Análise: os equívocos do Ministro do Turismo sobre o modelo resorts integrados

Blog do Editor, BNL, Destaque I 09.04.21

Por: Magno José

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Em entrevista ao Pânico, da Jovem Pan o ministro do Turismo, Gilson Machado disse que a legalização dos jogos ou dos cassinos em resorts será decidida pelo Congresso e que “A região hoje que os donos dos cassinos escolheriam seria São Paulo e Rio de Janeiro, porque é perto do aeroporto”

A entrevista do ministro do Turismo, Gilson Machado a Jovem Pan tem equívocos e contextos fora da realidade do mercado de jogos e também sobre o modelo de resorts integrados (IRs) com cassinos.

Provavelmente, durante a visita do ministro ao Las Vegas Sands, em janeiro de 2020, os executivos Rob Goldstein (CEO do Las Vegas Sands Corporation) e Andy Abboud (vice-presidente de Relações Governamentais do Las Vegas Sands Corporation) apresentaram uma imagem distorcida sobre os resorts integrados para a comitiva brasileira, que também contou com a presença dos senadores Flávio Bolsonaro e Irajá e do deputado Hélio Lopes.

The Venetian com 11 mil quartos?

Um equívoco exagerado da entrevista foi o ministro do Turismo afirmar que os hotéis do entorno do The Venetian, que pertencia ao Grupo Sands, ficam lotados por causa do grande fluxo ao The Sands Expo & Convention Center. Além disso, o “hotelzinho” não tem 11 mil quartos como afirmou Gilson Machado, mas sim 4.049 habitações. Mesmo se somar com os 3.068 quartos do Palazzo, que era do mesmo grupo, não atinge os 11 mil informados. Também foi exagerado afirmar que a visitação de mais de 40 milhões de turistas a Las Vegas (antes da Covid) deve-se ao centro de convenções The Sands Expo do The Venetian.

Jogo de cassino 24% do faturamento?

Gilson Machado afirmou que os jogos dos cassinos em resorts integrados representam apenas 24% do faturamento deste empreendimento. Na verdade, este percentual é muito maior e pode chegar a 50%, como no caso do MGM Resorts. Além disso, o ministro não informou que as tarifas da hospedagem dos resorts integrados têm valores reduzidos porque são subsidiadas pela arrecadação dos jogos.

De 1984 a 1993, o jogo em Las Vegas girou em torno de 57% da receita total dos cassinos Strip, de acordo com o UNLV Center for Gaming Research. Em 1989, quando o Mirage foi inaugurado como o primeiro mega resort moderno de Las Vegas, comida e bebida, entretenimento e outras receitas, não incluindo jogos ou ocupação de quartos de hotel, representavam aproximadamente 24% da receita total.

Em 2019, o jogo ficou em 34,8% para os cassinos Strip, enquanto os números que não eram jogos somaram aproximadamente 37% da receita total do cassino. No centro da cidade, onde o entretenimento é um componente menor e os jogos sempre geraram lucro majoritário, os números de 2019 foram de 50,5% para jogos e aproximadamente 31% para não-jogos.

Reportagem do Las Vegas Then and Now sobre os ganhos dos cassinos de Las Vegas listou a arrecadação com jogo, hospedagem, restaurante, boate, shows, lojas, entre outros da rede MGM, que possui uma série de propriedades em Las Vegas, incluindo MGM Grand, Luxor, Bellagio, Excalibur, Circus Circus, Monte Carlo, Nova York, Nova York, Mirage e Mandalay Bay. Ao olhar para a receita gerada pela MGM, não é nenhum segredo que o cassino é o rei, respondendo por 48% do dinheiro que entra. Quartos de hotel e alimentos/bebidas vêm como os dois segundos maiores geradores, respondendo por 20% e 16% do valor da empresa receita em 2016, respectivamente.

Gilson Machado afirmou que os jogos dos cassinos em resorts integrados representam apenas 24% do faturamento deste empreendimento. Na verdade, este percentual é muito maior e pode chegar a 50%, como no caso do MGM Resorts

Investimento de US$ 30 bilhões?

