendar multa de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões, como explica o advogado Luiz Felipe Maia, que atua no setor. “Isso exige um processo administrativo, que precisa ser iniciado pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda”, disse.

O advogado ressalta que o Marco Civil da Internet preserva as plataformas sobre a divulgação de conteúdo ilegal por parte de usuários, mas a empresa pode ser punida pelas publicidades que veicula.

“Você fez propaganda e está sendo remunerado por isso. Se o conteúdo é reiterado, ele deveria ter um KYC [‘know your costumer’ ou ‘conheça seu cliente’] mais forte”, comentou Maia.

YouTube afirma que, para anunciar, é necessário concordar com essas políticas, ter uma licença do Ministério da Fazenda ativa e certificação prévia do Google Ads. “Quando identificamos uma violação, agimos imediatamente suspendendo o anúncio e, se for o caso, bloqueando a conta do anunciante”, disse a empresa.

A SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) afirmou que o YouTube reforçou as regras para retirada de conteúdo depois de reuniões com a pasta. O órgão ressaltou que há atuação conjunta com o Conar (Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária) e com o Conselho Digital, que representa as grandes empresas de tecnologia, para combater a publicidade ilegal.

“É importante ressaltar também que a SPA já conseguiu, junto à Anatel, o bloqueio de mais de 11 mil sites ilegais”, afirmou em nota.

Em março, o YouTube determinou a remoção de lives de usuários com conteúdo de apostas que infrinja a legislação. Secretário de Nacional de Apostas Esportivas e de Desenvolvimento Econômico do Esporte, do Ministério do Esporte, Giovanni Rocco diz que a empresa vive um descompasso e cobra que se ajuste a legislação rapidamente.

“O YouTube está fiscalizando as lives, mas ao mesmo tempo faz publicidade de casa de aposta ilegal, e ganha dinheiro com isso”, afirma.

O presidente da ANJL (Associação Nacional do Jogo Legal), Plínio Lemos Jorge, diz que a entidade tem informado os órgãos de fiscalização sobre os endereços de sites ilegais.

“Mas trata-se de uma ampla rede clandestina, altamente tecnológica, que diariamente desenvolve novos mecanismos para burlar o mercado regulado de apostas. Por isso, cada vez é mais importante a participação da Polícia Federal nas investigações”, disse.

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Entenda como cassinos online e ‘jogo do tigrinho’ foram liberados no Brasil
Parlamentar incluiu em projeto de lei sobre apostas esportivas previsão dos ‘jogos online’, o que legalizou os cassinos virtuais

Os sites de apostas online, que incluem cassinos virtuais ou o famoso ‘jogo do tigrinho’, explodiram no Brasil nos últimos anos. A liberação ocorreu em meio à tramitação de projeto de lei que tratava apenas de apostas esportivas, mas o Congresso Nacional absorveu o lobby de casas de apostas, revela outra reportagem da Folha de S.Paulo.

Hoje, são mais de 150 sites de apostas online liberados no Brasil, que oferecem diversas modalidades de jogos.

Mas quando a regulamentação das bets começou a ser desenhada pelo governo, o debate no Brasil era apenas para a liberação das chamadas apostas de quota fixa —categoria que se sabe o prêmio que pode ganhar no momento em que se joga— relacionadas a eventos esportivos.

Como mostrou a Folha, a brecha para cassinos virtuais e jogos como o tigrinho apareceu durante a passagem do texto na Câmara.

O COMEÇO

As apostas esportivas de quota fixa foram liberadas pela primeira vez no Brasil no final do governo de Michel Temer (MDB), em 2018, também por uma articulação no Congresso.

A lei liberou as bets e previa a regulamentação do setor até 2022. O governo de Jair Bolsonaro (PL), no entanto, jamais avançou com essa pauta.

Desta forma, as apostas esportivas explodiram no Brasil em uma zona cinzenta da legislação: sem nenhum tipo de fiscalização, responsabilização, nem tributação ou exigências para o funcionamento deste setor.

Essas empresas atuavam com sedes em paraísos fiscais, movimentando dinheiro em instituições fora do país. A falta de regulamentação permitiu também que esses sites passassem a oferecer cassinos virtuais, tigrinho e semelhantes.

