Análise econômica da regulamentação da loteria de aposta de cota fixa
Nos últimos anos, o cenário das apostas esportivas no Brasil passou por mudanças significativas, impulsionadas pela crescente popularidade dos jogos de fortuna, ainda hoje denominados “jogos de azar”, com o claro objetivo preconceituoso e incompatível com a nova ordem constitucional, e pela necessidade de regulamentação adequada.
Recentemente, no último dia 25 de junho, muito após vencido o prazo de dois anos, prorrogado por mais dois anos, para regulamentação da Lei nº 13.756/18, que legalizou a modalidade lotérica das apostas de cota fixa no Brasil, conhecida como Lei das Bets, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional, a Medida Provisória nº 1.182/2023 e o Projeto de Lei nº 3616/2023, com urgência constitucional, este já aprovado na Câmara dos Deputados e que ora se encontra no Senado e que poderá passar a trancar a pauta em 11 de novembro, com o objetivo de modificar e aperfeiçoar a legislação sobre apostas esportivas e permitir uma adequada regulamentação para o Setor.
No entanto, o Ministério da Fazenda, em que pese a referida MP ainda não ter sido convertida em lei, editou a Portaria Normativa nº 1.230, publicada em 27 de outubro, cabendo aqui, em exame perfunctório, destacar inicialmente uma disposição específica, que abre discussões e críticas.
O artigo 25 da referida portaria proíbe a veiculação de publicidade em competições esportivas de abrangência nacional por operadores autorizados a explorar apostas de quota fixa exclusivamente no âmbito dos estados e do Distrito Federal. Além da redação confusa, em leitura apressada, a restrição afetaria a referida publicidade, inclusive em competições esportivas realizadas dentro dos limites territoriais dos próprios entes federados, considerando-se os casos em que ocorra abrangência nacional de determinadas competições locais, porém com interesse ou repercussão nacional.
Assim como “nenhum homem é uma ilha”, conforme o poema Meditação XVII, do poeta e escritor inglês John Donne, ninguém existe de forma isolada, e todos estão ligados de alguma maneira à sociedade e ao mundo ao seu redor, considerando a interconectividade e a interdependência das pessoas, sendo inapropriado o uso do conceito subjetivo da abrangência nacional em um mundo globalizado, onde de qualquer lugar do planeta pode haver interesse remoto e apostas, além dos limites do território nacional, ainda que em competições esportivas locais.
A real intenção da portaria já foi amplamente externada e consiste em manter a proibição da exploração de loterias estaduais além de seu limite territorial, com base no §1º do artigo 2º do vetusto Decreto-Lei nº 6.259/44. Sendo de conhecimento público e notório o ousado movimento pioneiro da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), no credenciamento de empresas para exploração das apostas de cota fixa, em que os interessados efetuam suas apostas declarando-se dentro dos limites territoriais, no âmbito estadual.
Afronta ao princípio da publicidade
A principal crítica a essa restrição está relacionada ao princípio da publicidade, um dos pilares da democracia. Restringir a veiculação de publicidade de operadores autorizados, mesmo que em âmbito estadual, pode ser visto como uma forma de censura prévia. O princípio da publicidade visa garantir a livre circulação de informações e ideias, fundamental em uma sociedade democrática.
Princípio da eficiência e custos da restrição
A emenda constitucional n. 20/1994, que introduziu o princípio da Eficiência também merece atenção. Restrições como a mencionada na portaria devem ser analisadas à luz desse princípio. Os custos associados à restrição da veiculação de publicidade em competições esportivas devem ser avaliados em relação aos benefícios pretendidos. Se os custos superarem esses benefícios, a regulamentação há de ser considerada ineficiente.
Igualdade de condições entre os entes federados e a União
Outro ponto a ser considerado dentro de suas competências constitucionais é a igualdade de condições entre os entes federados e a União. A restrição de veiculação de publicidade fora dos limites territoriais do ente habilitado em determinado local pode afetar a concorrência entre os demais no que diz respeito à exploração das apostas esportivas. A medida pode ser vista como um obstáculo à competição justa e ao desenvolvimento do Setor, assim como já ocorreu no passado recente e consolidado pelo julgamento conjunto das ADPFs 492 e 493.
Jurisdição internacional e acesso à internet
Com a globalização e o acesso à internet, a aplicação eficaz de restrições territoriais à veiculação de publicidade em competições esportivas torna-se desafiadora. Cidadãos brasileiros e estrangeiros têm acesso à rede mundial de computadores, e outros países podem não impor tais limitações. Isso levanta questões sobre a eficácia e a legalidade da restrição, especialmente em relação a estrangeiros que desejam exercer seu direito de escolha dentre a competições esportivas realizadas em qualquer ponto do território nacional.
Nesse sentido, a regulamentação das apostas esportivas no Brasil é um desafio complexo que requer um equilíbrio entre a proteção dos consumidores, os interesses dos entes federados, em harmonia com a União, sem negligenciar a eficiência econômica constitucional.
A disposição do artigo 25 da Portaria Normativa nº 1.230, que restringe a veiculação de publicidade, merece uma revisão cuidadosa à luz dos princípios constitucionais, da eficiência e da isonomia, representada pela igualdade de condições entre os entes federados e a autonomia administrativa e financeira destes, bem como o Marco Legal da Internet e a realidade globalizada.
Qualquer regulamentação deve buscar a maximização dos benefícios e a minimização dos custos, garantindo a livre circulação de informações e a competitividade do setor de apostas esportivas no Brasil, gerando novas oportunidade, emprego, renda e especialmente a indispensável segurança jurídica para atração dos investimentos desejados e obtenção dos recursos do jogo responsável, investimentos sociais e combate ao jogo ilegal, posto que a legislação vigente demonstrou ser incapaz de coibir de forma eficaz, de modo que o tema seja debatido e aprovada a regulamentação das apostas esportivas de cota fixa, com efetivo controle, fiscalização e justa tributação.
(*) Paulo Horn é mestre em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), presidente da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OAB-RJ e sócio fundador do Paiva & Horn advogados associados. O artigo foi veiculado na Revista Consultor Jurídico.