A opinião do GLOBO: Regulamentação estadual das bets deveria esperar diretrizes federais
Após debates intensos no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no fim do ano passado a lei que regulamenta as apostas em que o jogador tenta prever resultados de eventos sabendo quanto ganhará caso acerte — tecnicamente classificadas como “de cota fixa”. A regulamentação das empresas que oferecem tais apostas, chamadas bets, era necessária para disciplinar um mercado que, a despeito do crescimento, ainda era tratado com preconceito.
A regulamentação traz várias vantagens. Primeiro, fixa normas para um mercado que vivia no limbo. Segundo, permite que o Estado passe a arrecadar com a atividade (a lei determina outorga de R$ 30 milhões e taxação de 12% sobre a renda das plataformas). Já neste ano, o governo federal prevê receber R$ 10 bilhões, valor que deverá aumentar no futuro. Parte do que for arrecadado será destinada às áreas de educação, segurança pública, esporte, turismo, seguridade social e saúde (para mitigar danos do vício em jogos).
Não era difícil prever que esse mercado promissor despertaria cobiça. É o que está acontecendo. Como mostrou O GLOBO, antes mesmo de o governo federal concluir a regulamentação, estados correm para criar suas próprias regras. Rio de Janeiro e Paraná definiram valores para o pagamento de outorgas e estipularam percentuais sobre a receita inferiores ao previsto na legislação federal. O Ministério da Fazenda teme uma guerra entre as unidades da Federação em torno das bets e tenta convencer governadores a esperar os detalhes finais de Brasília. Até o mês que vem, novas portarias devem ser publicadas com diretrizes para auditorias, publicidade e inscrições de bets.
Não é ilegal a atitude dos governadores. As bets podem optar por ter uma licença local, que lhes permita atuar no estado onde estão registradas. Nesse caso, somente apostadores que moram nesses estados ou lá estejam poderiam acessar a plataforma. Não há impedimento também para que estados ofereçam outorgas e taxações próprias. Apenas nos aspectos não financeiros deverá prevalecer a legislação federal.
O risco da correria é os estados criarem uma confusão regulatória, deflagrando uma guerra para atrair as empresas. Eles têm direito de criar suas próprias normas, mas seria mais sensato esperar a definição federal que disciplinará o mercado de apostas. Os governos estaduais agem como se a arrecadação fosse um fim em si. Há outras questões relevantes na regulamentação, como as mencionadas pelo Ministério da Fazenda (auditoria, propaganda e inscrição das bets).
Outro ponto crítico é coibir as fraudes. A tramitação da lei ganhou fôlego depois que eclodiu o escândalo de jogadores que recebiam propina para cometer pênaltis ou levar cartões, de modo a favorecer apostas fraudulentas. O esquema mostrou que o mercado precisava de regras para atribuir responsabilidades e estabelecer punições nesses casos. Evidentemente, a arrecadação é importante, mas é só parte da questão. O risco é a lei se transformar apenas num instrumento de alívio aos cofres da União e dos estados. (Editorial O Globo)