Diferentemente de apostas esportivas, em que os resultados são ligados a eventos da vida real, os cassinos online se baseiam em algoritmos definidos pela própria casa de aposta. Dessa forma, essa categoria de jogos se tornou responsável pelos maiores lucros dos sites.

NOVO COMEÇO

No início do governo Lula (PT), em 2023, o Ministério da Fazenda enviou um projeto de lei para o Congresso para, enfim, regulamentar o mercado. O argumento principal foi o de que havia uma lei que exigia regulação e a área tinha potencial para gerar arrecadação bilionária para a União.

Esse texto iniciou sua tramitação sob relatoria do deputado Adolfo Viana (PSDB-BA). Foi o parlamentar que incluiu no texto a previsão dos “jogos online”, categoria que abarca os cassinos virtuais.

“Quando recebi a relatoria, conversei com representantes do setor, que apresentaram a situação de que 70% do faturamento das bets vinha dos jogos online. Acrescentamos o dispositivo, pensando na atratividade do mercado”, afirmou o deputado à Folha.

O QUE DIZ O SETOR

Entidades que representam o setor argumentam que estas modalidades já existiam antes da regulamentação e que sua inclusão na lei não era uma demanda só das empresas, mas também dos apostadores.

“Vemos como um avanço para todos. Jogos online sempre existiram e sempre foram utilizados pelos brasileiros. A diferença é que, com a lei, é possível regulamentar, fiscalizar e tributar”, afirma a Associação Nacional de Jogos e Loterias.

A estimativa é que mais da metade da arrecadação das bets venham de modalidades que não as apostas esportivas.

“Trata-se de uma medida que garante um jogo mais seguro, sustentável e saudável, algo que não acontecia antes da lei”, defende a instituição.

O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, que afirma representar 75% do mercado de jogos online no país, segue o mesmo raciocínio.

“Restringir esta operação é um risco a ser evitado, pois daria margem para que empresas ilegais e sem compromisso com o jogo responsável atendam a esta demanda”, afirma a instituição.

TRAMITAÇÃO

Durante a tramitação do projeto no Congresso, emendas foram apresentadas tanto para barrar os tais “jogos online”, quanto para ampliar a liberação para os cassinos físicos —pauta que segue avançando atualmente, por meio de uma outra proposta legislativa.

O Senado chegou a restringir a liberação dos cassinos online e contemplar apenas as apostas esportivas. Mas quando o texto voltou à Câmara, a previsão foi restabelecida.

“As bets já existiam, mas a partir de paraísos fiscais. Que empresa iria querer vir para o Brasil se fosse perder 70% do faturamento e ganhar uma tributação cinco vezes maior? A lei não criou nada novo, apenas regulamentou”, disse Adolfo Viana, em seu relatório.

A proposta foi enfim aprovada, após meses de debate, no final de 2023, com o dispositivo que liberou os jogos online. Lula a sancionou no último dia daquele ano.

EFEITOS E REGULAMENTAÇÃO

Como mostrou pesquisa do Datafolha, de 2023, 15% da população já afirmava praticar apostas, com público majoritariamente jovem, e inclusive de beneficiários do Bolsa Família.

Os brasileiros destinaram até R$ 30 bilhões por mês para apostas no Brasil no primeiro trimestre de 2025, segundo informações do Banco Central.

Durante o ano de 2024, o Ministério da Fazenda trabalhou na regulamentação do setor, o que incluí regras para concessão de outorga, além dos mecanismos de controle de ludopatia e da propaganda. Desde 1º de janeiro de 2025, apenas as empresas autorizadas pela Fazenda podem oferecer o jogo no Brasil legalmente.

Procurado, o ministério da Fazenda afirmou que o Congresso é soberano em suas decisões.

“O mercado regulado de apostas de quota fixa, seja em eventos esportivos, seja em jogos online, traz mais segurança aos cidadãos brasileiros que optarem por essa forma de lazer”, informou a pasta, em nota.

“Também será uma ferramenta importante no combate à lavagem de dinheiro por meio de apostas.”

 

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