A Lei da Loteria de Quota Fixa: o limite de isenção do IRPF

Opinião I 05.01.24

Por: Magno José

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A Lei da Loteria de Quota Fixa: o limite de isenção do IRPF
Gedecy Medeiros e Jhonatas Mendes*

As apostas de quota fixa, mais comumente denominadas “apostas esportivas” ou, ainda, bets, receberam o status de modalidade lotérica com o advento da Lei nº 13.756/2018. Passados mais de seis anos da edição do referido diploma, sobreveio a recente Lei nº 14.790/2023, de 30 de dezembro, atualizando a norma anterior e disciplinando vários aspectos dessa modalidade lotérica.

Esse marco legislativo é, sem qualquer dúvida, fruto de um grande esforço conjunto do Poder Executivo e do Congresso, por meio das suas duas Casas, no intuito de disciplinar uma indústria que movimenta bilhões de reais todos os anos, cifra que por si só denota a importância desse gigante setor para a economia nacional, na qual gera empregos e arrecadação de receitas públicas, dentre outros interesses sociais.

Aqui, buscamos, da forma mais singela possível, tratar apenas sobre um dos aspectos da nova lei, mais especificamente o veto presidencial feito aos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 31, do projeto de lei.

Para um melhor entendimento, citamos a redação dos dispositivos vetados:

“§1º – Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se prêmio líquido o resultado positivo auferido nas apostas de quota fixa realizadas a cada ano, após a dedução das perdas incorridas com apostas da mesma natureza.

§ 2º – O imposto de que trata o caput deste artigo incidirá sobre os prêmios líquidos que excederem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF.

§ 3º – O imposto de que trata o caput deste artigo será apurado anualmente e pago até o último dia útil do mês subsequente ao da apuração.”

Pois bem, com o veto feito, parte dos canais especializados em notícias do setor passaram a veicular a informação de que a pretensão do governo federal no tocante à loteria de quota fixa era tributar, via Imposto de Renda, todos os ganhos obtidos, independentemente do valor, ou seja, sem observar qualquer faixa de isenção (atualmente, de R$ 2.112).

Entretanto, com um segundo olhar sobre a matéria, podemos compreender e constatar uma concepção um pouco diferente.

É certo que o veto ao referido parágrafo 2º, do artigo 31, do Lei nº 14.790/2023 — justamente o dispositivo cuja redação estabelecia o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física — pode levar a entender que, para as “apostas esportivas”, todos os seus ganhadores deveriam pagar Imposto de Renda, independentemente do valor do prêmio.

Essa, contudo, não foi a intenção do governo federal, o que, aliás, fica bem claro diante das justificativas apresentadas na mensagem do veto presidencial, da qual podemos extrair o verdadeiro propósito da medida, senão vejamos:

Razões dos vetos

“A manutenção dos §§1º e 3º do art. 31 do PL ensejaria uma tributação de imposto de renda distinta daquela verificada em outras modalidades lotéricas, havendo assim distinção de conduta tributária sem razão motivadora para tal. Outrossim, a manutenção do §2º do art. 31 do PL também iria de encontro à isonomia tributária, nos termos do art. 150, II, da Constituição Federal, já que traria uma lógica de isenção de imposto de renda em desacordo com o regramento ordinário existente no âmbito do recebimento de prêmios das loterias em geral, estabelecido pelo art. 56 da Lei nº 11.941, de 2008.”

Ou seja, aqui, a intenção da Presidência da República era evitar uma discrepância de regimes de apuração de IRPF para as diversas modalidades lotéricas permitidas no país, cujo disciplinamento já é estruturado no artigo 56 da Lei nº 11.941/2008 da seguinte forma:

“Artigo 56 – A partir de 1º de janeiro de 2008, o imposto de renda sobre prêmios obtidos em loterias incidirá apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF.”

Explica-se: enquanto o regime de incidência do Imposto de Renda sobre ganhos em loterias obedecia a lógica da tributação exclusiva na fonte com a incidência apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do IRPF, o PL da nova lei estipulava um novo regime para as apostas de quota fixa em que a incidência não obedeceria mais qualquer retenção na fonte, mas sim à apuração anual, hipótese na qual o limite de isenção observaria a Tabela Anual do Imposto de Renda, e não à Tabela Mensal.

Em outros termos, enquanto a Tabela Mensal (faixa de isenção até R$ 2.112) é aplicada para apurar a retenção do imposto na fonte, a Tabela Anual (faixa de isenção até R$ 24.511,92) é aplicada no momento da declaração anual de imposto de renda para ajustar e calcular o valor final do imposto.

Portanto, o objetivo do veto presidencial, em verdade, não é afastar a existência de uma faixa de isenção do IRPF sobre os prêmios em apostas de quota fixa, mas sim evitar a aplicação do regime de declaração anual, o que remeteria a arrecadação do IRPF apenas para o ano de 2025. A preocupação do governo é, portanto, conservar o regime de retenção exclusiva na fonte, ou seja, deduzindo o imposto no momento do pagamento do prêmio ao apostador, possibilitando, desta forma, o ingresso recorrente dessa receita aos cofres públicos.

Assim, por enquanto, pelo menos até que o Congresso Nacional aprecie o veto presidencial (podendo rejeitá-lo), a sistemática a ser observada nas premiações da modalidade lotérica de aposta de quota-fixa é a de incidência exclusiva na fonte do IRPF apenas sobre os ganhos líquidos acima do valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do IRPF, nos exatos termos do artigo 56 da Lei nº 11.941/2008, e aplicando-se a alíquota de 15% prevista no artigo 31 da Lei nº 14.790/2023.

(*) Gedecy Medeiros e Jhonatas Mendes são advogados e consultores em Direito Regulatório de jogos lotéricos. O artigo foi veiculado no Consultor Jurídico.

 

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