Mas o maior exagero sugerido pelo ministro do Turismo ao programa Pânico da Jovem Pan está na afirmação: “a hora que o Brasil abrir para isso [cassinos em resorts] nós temos já dados que vão vir mais de US$ 30 bilhões para serem investidos no Brasil automaticamente”.

Esse nível de investimento é praticamente impossível para a implantação de resorts integrados no Brasil. A Covid-19 embaralhou todo o processo e mudou o foco das grandes corporações norte-americanas deste setor. Atualmente, os grandes grupos estão brigando pela sobrevivência de seus negócios e não pelo o lobby para implantação do modelo deste negócio no Brasil.

Em 2017, Adelson aterrissou em Brasília, onde se reuniu com deputados federais e com o então presidente Michel Temer. Na ocasião, ele apresentou o plano de investimentos do grupo LVS, um complexo de US$ 8 bilhões com resorts, cassino, shopping center e um centro de convenções, caso o Brasil legalizasse apenas os resorts integrados – exigência do bilionário. Voltou em 2018 para vender o modelo para o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes no Copacabana Palace.

No mundo pós-pandemia, Sheldon Adelson não está mais entre nós e não lidera o lobby pelo modelo dos resorts integrados. Las Vegas Sands Corp. vendeu o The Venetian, seu principal resort na Strip, e o resto de suas propriedades em Las Vegas como o Palazzo e o Sands Expo and Convention Center em um negócio multibilionário de US$ 6,25 bilhões, para direcionar os investimentos do Sands para a Ásia, que representa atualmente 85% do faturamento do grupo (63% de Macau e 22% de Singapura), esforço do lobby pela legalização dos cassinos no Texas e Nova York e apostas esportivas.

Equipamento do turismo

O ministro foi corretíssimo em afirmar que cassino é um equipamento do turismo. Poderia também ter informado que este empreendimento não atrai turista, mas retem o visitante em seu destino por conta das atrações oferecidas, além do jogo.

Machado foi sincero em revelar que os empresários só terão interesse em investir nestes empreendimentos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Não só porque tem aeroporto, mas porque atendem aos protocolos de instalação de resorts integrados como infraestrutura, turistas e renda per capta para garantir o equilíbrio econômico-financeiro e amortizar os investimentos.

Monopólio do jogo privado para os americanos

O pernambucano Gilson Machado, deveria trabalhar para evitar a criação do monopólio do jogo privado no Brasil para duas ou três grandes corporações dos Estados Unidos a através da opção do modelo resorts integrados. Estes empreendimentos levariam de quatro a cinco anos para serem construídos e, consequentemente, não recolheriam tributos aos cofres do governo neste período. Além disso, o trade hoteleiro que já enfrenta uma forte crise de ocupação, poderia ter este cenário amplificado com a instalação de milhares de quartos com valores de hospedagens bem inferior aos praticados pelo mercado nacional devido ao subsídio da arrecadação dos jogos.

Até a sanfona do ministro sabe da necessidade urgente de receita tributária para os cofres do governo e a existência de um ‘fato social’ devido à grande oferta de jogo não regulado. Gilson Machado deveria refletir sobre uma solução para a questão do jogo em três etapas: a curto prazo os jogos online e de banca [jogo do bicho], a médio prazo os cassinos urbanos e os jogos de rateio [bingos] e a longo prazo os cassinos em resorts. Somente a aprovação do Marco Regulatório dos Jogos, através da legalização de todas as modalidades de jogos, poderia gerar investimentos, arrecadação tributária e empregos imediatos que o país tanto necessita.

E se o ministro me permite mais um pitaco: o PL 4495/20 de autoria do senador Irajá, que legaliza um resort integrado por estado, não é bom para o Brasil.

Confira a entrevista do ministro do Turismo, Gilson Machado ao Pânico da Jovem Pan

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